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domingo 2 de julho de 2023 às 09:15h

Como o início do ciclo de queda de juros no país pode destravar a economia

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Uma velha máxima diz que os juros altos são inimigos da atividade econômica. Se as taxas estão elevadas demais, o crédito encarece e uma reação em série espalha-se por todas as áreas de negócios. Varejistas vendem menos eletrodomésticos, incorporadoras cancelam lançamentos imobiliários, montadoras reduzem o ritmo de produção de veículos — e tudo isso porque a captação de recursos é cara, o que torna os valores dos financiamentos proibitivos para a maioria das pessoas. Por isso mesmo, nos últimos meses nenhum tema afeito à área econômica foi tão debatido no Brasil quanto a taxa Selic. Desde que os índices inflacionários começaram a cair, em um sinal inequívoco de que a política de aperto monetário havia funcionado, as discussões sobre o término do ciclo dos juros altos encheram de ansiedade os atores econômicos, de governantes a empresários, de investidores a consumidores. Na terça-feira 27, a tensão foi, enfim, aplacada. Em um comunicado sucinto, o Banco Central avisou que a Selic está prestes a cair.

Bastou uma única frase para os bons entendedores notarem que a dura mas necessária escalada de juros parece ter chegado ao fim. “A continuação do processo desinflacionário em curso pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião”, afirmou o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC em sua mais aguardada ata em muito tempo. O que também chamou a atenção no documento foi a divergência entre o comunicado feito em 21 de junho e o mais recente. Antes, o texto fazia entender que não havia brecha para a queda da Selic. Agora, sinaliza, sem margem para dúvidas, que os sinais de redução da inflação significam o alívio que o país tanta esperava para ceifar os juros altos.

arte inadimplencia

A expectativa do mercado é que o primeiro corte da Selic seja feito já na próxima reunião do Copom, prevista para agosto. Contudo, ele tende a ser modesto, de 0,25 ponto percentual. Ainda assim, é um primeiro passo — e um salto gigantesco para a economia brasileira. “O Brasil está em uma trajetória fiscal sustentável e, portanto, a harmonização da política fiscal com a monetária é algo que possa acontecer brevemente”, comemorou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que andou às turras com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, acusado pelos petistas de ter má vontade com o atual governo.

A trégua na Selic era mais do que urgente. A inflação está sob controle e o real ensaia uma boa valorização, o que decorre sobretudo da agenda comercial positiva que vem sendo impulsionada pelo agronegócio. Até o fim do ano, a maior parte dos especialistas espera crescimento da economia acima de 2%. Ressalte-se que o índice está longe do ideal, mas também distante do pibinho de tempos atrás. Se o governo não fraquejar no controle dos gastos públicos e na aprovação da reforma tributária, algo que deve sempre ser levado em conta em um país como o Brasil, as perspectivas, de fato, parecem positivas.

ALIVIADO - Haddad: a expectativa do governo é que o primeiro corte da Selic saia em agosto
ALIVIADO - Haddad: a expectativa do governo é que o primeiro corte da Selic saia em agosto (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A redução da Selic também será forte aliada de um estorvo que assombra a economia brasileira e trava o crescimento: a inadimplência recorde. Estimativas recentes apontam que 71,9 milhões de brasileiros possuem dívidas em atraso, o equivalente a 44,09% da população adulta. Trata-se do maior número desde janeiro de 2016. Em valores, os débitos chegam a impressionantes 345,7 bilhões de reais. Os dados mostram ainda que 69,5% dos inadimplentes enquadram-se na faixa etária de 26 a 60 anos de idade, ou seja, estão em plena capacidade de trabalho. “É um recorde histórico que vem sendo batido a cada mês e, se observarmos a trajetória recente da estatística, veremos que a tendência de elevação deve ainda prevalecer no curto prazo”, alerta Luiz Rabi, economista do Serasa Experian, principal birô de crédito do país.

O setor de serviços exemplifica como poucos os efeitos perversos da inadimplência alta. Em abril, o segmento caiu 1,6% em relação ao mês anterior, de acordo com dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o maior recuo para o mês desde 2020. “Uma hora a corda aperta e enforca”, afirma Max Mustrangi, sócio da Excellance, consultoria especializada em reestruturação no varejo. “É um ciclo vicioso. De um lado, não há mais poder de compra. De outro, há medo de vender e ficar sem receber.”

A inadimplência é um gargalo histórico no Brasil, o que se deve inclusive aos baixos índices de educação financeira associados a juros altos por longos períodos. Nos últimos anos, o cenário agravou-se. “Houve a ampliação do endividamento nas famílias com a pandemia de Covid-19 e, em um segundo momento, tivemos um choque de juros”, diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. “Isso pegou em cheio quem tinha se endividado mais. Foi um duplo golpe.”

O drama da inadimplência levou a equipe econômica a desenhar um programa voltado para renegociação de dívidas. Chamado Desenrola Brasil, ele está mais enrolado do que deveria. A medida provisória sobre o tema está em vigor, mas o governo precisa fazer um leilão para que haja a adesão de credores. Além disso, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional são contrárias à iniciativa, por temerem prejuízos aos cofres públicos. Prevendo o aprofundamento das discussões, o Ministério da Fazenda fechou acordo com o Legislativo para que o programa seja efetivado por meio de um projeto de lei. Portanto, as indefinições persistem.

COMPRAS - Maquininha em ação: o número de devedores aumenta sem parar
COMPRAS - Maquininha em ação: o número de devedores aumenta sem parar (Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)

Embora a queda dos juros seja bem-vinda, ela não representa a solução de todos os males brasileiros. O caminho é árduo e está repleto de obstáculos. Nas próximas semanas, o Congresso dará andamento ao arcabouço fiscal e à reforma tributária, que terão papel vital para destravar a economia. Apenas quando tudo estiver pronto será possível afirmar que o Brasil, enfim, virou uma página importante de sua história.

Publicado em VEJA de 5 de Julho de 2023, edição nº 2848

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