O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados que mira instituições financeiras para criminalizar aquilo que considera ser uma discriminação contra políticos deverá enfrentar resistência no Senado.
Ele foi aprovado na Câmara na noite de quarta-feira (14), por 252 a 163, sob protestos de parte dos parlamentares tanto pelo seu conteúdo como pela rapidez com que foi analisado em plenário. O texto não constava da pauta da sessão e teve sua urgência e mérito aprovados no mesmo dia.
De autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do deputado federal cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, a proposta criminaliza a “discriminação” cometida “em razão da condição de pessoa politicamente exposta”, como a recusa à concessão de crédito ou à abertura de conta-corrente.
O projeto prevê pena de prisão de dois a quatro anos, além de multa.
Senadores ouvidos pela Folha afirmam que o ritmo adotado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para um projeto considerado polêmico não deve se repetir no Senado, onde há chance de ele nem mesmo ser pautado.
Ainda que a Casa queira dar andamento, a proposta deve ser submetida à CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) —o que dificilmente ocorrerá antes do recesso parlamentar.
O PL foi aprovado com votos de parlamentares do centrão e de siglas da base do governo Lula, inclusive o PT. Orientaram contra o texto somente o Novo e a federação PSOL-Rede —a oposição também orientou contra, enquanto o governo não orientou.
Na manhã desta quinta (15), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou que nem sequer conhecia a existência do texto, mas disse que ele teria uma tramitação como qualquer outro projeto.
“Eu não conheço esse texto, não sabia sequer da existência desse projeto na Câmara. Mas, obviamente, aprovado na Câmara, ele irá chegar ao Senado e nós vamos conhecer o texto e identificar por quais comissões ele tem que passar. Mas não conheço o texto, não posso opinar”, afirmou.
Entre parlamentares do Senado, a visão é que o projeto de lei não é claro em suas intenções e contém uma série de dispositivos confusos.
O texto considera pessoa politicamente exposta os mais altos cargos da República, incluindo presidente, deputados federais e senadores. Mas também abarca uma série de cargos políticos: presidentes e tesoureiros de partidos, deputados estaduais, vereadores, governadores e prefeitos, entre outros.
Segundo a proposta, a condição de pessoa politicamente exposta permanece válida por até cinco anos após a pessoa deixar sua função pública. Os benefícios previstos no texto se estendem aos familiares, “estreitos colaboradores” e empresas das pessoas nessas condições.
O projeto de lei foi comentado brevemente entre alguns líderes do Senado e criticado pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), líder da bancada, em reunião desta quinta.
Os parlamentares dizem que ainda não receberam o texto formalmente da Câmara, mas criticam, por exemplo, o dispositivo que impede que instituições financeiras neguem abertura de conta ou crédito a políticos.
Segundo a proposta, bancos não podem mais negar crédito, por exemplo, a pessoas politicamente expostas apenas por essa condição. Atualmente, a negativa por se tratar de pessoa politicamente exposta é possível.
Se aprovado como está, o projeto também proíbe que instituições financeiras barrem financiamento a réus em ações em andamento.
Líder da maior bancada no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), afirmou à Folha considerar o projeto importante, uma vez que parlamentares têm sofrido ataques recorrentes. Ressaltou, no entanto, que essa é uma visão pessoal sua, e não da bancada.
“Essa é uma opinião pessoal minha. A lei está certa, mas chega atrasada. Fui ameaçado na CPI da Covid, desço até hoje no aeroporto de Brasília com seguranças. Agora, eu não tomaria a iniciativa de fazer o projeto, mas acho que é uma legislação que realmente precisava. Fui vítima algumas vezes de ataques, fui ameaçado e acho que está certo”, disse.
No plenário da Câmara na quarta, o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), fez uma defesa enfática da proposta. Ele afirmou que o projeto não é de sua autoria, “mas é como se houvesse a minha [assinatura]”, e disse que foi ele que pediu ao colégio de líderes para que a urgência do texto fosse proposta.
“O que nós não aceitamos é a discriminação. Chega de gente que faz coisa errada estar apontando o dedo para político. Eu não aceito gerente de banco poder dizer se eu posso ou não manter uma conta, que o meu seguro de carro ou o da minha filha é mais caro ou mais barato. Esse tipo de discriminação leviana contra político tem que deixar de existir. E temos que enfrentar essas coisas de frente”, afirmou.
Em nota, a deputada Dani Cunha defendeu sua proposta. Ela afirma que o projeto visa “tornar obrigatória a abertura e a manutenção de conta bancária, para todo cidadão”, não só políticos.
“O projeto também impede a negativa de crédito à pessoa politicamente exposta ou que esteja sob investigação ou sofra ação”, diz ainda a nota da deputada.
Em nota, a Transparência Internacional afirma que o projeto foi aprovado em rito acelerado e ameaça o sistema financeiro nacional.
“Hoje, quando bancos observam que existem riscos de lavagem de dinheiro nas atividades de seus clientes, eles podem recusar o fornecimento de determinados serviços ou mesmo encerrar a relação contratual. Em casos de clientes prospectivos, podem negar a abertura de contas quando identificarem riscos excessivos”, afirma.
“Ao criminalizar a adoção destas condutas, que têm objetivo de reduzir os riscos de lavagem de dinheiro, o projeto de lei subverte a lógica de incentivos a que estão sujeitas as instituições financeiras”, diz o texto.
Para o grupo, as medidas previstas na proposta podem dificultar a identificação de transações financeiras suspeitas envolvendo pessoas politicamente expostas ou envolvidos em investigações ou processos criminais.
“O Brasil passa, atualmente, por três avaliações sobre o cumprimento de medidas anticorrupção e antilavagem de dinheiro –pelo Gafi, pelo Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pela UNCAC (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção)–, que podem ser negativamente impactadas pela aprovação deste projeto de lei pelo Congresso Nacional. Há um risco de que o Brasil –e as suas instituições financeiras– sejam considerados fontes de riscos adicionais de lavagem de dinheiro por não aplicarem estes mecanismos de prevenção, o que ameaçaria todo o sistema financeiro nacional.”