Equipes técnicas do governo Lula concluíram uma proposta legislativa para a criação do mercado regulado de carbono no Brasil. Segundo Amanda Pupo , do Estadão/Broadcast, que informa ter apurado que a ideia é apresentar o texto ao Congresso em agosto. A minuta, à qual a reportagem teve acesso, sugere que fiquem sujeitas ao mercado regulado as instalações que emitam acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano. O número é resultado da escolha de um grupo interministerial de técnicos por um recorte horizontal para as emissões, e não por setores. Com a linha de corte estabelecida, as regras para controle obrigatório de emissões atingirão majoritariamente a indústria.
De acordo com fontes, uma pequena parcela do agronegócio também poderá ser abarcada, entrada que, contudo, deve se limitar a poucos grandes frigoríficos. Na avaliação do governo, embora uma parcela do agronegócio resista a ideia de permanecer sob um teto de emissões, a proposta afeta pouco esse mercado. Por outro lado, tem potencial de favorecer o segmento em pelo menos duas frentes: no aspecto reputacional do País frente ao mundo e no potencial do agro em vender créditos de carbono, por exemplo, a partir de unidades que trabalham com reflorestamento.
A minuta da proposta também avança na compatibilização do futuro mercado regulado de carbono doméstico com as transações internacionais. Com a ideia de que o País se torne referência mundo afora – e até exporte projetos de inovação na área de retenção de gases de efeito estufa -, o projeto dá comandos para possibilitar o intercâmbio de créditos de carbono nas transferências com outros países. A harmonização decorre da COP26, quando, em 2021, o mundo deu um passo importante ao regulamentar o artigo 6 do Acordo de Paris, dando mais clareza sobre o ambiente global do mercado de carbono.
O governo Lula corre para mostrar trabalho num contexto de atraso histórico do País. Além da tarefa de combater o desmatamento ilegal, o Brasil também fica atrás de pelo menos 28 iniciativas de mercado de carbono já implementadas no mundo. Há dois anos, nos preparativos para a COP26, o Congresso tentou aprovar um projeto de lei que criaria esse ambiente regulado, mas esbarrou em resistências e falta de consenso junto à administração Bolsonaro. Como resultado, três projetos sobre o tema ainda tramitam no Parlamento brasileiro.
A gestão Lula ainda não definiu como irá encaminhar a proposta fechada pelo grupo de trabalho aos parlamentares – se será enviada como um novo projeto de lei ou se poderá servir como um substitutivo do que já tramita nas Casas. A decisão será do núcleo político e, enquanto isso, as áreas técnicas querem seguir trabalhando para aprimorar o texto. Antes de remetê-lo ao Congresso, o plano é abrir um diálogo com os setores que serão impactados pela medida para apresentar a minuta e não pegar o mercado de surpresa.
Na avaliação de uma fonte do governo, há espaço para o Legislativo aprovar a proposta até o fim do ano, diante da motivação adicional da COP28, prevista para começar em novembro, e da confirmação de Belém (PA) como a sede da COP30, marcada para 2025.
Mesmo que o mercado de carbono tenha uma lei até o fim de 2023, seu funcionamento efetivo ainda levará um tempo. Isso porque o projeto estabelece um período prévio de dois anos em que seria obrigatório o fornecimento de informações de emissão pelas atividades econômicas. Os dados reunidos irão subsidiar a elaboração do Plano Nacional de Alocação, no qual serão estabelecidos os limites de emissão, a quantidade e a forma de alocação da Cota Brasileira de Emissões (CBE), além das regras de comercialização. Ou seja, seriam pelo menos dois anos até que os setores afetados sejam submetidos ao teto de emissões.
Pelo levantamento feito pelo governo, a estimativa é de que cerca de 4 mil instalações fiquem sujeitas ao mercado regulado, se considerado o recorte de emissões acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano. Entram na conta segmentos da indústria, de energia, de resíduos e algo residual de agro. Na prática, 0,1% do total de agentes econômicos monitorados. Apesar de pequena, a parcela corresponde a cerca da metade das emissões das atividades econômicas do País – excluindo florestas, fonte de grande parte das emissões brasileiras em razão do desmatamento.
Hoje, o Brasil já conta com um mercado voluntário de carbono, que continuará valendo. A ideia do governo é que a lei traga mecanismos para que o ambiente regulado – e, portanto, obrigatório -, dialogue com o voluntário, por exemplo, pela possibilidade de venda de créditos deste último para as empresas reguladas. Para isso, contudo, a empresa precisará seguir os parâmetros mais rigorosos do ambiente regulamentado para conseguir a certificação. Além disso, para proporcionar mais liquidez ao mercado, incluindo o voluntário, a minuta da proposta prevê que os CBE, os RVE (Redução ou Remoção Verificada de Gases de Efeito Estufa) e os créditos de carbono poderão ser admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
O Plano Nacional de Alocação ainda irá definir como funcionará a distribuição dos direitos de emissão. Tradicionalmente, eles são inicialmente ofertados de forma gratuita no setor regulado, e uma parcela, crescente ao longo dos anos, é leiloada. Já os agentes podem comercializar o crédito entre si. Uma empresa que emite menos do que o permitido tem a chance de vender o direito para outra empresa que irá exceder seu teto de emissão de carbono. Ao fim, todos precisam estar em conformidade e o teto, que é gradualmente reduzido ao longo do tempo, respeitado.
O grupo de trabalho responsável pela minuta foi composto por mais de dez ministérios, com a coordenação do Ministério da Fazenda. A criação do mercado regulado de carbono é um dos carros-chefe do “pacote verde” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dentro do eixo de incentivos econômicos. Como já mostrou o Broadcast, o ministério se debruça atualmente para lançar as medidas, que tem seis eixos, no segundo semestre.