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domingo 23 de julho de 2023 às 08:19h

Emendas parlamentares priorizam Codevasf, Dnit, Dnocs e Sudeco

DESTAQUE, NOTÍCIAS, POLÍTICA


O governo do presidente Lula (PT) priorizou a liberação de emendas a órgãos comandados pelo Centrão nos primeiros sete meses do ano, enquanto organismos vinculados a educação, cultura e meio ambiente, áreas classificadas nos discursos petistas como fundamentais, ficaram no fim da fila de preferência de parlamentares e do Palácio do Planalto na hora de endereçar recursos indicados pelo Congresso. Levantamento feitopor  Julia Noia e Marlen Couto , do jornal O Globo, mostra que 57 entidades federais, sendo 32 instituições de ensino, não tiveram nenhum centavo empenhado até 18 de julho. No mesmo período, porém, mais de meio bilhão foi destinado a quatro estatais e autarquias capitaneadas pelo grupo político, a exemplo do que ocorreu em governos anteriores.

As emendas parlamentares são instrumentos por meio dos quais deputados e senadores indicam melhorias a seus redutos eleitorais bancadas pelo orçamento da União. O calendário de pagamentos, contudo, é estabelecido pelo Executivo. Portanto, o ranking de órgãos mais abastecidos varia de acordo com as prioridades definidas pelos congressistas no envio do dinheiro e as ordens de pagamento do governo federal. A Constituição prevê que metade das emendas parlamentares individuais financie programas da Saúde, por isso o Fundo Nacional de Saúde lidera a lista com pouco mais de R$ 7,7 bilhões.

Ainda na parte de cima do ranking, quatro instituições federais geridas por afilhados do Centrão foram agraciadas com R$ 611 milhões neste ano — esse montante já foi empenhado, ou seja, reservado pelo Executivo para ser repassado. São elas: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco).

O volume de emendas autorizado para a Codevasf supera o previsto para todas as universidades federais juntas neste ano. O mesmo ocorre quando se compara essas unidades de ensino com o Dnit. A demora no repasse pode comprometer projetos em andamento nas instituições. Essa verba pode ser usada, por exemplo, para a compra de equipamentos, materiais e obras — que, muitas vezes, acabam não sendo abarcados pelo orçamento do órgão.

Infográfico mostra destino das emendas parlamentares — Foto: Editoria de Arte

Infográfico mostra destino das emendas parlamentares — Foto: Editoria de Arte

Infográfico mostra entidades que não receberam recursos via emendas — Foto: Editoria de Arte

Infográfico mostra entidades que não receberam recursos via emendas — Foto: Editoria de Arte

Veja quais são as entidades sem previsão de receber emendas em 2023 — Foto: Editoria de Arte

Articulação e pressa

Na avaliação de pesquisadores ouvidos pelo O Globo, a desigualdade na distribuição das emendas passa por vários fatores, como a necessidade do governo em fortalecer sua articulação política e o interesse dos parlamentares em retornos eleitorais mais imediatos e em órgãos com menos burocracia para a execução das verbas. Há ainda demora por fatores técnicos, diante da análise das propostas nos próprios ministérios.

Vice-presidente da Andifes, que reúne reitores de universidades federais, Dácio Matheus afirma que os R$ 3,9 milhões em emendas previstos neste ano para sua instituição, a Universidade Federal do ABC, dará conta da renovação dos computadores, mas é insuficiente para outras melhorias. Ele atribui a demora no empenho e a baixa alocação de recursos aos resultados dos programas, percebidos a médio e longo prazo.

— Projetos de pesquisa precisam de um ano e meio para ter resultados. Isso é muito tempo para o parlamentar, já que representa quase metade do mandato. Nos últimos quatro anos, quase fomos forçados a ir para dentro do parlamento para conseguir emendas — diz.

Na quinta-feira, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), anunciou uma nova leva de emendas, com a liberação de R$ 33 milhões. A verba será destinada à educação superior, tecnológica e para obras escolares. Os dados levantados pelo GLOBO mostram que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) teve apenas R$ 2,9 milhões liberados até o momento, de R$ 343,8 milhões previstos para o ano. Ao órgão cabe realizar a maioria das ações da educação básica.

Também distantes do topo do ranking de liberação de recursos estão instituições ambientais. Responsável pela gestão de florestas públicas e pelo Cadastro Ambiental Rural, o Serviço Florestal Brasileiro tem apenas R$ 684 mil em emendas previstas para o ano. Desse valor, nada foi empenhado até o momento.

Já o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que tem o desafio de fortalecer a fiscalização ambiental após passar por sucateamento na gestão de Jair Bolsonaro, teve a liberação de R$ 1 milhão, cerca de 24% do previsto. E todas as emendas destinadas à entidade partiram de comissões temáticas do Congresso — a execução pelo governo não é obrigatória, ao contrário das emendas individuais e de bancada.

Procurados pelo jornal O Globo para comentar a liberação de emendas, os ministérios da Cultura, do Meio Ambiente e das Cidades informaram que a execução dos recursos demanda a apresentação de projetos e que propostas dos municípios e estados estão em análise técnica interna. Também apontaram que, após essa etapa, a verba será repassada. A pasta da Educação enfatizou a nova leva de emendas anunciada nesta semana, sem detalhar critérios de liberação.

Nenhum centavo

Em outra frente, há 250 órgãos que nem sequer foram lembrados como destinos de emendas dos parlamentares. Nesses casos, ou nenhum congressista indicou verbas ou o governo não autorizou eventuais destinações. Nesse grupo, estão 12 das 68 universidades federais do país. Um exemplo de entidade esquecida no mapa de emendas é a Fundação Casa de Rui Barbosa, vinculada à Cultura e sediada no Rio. Há mais de cinco anos, a instituição iniciou a construção de um prédio anexo para preservar parte do patrimônio de bens culturais. A obra, porém, está parada desde antes da pandemia da Covid-19, também pela falta de recursos. Na última semana, a reportagem do GLOBO viu que o local em que deveria ser construído o anexo, em Botafogo, estava cercado, mas sem avanços significativos. O GLOBO não conseguiu contato com a fundação.

Professor da Fundação Dom Cabral, o advogado e economista Bruno Carazza afirma que, do ponto de vista dos parlamentares, há uma predileção por agendas regionais, com objetivo de atender a demandas locais. Deputados e senadores, avalia, também privilegiam órgãos que garantem retorno rápido de olho em eleições, principalmente aqueles com maior flexibilidade para compras, como a Codevasf e o Turismo.

Do ponto de vista do governo, Carazza vê dois desafios:

— Os ministros dessas áreas precisam construir articulação com o Congresso para atraírem mais emendas — destaca. — Ao mesmo tempo, o governo precisa reforçar seus mecanismos de controle. Por mais que a emenda seja de um parlamentar, se ocorrer um escândalo de corrupção com esse recurso, vai contaminar a imagem do governo.

O professor de Ciência Política Emerson Cervi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que há preferência por destinar recursos a autarquias e empresas públicas pela rapidez de retorno. Nessa conta, soma-se o controle político de partidos:

— O parlamentar vai inaugurar e acompanhar a obra. Não raro, o cargo de confiança do órgão federal no estado é indicado pelo deputado ou senador, que tem influência sobre os recursos.

Cervi avalia que a velocidade de empenho depende mais dos interesses do Congresso, que usa as emendas como moeda de barganha, que do Executivo.

Passo a passo das emendas

O que são as emendas?

São alterações no orçamento federal feitas por deputados e senadores. Com a medida, o Legislativo direciona uma parte da verba executada pelos ministérios.

Qual a sua função?

Os parlamentares podem alocar recursos em função de suas agendas nos estados e municípios de origem, sobre os quais têm maior conhecimento. O mecanismo busca descentralizar e democratizar o orçamento. Tradicionalmente, são usadas como moedas de troca entre o governo e parlamentares, já que o Executivo define o ritmo da liberação.

Qual são os tipos?

  1. Individual — Apresentada por qualquer parlamentar. Metade dos recursos é destinada à Saúde. Pagamento é obrigatório desde 2015.
  2. Bancadas — Apresentadas pelas bancadas estaduais de acordo com a proporção dos seus assentos no Congresso. É impositiva desde 2019.
  3. Comissões — Apresentadas por comissões técnicas e Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Sua execução não é obrigatória.
  4. Relator — É apresentada pelo parlamentar relator do orçamento. Cresceu no governo Bolsonaro, em mecanismo conhecido como “orçamento secreto” pela falta de transparência. Seu uso foi declarado inconstitucional pelo STF no ano passado.

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