O governo federal prepara medidas segundo reportagem de Manoel Ventura, do jornal O Globo, que podem aumentar em cerca de R$ 30 bilhões a arrecadação anual com empresas exportadoras, principalmente do setor de petróleo. As mudanças vão beneficiar estados e municípios produtores da commodity e colocam o país em linha com normas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Além disso, chegam em um momento em que o Ministério da Fazenda precisa aumentar a arrecadação para cumprir as metas de resultado das contas públicas presentes no arcabouço fiscal — para 2024, o plano é zerar o déficit. No setor de petróleo, as alterações vão ocorrer em duas frentes: pela Receita Federal e pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Em uma dessas iniciativas, o Fisco trabalha em novos critérios para calcular o preço do petróleo exportado para fins de cobrança de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das petroleiras que atuam no Brasil. Como parte da receita virá do IRPJ, o valor será compartilhado com estados e municípios.
Até agora, a Receita usava apenas um preço de referência calculado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) como parâmetro para cobrar os impostos. O petróleo nacional era tributado considerando essa referência, mas costumeiramente vendido a valores maiores no mercado internacional.
Além disso, o Fisco também avalia que as empresas vendem petróleo para subsidiárias fora do Brasil e revendem em seguida por um valor mais alto a outros compradores. Dessa forma, a empresa acaba tendo um lucro não tributado, na visão da Receita.
Agora, outros critérios serão colocados na conta, para deixar a tributação mais próxima do valor que é realmente arrecadado pelas empresas. Para isso, a Receita vai abrir negociações com as petroleiras para ter acesso a uma base mais real dos valores do petróleo vendido ao mercado internacional.
Ao fazer esse trabalho de forma conversada, a Receita evita litígio para obrigar o setor a abrir notas fiscais, por exemplo, além de multas.
Isso está sendo possível por causa de uma medida provisória (MP) já aprovada pelo Congresso Nacional que trata dos chamados preços de transferências internacionais. A MP estabeleceu critérios para fixação de preços usados em transações entre empresas de um mesmo grupo, a fim de alinhar as normas locais aos padrões da OCDE contra evasão fiscal e paraísos fiscais.
A regra geral da MP dos preços de transferência entra em vigor em janeiro de 2024, mas a Receita pode negociar com as companhias para antecipar a aplicação da norma especificamente para o setor de petróleo e isso já está sendo feito com a Petrobras. Procurada, a empresa não se manifestou. O mesmo diálogo pode ser travado com outras petroleiras.
Mais próximo do Brent
O governo espera arrecadar R$ 25 bilhões ao ano com a medida, valor que virá majoritariamente do setor de petróleo, de acordo com integrantes da equipe econômica.
A outra frente relacionada ao petróleo está na ANP, a agência reguladora do setor. O órgão trabalha num novo preço de referência mínimo para o petróleo nacional, maior que os valores praticados atualmente. Os governos cobram royalties e participações especiais sobre o petróleo tendo esse preço como parâmetro.
Por isso, uma das consequências desse novo preço deve ser o aumento da arrecadação de União, estados e municípios, mas não deve haver impactos sobre os combustíveis — já que se trata de uma discussão sobre o óleo cru.
No modelo em discussão na ANP, isso levaria a uma alta de quase 6% ao ano na arrecadação da União, estados e municípios produtores com royalties e participações especiais. Em 2024, seria uma alta de R$ 6,3 bilhões, por exemplo, valor dividido entre as regiões produtoras, de acordo com cálculos da própria agência.
Assim como ocorre na Receita, os royalties e participações sociais não são cobrados considerando o real valor de venda do petróleo e sim um preço de referência. Esse preço é calculado tendo como base as médias mensais das cotações do petróleo de referência (tipo Brent) e de derivados (leves, médios e pesados), ao qual se incorpora um deságio pelo teor de contaminantes (enxofre, acidez e nitrogênio) presentes no produto.
O que a ANP discute agora é reduzir esse desconto, deixando o preço de referência mais próximo do valor do Brent. Entre outros motivos, porque o teor de enxofre presente no óleo brasileiro é mais baixo do que o modelo de precificação da ANP. Na prática, o valor do barril é mais alto do que o preço de referência do órgão regulador.
‘Corrigir distorções’
O Ministério da Fazenda defende a mudança. Em ofício dirigido à ANP, o secretário de Reformas Econômicas da pasta, Marcos Barbosa Pinto, afirma que a legislação estabelece que as participações governamentais devem ser recolhidas como uma proporção do valor efetivo da produção e, por isso, é necessário “corrigir distorções”.
“São públicos e notórios os esforços que têm sido envidados pelo governo federal no sentido de dar a devida sustentabilidade fiscal ao Estado brasileiro, tanto por meio do controle das despesas, quanto pelo lado das receitas, por meio da revisão de desonerações fiscais e promoção de outras iniciativas com vistas ao recolhimento na proporção justa dos tributos e demais encargos devidos à sociedade brasileira”, afirma o secretário.
O diretor de pesquisa em exploração e produção da consultoria Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, afirma que o governo quer capturar a diferença entre o preço do petróleo que sai do Brasil e aquele que é efetivamente vendido para o comprador final.
— Por aspectos técnicos, muitas vezes tem a oscilação dos preços e a ANP não captura essa oscilação — afirma. — Não deve afetar o negócio. Para fazer o negócio no Brasil elas (as petroleiras) devem incluir ou considerar essa margem de trading. Vai ter uma redução da rentabilidade do negócio no Brasil, o preço mínimo (de referência) não vai ser tão alto.
Impacto no refino privado
A questão tributária que faz o preço de exportação ser mais baixo tem impacto na compra de óleo pelas refinarias privatizadas. Embora a atual gestão da Petrobras vá rever o processo de venda das unidades de refino da empresa, algumas unidades foram privatizadas nos últimos anos.
Com isso, cerca de 20% do mercado de refino do país estão fora da Petrobras. Essas empresas hoje reclamam que não conseguem ter acesso ao petróleo a preço competitivo para refinar o óleo no Brasil.
— O preço de referência faz com que todas as petroleiras que atuam no Brasil prefiram exportar petróleo do que vender o produto no mercado interno — afirma Evaristo Pinheiro, advogado representante da Refina Brasil, associação que representa seis refinarias privadas.
Mataripe, refinaria da Bahia controlada pelo fundo árabe Mubadala Capital foi ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade, órgão que regula a concorrência) mês passado contra a Petrobras para que a estatal ofereça petróleo a um preço mais baixo.
A empresa alega que a estatal beneficia suas próprias refinarias ao vender petróleo 10% mais caro ao setor privado. A Petrobras rebateu no Cade: “O que Mataripe quer, de fato, é evitar ter que fazer investimentos necessários em sua refinaria e transferir o ônus de sua ineficiência à Petrobras”.