U-199, apelidado de Lobo Cinzento, foi atacado a 87 km do Pão de Açúcar. Evento inaugurou um novo patamar do envolvimento brasileiro na Segunda Guerra, que saiu do “esforço de guerra” para a “participação direta”. O submarino nazista U-199, apelidado de Lobo Cinzento, vinha fazendo estrago na costa brasileira, com seus canhões, torpedos e minas. Em 22 de julho de 1943, o alvo foi o navio pesqueiro Shangri-lá, que naufragou após o ataque — pelo menos 10 brasileiros morreram. Antes, o submarino havia atacado o cargueiro americano Charles Wilson e afundado o navio britânico Henzada.
“O U-199 era, na época, uma das joias tecnológicas da máquina de guerra nazista, projetado para ter um alcance suficiente para tentar interromper o fluxo de embarcações no Atlântico”, afirma texto produzido pela Força Aérea Brasileira (FAB).
No dia 3 de julho daquele ano, o Lobo Cinzento foi avistado por um hidroavião da marinha norte-americana. A aeronave atacou, mas sofreu um revide fatal: acabou abatida e todos os americanos a bordo morreram.
A história seria diferente na manhã de 31 de julho. “O código, em inglês, dizia ‘submarino avistado e afundado’”, narra a FAB. “[…] o então aspirante Alberto Martins Torres [1919-2001] foi o primeiro brasileiro a transmitir essa mensagem de vitória”.
Torres pilotava um hidroavião PBY-5 Catalina. Alertado pelo rádio que o submarino estava perto, encontrou-o e partiu para o ataque. Em seu livro autobiográfico Overnight Tapachula: histórias de um aviador, publicado em 1985, ele recordou que “a menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto”.
Quando encontrou condições ideais, Torres alvejou o submarino. De acordo com a FAB, o submarino naufragou a 87 quilômetros do Pão de Açúcar, cartão-postal do Rio. “A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo, ele parou, dentro dos tries círculos de espuma branca deixadas pelas explosões”, escreveu Torres em seu livro.
O aviador brasileiro seguiu sobrevoando baixo a região, de forma a se proteger de um contra-ataque. Quando conseguiu, lançou um bote inflável para os tripulantes. Dos 61 militares alemães a bordo, 12 sobreviveram, entre eles o comandante, Hans-Werner Kraus (1915-1990). “Eles foram salvos por um navio norte-americano e, depois de passarem por uma prisão no Recife, foram enviados aos Estados Unidos”, pontua a FAB.
Inserção efetiva na guerra
Para especialistas, o episódio marcou uma mudança no comportamento brasileiro frente à Segunda Guerra Mundial: a partir desse ataque, a participação era direta.
Oficialmente, o Brasil havia declarado guerra aos países do Eixo em agosto de 1942, depois de meses de torpedeamentos de navios mercantes na costa. Esses ataques marítimos se intensificaram, e o episódio de 80 anos atrás foi a primeira vitória capitaneada por um brasileiro.
“O afundamento do submarino provocou um grande furor patriótico. O Brasil estava tomando a decisão de passar do esforço de guerra para uma participação direta”, analisa o historiador e cientista político Leonardo Trevisan, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “O tom patriótico demonstrou [à população] que o país ‘precisava’ efetivamente participar da guerra.”
Pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato contextualiza que enquanto a declaração de guerra, em 1942, marcou uma tensão no aspecto diplomático, com o rompimento de relações com os países do Eixo, o afundamento do submarino significou a “inserção do Brasil em termos de participação militar, ainda que em território brasileiro e como defesa”.
“Havia uma expectativa muito grande [sobre] como o Brasil iria responder às agressões sofridas pelos submarinos do Eixo, alemães e italianos. Ninguém sabia como o Brasil ia entrar na guerra efetivamente”, comenta o músico João Barone, pesquisador da participação brasileira no conflito e autor de livros como A Minha Segunda Guerra'(Panda Books). “Então o afundamento teve um efeito de propaganda muito grande e fortaleceu o moral local. Foi uma resposta ao verdadeiro terrorismo que os submarinos representavam.”
Foi nesse contexto que, em 9 de agosto, acabaria sendo criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), uma força militar constituída com o objetivo de se juntar a missões, ao lado dos países Aliados, na campanha da Itália.
Como diz Barone, foi a partir daí que “a gente conseguiu botar um tijolinho na luta contra o nazifascismo”.
Missiato ressalta que “esse evento [o afundamento] reforçou as alianças entre Brasil e Estados Unidos” ao mesmo tempo em que “preparou a opinião pública, a sociedade brasileira, para a participação mais efetiva” na guerra, com o envio das tropas para a Itália.
Submarinos alemães
Mas qual era o objetivo dos nazistas com esse patrulhamento e os seguidos ataques na costa brasileira? Em primeiro lugar, interromper o intenso comércio que partia dos portos locais e supriam os países aliados com uma diversidade de insumos.
Não só isso. Os Estados Unidos, principais rivais da Alemanha àquela altura, utilizavam portos brasileiros para reabastecimento e outras operações. Assim, manter o cerco significava também guerrear contra os americanos.
“Era um duplo interesse”, explica Missiato. “Os alemães queriam impedir o avanço das tropas americanas e, ao mesmo tempo, bloquear o envio de matérias-primas brasileiras.”
Contudo, o tiro acabaria saindo pela culatra, já que essa tática foi o que forçou a entrada oficial do Brasil na guerra. “A presença de submarinos alemães em águas brasileiras, o torpedeamento de navios brasileiros, as centenas de mortos devidos ao afundamento de navios, foram fatores importantes para desencadear movimentos sociais, sobretudo entre os estudantes universitários, a favor da guerra contra o nazi-fascismo”, afirma o historiador Daniel Aarão Reis, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Ele classifica a campanha submarina alemã na costa brasileira como “um erro estratégico” por ter empurrado o país para o lado dos Aliados. “O erro foi tão crasso que, durante anos, alimentou-se o rumor de que seriam os próprios Estados Unidos os responsáveis pelo afundamento dos navios brasileiros”, conta Reis. “Esta tese, no entanto, nunca foi comprovada. Ao contrário, as evidências encontradas […] comprovaram a autoria alemã no torpedeamento dos navios.”
O aviador Torres
O aviador Torres seguiu combatendo até o fim da Segunda Guerra. Em 1944 ele ingressou no 1º Grupo de Aviação de Caça. “E foi combater nos céus da Itália a bordo de potentes caças P-47 Thunderbolt”, registra a FAB.
“O então tenente Torres é até hoje o piloto de caça brasileiro com maior número de missões reais: 100”, destaca a instituição. Em território italiano, foram 99 voos de ataque e um de defesa: a ele coube fazer a proteção aérea de um jogo de futebol realizado entre combatentes brasileiros e ingleses, em Florença.
Com o fim da guerra, Torres foi promovido a capitão e deixou os quadros da FAB. Ele seguiu a vida como advogado, aviador e empresário. Quando morreu, em 2001, suas cinzas foram jogadas ao mar por um avião C-115 Buffalo, escoltado de um lado por aviões de patrulha marítima P-95 e, por outro, de caças F-5 do 1º Grupo de Aviação de Caça.