Mais de uma dezena de magistrados se declarou segundo José Marques, da Folha, suspeita no último um ano e meio e declinou de julgar processos relacionados a um empresário do agronegócio envolvido em diversas disputas de terras na divisa da Bahia com Goiás.
Nestor Hermes, 65, tem sido alvo de processos há mais de duas décadas nos quais o acusam de atuar com funcionários armados com o objetivo de grilar terras na região.
Os relatos nas ações são de fazendeiros e outros empresários rurais e vão de ameaças de morte a invasão e incêndio de propriedades. Os processos também questionam a validade dos documentos que ele e suas empresas usam para justificar a obtenção dos terrenos.
Pelo Ibama, Hermes e sua empresa já foram autuados em mais de R$ 1 milhão por desmatamento e extração de areia ilegal. Ele também apareceu, em 2012, na “lista suja” de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão —o empresário firmou um acordo com o Ministério Público do Trabalho em 2013 e pagou indenização para limpar o nome.
A região baiana na qual se passa a disputa fundiária tem um histórico de conflitos rurais e foi palco da maior operação policial sobre venda de decisões judiciais do Brasil, a Faroeste.
Procurada, a defesa de Nestor Hermes afirma que ele não é condenado em processos criminais, que não usa violência e que não há provas desses relatos. Mostrou certidão de que ele não é investigado criminalmente na delegacia de Cocos (BA), onde está parte dos processos.
Também aponta que não é incomum que juízes se declarem suspeitos e abdiquem de julgar os processos do oeste baiano, uma área que é conflituosa e que foi o cenário da Faroeste. Em um processo que tramita no TJ-BA com outras partes, houve nove declarações de suspeição. Em outro, sete. Em um terceiro, cinco.
Os processos contra Hermes que contêm relatos de supostas práticas violentas vêm desde a década de 1990.
Um deles é uma queixa-crime de 1997, na qual um produtor rural chamado Severino Silva registrou que Hermes chegou à sua propriedade “fazendo-se acompanhar de cinco pistoleiros, facínoras, que pela forma de agir são assassinos profissionais com orientação paramilitar”.
Severino afirmou que foi retirado de casa sob ameaça de morte e que, em seguida, os pistoleiros atearam fogo na sua residência.
Na queixa, Severino afirma ter dito a Hermes que tinha a posse do local havia mais de 30 anos, com registro no Cartório de Imóveis, no Incra e na Receita Federal. O caso gerou uma investigação do Ministério Público.
Em outro processo, de 2012, um empresário chamado Ademir Sommer afirmou que também foi impedido de ingressar em sua fazenda, sob ameaça de Hermes, após ela ter sido invadida.
Numa ação de 2016 produtores de palmito disseram que houve invasão das suas terras e que foram trocados cadeados e fechaduras. Segundo eles, homens armados passaram a vigiar o terreno e a impedir a entrada das pessoas que dizem serem os reais proprietários.
Em mais um processo envolvendo diferentes pessoas, de 2020, um empresário rural, Luiz Barros, afirmou que, em duas oportunidades em que visitou as suas terras, foi recebido por motoqueiros “fortemente armados, com carabinas de grosso calibre”, que disseram estar a mando de Hermes e que “ninguém poderia lá ficar sob pena de responderem com a vida”.
A defesa de Barros afirmou que essa é “a prática dos grileiros da região, pois acreditam na impunidade e no ganho fácil”.
Há mais processos com afirmações similares a respeito do empresário. É comum em parte desses casos que as decisões tomadas por juízes demorem a ser cumpridas pela dificuldade em intimar Hermes ou por ausência de ação do poder público local, sobretudo da Polícia Militar.
A ação que está no Tribunal de Justiça da Bahia e provocou a maioria das suspeições envolve outra empresa, a AMC Agropastoril, que também acusa Hermes de tentativa de grilagem. A defesa de Hermes nega e afirma que é a dona do terreno.
Foi nesse processo que oito desembargadores e uma juíza substituta em segunda instância se declararam suspeitos, por foro íntimo, e declinaram de julgar o caso.
Procurados, os magistrados não detalharam qual é o motivo da declaração de suspeição. O desembargador José Aras disse que “essas suspeições, por natureza, são por motivo de foro íntimo”. “Ou seja, não há um motivo específico”, afirmou.
Outro desembargador, Maurício Kertzman, citou o Código de Processo Civil e afirmou que “na suspeição por motivo de foro íntimo o julgador não tem necessidade de declarar suas razões, justamente para preservar o Juiz na sua liberdade de apontar esse vício, o que na verdade preserva o julgamento justo”.
Um terceiro desembargador, Paulo Chenaud, também afirmou apenas que se declarou suspeito por foro íntimo, sem detalhar.
A Folha fez a mesma pergunta, por mensagem ou via assessoria, aos desembargadores Lisbete Teixeira, Josevando Souza Andrade, Maria de Fátima Carvalho, Regina Helena Silva, Manuel Bahia e à juíza substituta em segunda instância Maria do Rosário Calixto. Eles não se manifestaram.
Em primeira instância, dois juízes que atuaram respectivamente nas comarcas de Coribe e de Cocos, Bruno Damas e Thatiane Soares, também se declararam suspeitos em processos relacionados a Nestor Hermes. Procurados, ambos não se manifestaram.
Nos últimos anos, Hermes tem se aproximado do poder público da Bahia. Um deputado estadual da União Brasil, Manuel Rocha, propôs neste ano título de cidadão baiano a Hermes, que é natural de Ijuí (RS) e tem laços com Formosa (GO).
Procurado, ele disse que Hermes realiza “grandes investimentos no setor agropecuário da Bahia, em especial na região oeste, contribuindo com o desenvolvimento do estado”.
O prefeito de Cocos, Marcelo Emerenciano, que ficou conhecido por anunciar que deixaria o PL para se filiar ao PT, também tem defendido o empresário como um grande investidor da região. Ele levou Hermes para uma reunião com o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), em Salvador.
Em abril deste ano, Emerenciano se referiu a Hermes em uma postagem no Instagram como “amigo de todas as horas” e dono de “um dos maiores grupos pecuaristas do Brasil”.
Procurado, o prefeito afirmou ter intermediado a pedido a reunião com o governador e disse que tem, na cidade, um grupo que defende a obra de uma BR no município.
“Nós nos unimos em prol disso, que para o meu município é de fundamental importância”, disse.
Em 2019, Hermes também esteve em um encontro com o então ministro da Infraestrutura do governo Jair Bolsonaro (PL), o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
EMPRESÁRIO NEGA QUE TENHA USADO VIOLÊNCIA EM DISPUTAS
Por meio de nota da defesa, Nestor Hermes afirma que não usou violência em qualquer disputa fundiária e que jamais foram apresentadas provas contra ele. Hermes afirma ainda que nunca foi condenado criminalmente.
Também diz que Hermes tem sido “alvo de ataques de seus adversários sempre às vésperas de julgamentos importantes de seus casos”.
“É uma estratégia desesperada de influenciar a opinião pública, já que a Justiça vem, na maioria das vezes, dando razão ao empresário”, afirma a nota.
“As acusações contra Nestor Hermes seguem um padrão de narrativa, todas sem provas, que deixam evidente uma ação orquestrada por seus adversários”, acrescenta.
O empresário afirma que está recorrendo das multas aplicadas por órgãos ambientais e que cumpriu acordos trabalhistas no âmbito judicial.