Este é um momento decisivo nos 16 meses de guerra da Rússia na Ucrânia e potencialmente um desafio ao domínio de Vladimir Putin no poder.
O líder russo acusou o chefe mercenário de Wagner, Yevgeny Prigozhin, de traição, de embarcar em uma rebelião armada e de “uma punhalada nas costas de nosso país”.
Depois de meses criticando a falta de apoio na Ucrânia, Prigozhin prometeu derrubar a liderança militar da Rússia depois de acusar os militares russos de lançar um ataque mortal com mísseis contra suas tropas.
Ele proclamou que o “mal” na liderança militar da Rússia deve ser interrompido e disse que seu objetivo “não é um golpe militar, mas uma marcha por justiça”.
O governo russo negou as acusações e abriu um processo criminal contra Prigozhin por “convocar rebelião”, crime que prevê penas de prisão de 12 a 20 anos.
O que está acontecendo?
Durante meses, Prigozhin desempenhou um papel vital na campanha militar da Rússia na Ucrânia, recrutando milhares para seu grupo de mercenários Wagner, especialmente nas prisões russas.
Estima-se que há mais de 20 mil mercenários apenas na guerra ucraniana, 10% de todas as tropas russas no front.
Há muito tempo ele está em uma disputa aberta com os chefes militares que comandam a guerra, mas isso agora se transformou em uma revolta.
As forças de Wagner cruzaram do leste da Ucrânia ocupada para a grande cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, e afirmam ter assumido o controle de suas instalações militares.
O presidente Putin diz que a situação é difícil, mas prometeu fazer tudo para defender a Rússia.
Isso é um golpe?
Prigozhin afirma que todas as acusações de golpe militar são absurdas.
Mas o que começou como uma discussão sobre o fracasso dos militares em fornecer a seus mercenários equipamento e munição suficientes agora se transformou em um desafio direto aos dois homens encarregados de conduzir a guerra – o ministro da Defesa Sergei Shoigu e o chefe das forças armadas Valeri Gerasimov.
Até agora, o movimento não é consideradoum golpe, pois não houve nenhuma tentativa de tomar o poder do governo. Mas é uma tentativa de derrubar os principais militares da Rússia e, portanto, um desafio à autoridade do presidente.
Toda a região de Moscou foi colocada em alerta sob um “regime de operação antiterrorista” e grandes eventos foram cancelados.
“Somos 25 mil”, afirmou Prigozhin. “Quem quiser, junte-se a nós.” Isso não é suficiente para ameaçar o presidente, mas é um desafio para a liderança militar.
Movendo suas forças através da fronteira para Rostov, ele parece ter cercado o quartel-general militar de onde a guerra está sendo conduzida e afirma que tanto o ministro quanto o chefe de gabinete fugiram.
Marcha dos mercenários
Entre as primeiras ações em sua rebelião contra o Kremlin nas áreas ocupadas da Ucrânia para o interior da Rússia, os mercenários enviaram uma enorme coluna militar que tomou a capital da região russa de Rostov-on-Don.
O líder mercenário disse que seus soldados cruzaram para a Rússia em vários locais e disseram que foram recebidos de braços abertos pelos agentes de fronteira.
Em um discurso à nação, Putin admitiu que está enfrentando um motim armado e que suas forças não controlam mais Rostov-on-Don. Ele também acusou o chefe do grupo mercenário Wagner de traição e ameaçou uma resposta dura.
Imagens postadas online mostram supostos soldados de Wagner cercando a sede local do Ministério da Defesa em Rostov, bem como helicópteros do grupo.
A BBC não conseguiu verificar a autenticidade das fotos ou das alegações de Prigozhin.
Entre Moscou e Rostov há uma distância de mais de mil quilômetros por estrada, mas temendo uma invasão de mercenários, as autoridades da capital reforçaram vários pontos da cidade.
Relatórios da cidade russa de São Petersburgo dizem que a tropa de choque e a guarda nacional realizaram incursões no escritório do grupo mercenário.
Uma agência de notícias local disse que homens mascarados armados com fuzis automáticos se posicionaram em uma ponte perto de um hotel e restaurante ligado a Wagner.
A segurança na capital russa, Moscou, foi reforçada.
O prefeito, Sergei Sobyanin, disse que estavam tomando o que chamou de medidas antiterror.
Veículos blindados foram vistos nas ruas e postos de controle adicionais foram introduzidos nas estradas.
Mais ao sul, o governador da região de Voronezh pediu às pessoas que evitassem uma rodovia porque um comboio militar estava em movimento.
O Ministério da Defesa ucraniano reagiu com um tweet em que se limitou a afirmar que está a “observar” a situação.
Na Casa Branca, um porta-voz indicou que o presidente dos EUA, Joe Biden, está ciente das notícias vindas da Rússia.
Como a situação atual se desenvolveu
Prigozhin há muito é um aliado próximo do presidente Putin e floresceu sob seu comando, primeiro como um rico empresário e depois como chefe mercenário.
Seus combatentes de Wagner morreram em grande número na amarga campanha para tomar Bakhmut no leste da Ucrânia, que durou meses e nunca foi totalmente alcançada. Prigozhin culpou o alto escalão militar pela escassez de projéteis, com vídeos gráficos e discursos de mídia social cheios de palavrões expondo as falhas e as fraturas das forças armadas da Rússia na Ucrânia.
Ele nunca direcionou sua raiva diretamente ao presidente, mas suas referências sarcásticas ao “avô feliz” foram amplamente vistas como críticas indiretas. No mês passado, ele perguntou como a Rússia poderia vencer se “esse avô é um completo idiota”.
Então, em um longo discurso em 23 de junho, ele disse aos russos que toda a justificativa para sua guerra era uma mentira e apenas uma desculpa para “um pequeno grupo de canalhas” se promover e enganar o público e o presidente.
Os eventos mudaram muito rapidamente desde então.
Prigozhin acusou os militares de encenar um bombardeio mortal contra seus homens na Ucrânia, mas os militares negaram e ele falhou em apresentar o tipo de prova que costuma apresentar.
No final da sexta-feira, ele anunciou que sua “marcha por justiça” estava em andamento. Sua força de 25 mil seria apenas uma “reserva tática” e todo o exército e todo o país seriam sua reserva estratégica.
O general Sergei Surovikin, vice-comandante das forças na Ucrânia, apelou para que ele recuasse e se submetesse à autoridade do presidente Putin.
Mas pela manhã os homens de Prigozhin chegaram a Rostov: “Estamos dentro do quartel-general [militar].”
Críticas à invasão da Ucrânia
A mídia estatal de Moscou informou que o FSB (o Serviço Federal de Segurança da Federação Russa) abriu um processo criminal contra Prigozhin, a quem acusa de “convocar uma rebelião armada”.
O Kremlin também anunciou que “as medidas necessárias estão sendo tomadas”, segundo a agência de notícias russa Interfax.
O Ministério da Defesa da Rússia disse em comunicado que “todos os relatórios de Prigozhin divulgados nas redes sociais” sobre os ataques russos aos campos de Wagner “não são verdadeiros e são uma provocação informativa “.
Isso ocorre depois que um vídeo foi divulgado em maio no qual o líder do grupo Wagner, cercado pelos corpos de suas tropas, repreendeu o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valeri Gerasimov, por não fornecerem munição suficiente.
E nesta sexta-feira Prigozhin afirmou que a guerra na Ucrânia começou “para que Shoigu pudesse se tornar um marechal”.
“O Ministério da Defesa está tentando enganar o público, enganar o presidente e contar uma história de que houve alguma agressão maluca da Ucrânia; que, junto com todo o bloco da OTAN, a Ucrânia planejava nos atacar”, alegou.
O general Sergei Surovikin, vice-chefe das forças russas na Ucrânia, cuja liderança Prigozhin elogiou há muito tempo, pediu ao líder de Wagner que “parasse os comboios e os devolvesse às suas bases”.
“Somos do mesmo sangue, somos guerreiros”, disse ele em um vídeo.
E acrescentou: “Você não deve jogar o jogo do inimigo em um momento difícil para o nosso país.”
Um momento sério para Putin e a Rússia
Este não é um desafio direto à guerra da Rússia na Ucrânia ou à liderança do presidente. Mas é suficientemente sério para o líder russo fazer um discurso televisionado determinado e intransigente de cinco minutos.
Prigozhin ameaçou não apenas montar acampamento em Rostov, mas também seguir para Moscou se suas exigências militares não forem atendidas.
Até agora ele lutou apenas contra a liderança militar pelo aumento do suprimento de armas, agora ele está assumindo a própria liderança.
Prigozhin tem apoio público substancial na Rússia e, mesmo que seu desafio desmorone, este é pelo menos um momento de crise para um exército que conta com seus mercenários na Ucrânia.
Mas este também é um momento decisivo para a liderança de Putin e um alerta para os russos.
*Com informações da reportagem de Paul Kirby