Nas palavras de um ministro, chegou a hora do time do presidente Luiz Inácio Lula da Silva “baixar o meião” e deixar as pernas à mostra porque vai ter caneladas para todos os lados no jogo político. Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) conversaram a sós nessa segunda-feira (5) no Palácio da Alvorada, mas o encontro está longe de colocar fim ao entrevero entre Legislativo e Executivo, registra Andrea Jubé, em sua coluna no jornal Valor.
A conversa entre Lula e Lira não foi um “chá de comadres”. Não houve testemunhas, mas de acordo com relatos que ambos fizeram a poucos interlocutores, o diálogo foi sério, objetivo, com algo de “mais do mesmo”. O parlamentar reiterou as cobranças por mais agilidade do Palácio do Planalto na liberação de emendas e nomeações de indicados dos deputados para cargos federais, e teria sugerido a reorganização do espaço dos partidos dispostos a votar com o governo na Esplanada.
Nessa conjuntura, a percepção de quem acompanha de perto a rotina do Planalto é de que Lula cogita deflagrar uma reforma ministerial nas próximas semanas para resolver impasses pontuais. A prioridade seria organizar o União Brasil, que tem 59 deputados, nove senadores e três ministérios, mas na conturbada votação da medida provisória (MP) de reorganização da Esplanada, a bancada entregou somente 35 votos favoráveis.
Segundo lideranças do Congresso, o União não estaria devidamente representado na Esplanada porque a titular do Turismo, Daniela Carneiro (RJ) vai trocar o partido pelo Republicanos. Além disso, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (MA), não teria o apoio da bancada, e o ex-governador do Amapá Waldez Góes desfiliou-se do PDT, mas não ingressou no União, e é considerado cota pessoal do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Nesse cenário, os primeiros rumores são de que o ex-presidente da poderosa Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Celso Sabino (União Brasil-PA), deve ser nomeado ministro do Turismo no lugar de Daniela. Sabino, além de ser um nome com maior trânsito no União Brasil, é um dos deputados mais próximos de Arthur Lira.
O passo seguinte seria acomodar no governo o Republicanos e o Progressistas (PP), que na mesma votação da medida provisória entregaram mais votos do que o União. Dos 42 deputados do Republicanos, 31 votaram “sim” à reformulação do Executivo, enquanto o PP, com 49 parlamentares, deu 34 votos favoráveis à matéria.
A percepção deste ministro que falou à coluna – e está ajoelhado no campo, arriando os meiões – é de que, assim que Lula escalar novos jogadores e afinar o time, será necessário sabedoria e estratégia para selecionar as batalhas (ou partidas) que o governo irá travar (ou disputar).
Este auxiliar de Lula observa que o governo errou ao encampar determinados embates. O primeiro equívoco foi o apoio ao projeto de lei das “fake news”, cuja votação foi adiada. Apesar da relevância e sensibilidade do tema, a avaliação é de que se trata de “bola dividida”, e o governo deveria canalizar as energias para os projetos efetivamente prioritários ao Executivo como o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária, e a MP da reestruturação da Esplanada.
Um segundo erro teriam sido os decretos presidenciais que alteraram trechos do novo marco regulatório do saneamento, que deputados e senadores haviam aprovado em 2020. Na avaliação deste ministro, a derrota na Câmara foi um desgaste em nome de solucionar problemas locais – como prejuízos para a estatal de saneamento da Bahia – que poderia ter sido evitado.
Ao mesmo tempo em que ajusta o time do primeiro escalão, auxiliares de Lula o veem “toureando” Arthur Lira, num duelo em que cada um está testando os seus limites.
A conversa dessa segunda-feira no Alvorada não foi a primeira entre os dois, nem será a última. Tampouco nenhum observador experiente da cena política acredita em uma relação amistosa entre ambos até o fim do mandato do alagoano – momento em que o de Lula ainda estará na metade.
Este mesmo ministro pondera que Lira atuou durante os quatro anos do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro com a estatura de um primeiro-ministro. Era tão forte que poucos deputados que desejavam se reunir com o chefe do Executivo porque as questões paroquiais eram atendidas e solucionadas diretamente pelo presidente da Câmara.
Lula e Lira estão em processo de demarcação de territórios, onde o chefe do Executivo não está disposto a abrir mão de sua autoridade, como ocorreu com o seu antecessor. Na gestão Bolsonaro, a cúpula da Câmara administrava com desenvoltura, até meados de 2022, os cerca de R$ 17 bilhões anuais em emendas de relator, sem transparência ou risco de qualquer interferência do presidente da República. O fato perdurou até que o Supremo Tribunal Federal declarasse inconstitucional o chamado “orçamento secreto”.
Construir uma base sólida e leal é sempre a missão mais desafiadora de um presidente da República, mas aliados dizem que Lula o faz num quadro muito mais adverso. Isso porque ele venceu a eleição, mas o Congresso não é apenas “conservador e liberal”, como declarou Lira. “O Congresso ainda é Bolsonaro”, resumiu este ministro à coluna de Andrea Jubé, no jornal Valor.