O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional na terça-feira (13) um projeto de lei que pretende alterar a legislação e mudar o cenário do comércio de ouro no Brasil, no âmbito da Lei nº 7.766, de maio de 1989. O projeto vem na esteira de movimentações recentes no setor desde o começo do ano.
A iniciativa do governo vai ao encontro das propostas do Projeto de Lei 2159/22, apresentado em agosto do ano passado pelas então deputadas federais Joênia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Funai, e Vivi Reis (Psol-PA), que propôs endurecer as regras sobre venda e compra de ouro e ampliar sua rastreabilidade.
A intenção é conter um fluxo de extração e venda de ouro feito de maneira irregular, com ataque às comunidades indígenas e quilombolas, especialmente no norte do país. Em 2021, o Brasil produziu 52,8 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. O montante equivale a 54% da produção nacional, segundo dados do Instituto Escolhas.
Além disso, o Boletim do Ouro (2021-2022), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrou que a exploração do ouro no Brasil, por meio do garimpo ilegal, cresceu 13% em 2021 em relação ao ano anterior.
No fim de março, a Receita Federal solicitou a imposição da obrigatoriedade das notas fiscais eletrônicas na comercialização do metal. Anteriormente, a venda de ouro dos garimpeiros às Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), autorizadas pelo Banco Central para compra do metal, era feita em notas fiscais de papel, o que dificultava sua fiscalização.
No mês seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu um dos artigos da antiga lei, sobre presunção de boa-fé. Ele presume a legalidade do metal baseada apenas na boa-fé do vendedor no ato de comercializar o ouro. Na prática, é uma autodeclaração sobre a origem do metal, sem qualquer tipo de fiscalização ou controle sobre a informação prestada.
Guia de rastreabilidade
Um dos pontos do projeto de lei apresentado pelo Executivo é a criação da Guia de Transporte e Custódia de Ouro, documento que deverá acompanhar todas as movimentações de ouro no país, gerando uma nova camada de segurança e fiscalização da origem e sua respectiva movimentação.
A Guia de Transporte e Custódia de Ouro deverá conter algumas informações. São elas:
- O número do processo minerário da permissão de lavra garimpeira, da concessão de lavra ou de outro título minerário que tenha autorizado a extração e a venda do ouro;
- O número da licença ambiental e o respectivo órgão emissor;
- A indicação da origem do mercúrio utilizado no processo de extração do ouro, caso faça parte do processo produtivo;
- A massa de ouro objeto da transação em grama;
- O teor do ouro;
- O local para onde o ouro será transportado;
- Os dados de identificação do transportador;
- O período no qual o transporte ocorrerá, que não poderá ser superior a trinta dias, a contar da data de emissão da respectiva Guia de Transporte e Custódia de Ouro;
- Os números das Guias de Transporte e Custódia de Ouro anteriores, para os transportes e as custódias posteriores à primeira aquisição.
“Não temos nenhum controle da movimentação de ouro no país, sendo que, em teoria, o indivíduo que sai do garimpo para vender o ouro deveria ter em posse uma autorização do titular de lavra. Mas isso não acontece, permitindo e facilitando a falsificação da nota fiscal de primeira compra”, afirma Bruno Manzoli, pesquisador da UFMG.
Gustavo Geiser, perito criminal da Polícia Federal de Santarém, no Pará, ressalta que a Guia dá um passo significativo na transparência. Hoje, a principal informação que se tem na venda do ouro é a lavra garimpeira, numeração fornecida pela Agência Nacional de Mineração (ANM) quando a liberação para a atividade garimpeira é concedida.
“A Guia é uma declaração de conhecimento do volume de ouro. É o dono de uma lavra dizendo que saiu ouro da sua propriedade, que está indo para algum lugar e qual a procedência do metal, bem diferente do que acontece hoje. A lavra indica apenas um pedaço de terra. Diante dessa Guia, fica mais fácil dizer se esse ouro saiu desse ou daquele lugar, e qual metal estamos falando.”
Sem conflito de interesses
A lei também impede que os donos das instituições financeiras que atuam na compra de ouro sejam também donos de garimpos ou tenham familiares nessa situação.
“Algumas DTVMs, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Feral, são investigadas por compra ilegal. E parte dos sócios dessas DTVMs têm processos minerários e são donos de lavras garimpeiras. Há um conflito de interesses, portanto. O fato de termos pessoas que operam na extração e também atuam na compra gera um risco de fraude”, comentou um membro do Ministério Público Federal no Pará que pediu anonimato.
Sistema eletrônico
Outro ponto é a adoção de um sistema eletrônico gerenciado pela ANM para compilar informações sobre o “o registro das aquisições de ouro realizadas pelas instituições” e acerca das Guias de Transporte e Custódia de Ouro.
“Nesse mesmo sentido o projeto também permite que o órgão traga outros mecanismos de rastreabilidade, como tecnologias que conseguem marcar e atestar a origem do ouro, que é algo que também vínhamos batendo na tecla como sendo fundamental para coibir os crimes”, complementa Larissa Rodrigues, pesquisadora e gerente de portfólio do Instituto Escolhas, organização socioambiental que atua no mercado de ouro.
Apesar dos avanços, Geiser ressalta que falta clareza sobre o prazo para a implementação desse sistema eletrônico. “O projeto de lei fala em iniciar essa sistematização, caso seja aprovado, em julho de 2023. A ANM tem estrutura para isso? Ao mesmo tempo que é importante celebrar, também não podemos ser utópicos.”