O cheiro de maconha vindo de um alojamento do Exército mobilizou segundo reportagem de José Marques, da Folha de S.Paulo, um quartel em São Leopoldo (RS), após as 23h, a ponto de os superiores examinarem as mãos dos soldados para saber quem estava fumando escondido.
O episódio, que ocorreu em dezembro de 2021, levou dois soldados a serem acusados pelo Ministério Público Militar a uma pena que pode chegar a cinco anos de prisão, o que foi questionado pela Defensoria Pública da União ao STF (Supremo Tribunal Federal) em abril deste ano.
Todos os anos chegam ao Supremo dezenas de pedidos similares da Defensoria em favor de soldados e ex-soldados que possuíam ou consumiram algum tipo de droga em área militar e acabaram acusados ou punidos rigidamente.
Só de fevereiro a abril deste ano foram oito pedidos de habeas corpus relativos ao tema apresentados na corte.
No Código Penal Militar, de 1944, o uso e a posse de entorpecente ou substância de efeito similar estão no mesmo artigo que define tráfico.
Embora o Supremo pretenda voltar ainda neste mês a analisar a descriminalização de drogas para consumo pessoal, o tema dos militares não deve ser tratado; e o julgamento das ações de consumo em quartéis deve continuar sendo tratado da mesma forma.
No caso de São Leopoldo, por exemplo, após as mãos dos soldados serem cheiradas, os superiores desconfiaram de dois deles, que acabaram admitindo que haviam fumado maconha.
Houve, então, uma revista no alojamento. Não encontraram nada no armário dos dois, mas acharam maconha em um tubo de caneta embaixo de uma cama que não pertencia a ninguém.
Em primeira instância, o juiz do caso considerou que não havia prova de que a substância encontrada era deles e rejeitou a denúncia.
No entanto o Ministério Público Militar recorreu ao STM (Superior Tribunal Militar), que, à revelia de ministros civis, definiu que a denúncia deveria ser aceita e que o processo contra os dois soldados continuaria a tramitar.
Votaram contra a continuidade três ministros civis, apontando que não havia materialidade (prova da existência) do crime, por falta de vínculo entre a droga apreendida e o uso dela. Mas eles foram derrotados.
No STF, o pedido de habeas corpus também acabou não sendo aceito, em decisão do ministro Luiz Fux. Ele justificou que deveria dar o habeas corpus apenas se a decisão do STM fosse teratológica (absurda) ou se houvesse flagrante ilegalidade ou abuso de poder.
Em seguida, o ministro citou um trecho da fundamentação do STM, que considerou correta: “Claro está que a conduta de ambos os militares –que são réus confessos–, qual seja, de fazer uso de substância entorpecente no interior do quartel, durante o serviço, ao contrário do que entendeu o juiz de primeira instância, é crime”.
“Mesmo que o art. 290 do CPM [Código Penal Militar] não incriminasse o uso, como sustenta o magistrado a quo —o que, permissa venia, não é verdade—, ainda assim, a conduta desses soldados poderia ser enquadrada nas modalidades ter em depósito, transportar, trazer consigo [a substância]”, continua a decisão.
“Não há como ambos os militares consumirem ou fazerem uso da referida droga nas imediações da unidade onde estavam lotados, por exemplo, sem, antes, adentrarem ao local sob os domínios da Administração Militar portando a substância proscrita.”
Nem sempre os ministros da corte tiveram o mesmo entendimento em relação a esses casos. O defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro, designado para atuar perante o STF, afirma que apenas recentemente a corte unificou o atual entendimento.
Há alguns anos, diz, parte dos ministros reconhecia o princípio da insignificância nesses casos e concedia o habeas corpus.
Ele afirma que um dos argumentos para a proibição de consumo de drogas em espaços militares, mesmo que não seja nos quartéis, é o uso de armamento pelos militares.
“Mas se o critério fosse esse, deveria ser aplicado no código militar ao policial civil e ao policial federal, mas não é esse o critério”, afirma Ribeiro.
Em 2020, o STF chegou a aplicar a pena de um ano em regime aberto a um civil por ter fumado maconha na área da Escola de Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá (SP).
Segundo a denúncia do Ministério Público Militar, foi encontrado em seu veículo a maconha, um frasco de óleo com a inscrição “Pure CDB Cil” e seda para enrolar fumo.
Ele estava no local para a formatura do sobrinho e, enquanto aguardava para sair, resolveu acender um cigarro de maconha.
O julgamento de civis pela Justiça Militar é alvo de questionamentos da PGR (Procuradoria-Geral da República) ao Supremo desde 2013, e está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. O caso nunca foi julgado.
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A PGR pede que se defina que a Justiça Militar não deve julgar civis em tempo de paz e que eventuais crimes devem ser submetidos à Justiça comum, federal ou estadual.
A competência para que tribunais militares julguem civis foi ampliada na ditadura militar. Antes, eles só poderiam processar civis em casos como atentado à segurança externa ou às instituições militares. A PGR concorda que os civis devem ser julgados apenas em casos que atinjam a instituição militar.
O processo relacionado a descriminalização de drogas que será julgado no Supremo é da Defensoria Pública de São Paulo. Ele questiona a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo.
O caso está parado desde 2015 na corte. Até agora, três ministros votaram a favor da descriminalização. O relator Gilmar Mendes foi favorável à descriminalização do porte de todas as drogas, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin restringiram seus votos à maconha.
Barroso foi o único que defendeu a criação de parâmetros quantitativos para caracterizar o usuário. Em seu voto, o ministro sugeriu o limite de 25 gramas de maconha ou o cultivo de até seis plantas fêmeas para configurar uso pessoal.