O senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Operação Lava Jato, questionou em entrevista ao Estadão, sobre o fato de o presidente Lula (PT) ter indicado Cristiano Zanin Martins ao Supremo Tribunal Federal por considerar que a escolha de um ‘advogado pessoal’ para vaga na Corte máxima ‘revela uma proximidade que não é saudável’. “O próprio presidente Lula durante a campanha fez declarações nesse sentido, que o Supremo não é local para colocar amigos. A grande indagação é essa”, ressaltou, em entrevista ao Estadão.
Moro vai participar da sabatina pela qual Zanin passará no Senado. O senador diz que vai preparar perguntas visando esclarecer pontos acerca do ‘entendimento jurídico’ de advogado, questionando também sobre a relação entre o indicado e o presidente, além de eventual ‘impedimento’ para que o escolhido de Lula julgue casos da Lava Jato.
“Processos no STF que envolvam a Lava Jato, que envolvam o próprio Lula ou sejam de interesse do Lula, o indicado vai se dar por impedido, se for ratificada a nomeação? São questões que atrapalham (a indicação)”, avalia. Moro diz que ‘gera incômodo a conexão pessoal que pode atrapalhar a performance’ de Zanin no STF. O ex-juiz sustenta que ‘não há questão pessoal envolvida’ nos questionamentos: “é uma questão institucional”.
Há a expectativa de que a sabatina de Zanin seja agendada com celeridade. Na ocasião, o ex-juiz e o advogado, que travaram diferentes embates na Lava Jato, voltarão a ficar frente a frente, agora com posições distintas: senador e possível ministro do STF. O nome do Zanin precisa ser aprovado no Senado antes que o advogado assuma a cadeira do ministro aposentado Ricardo Lewandowski.
Confira a seguir os principais pontos da entrevista:
ESTADÃO: O sr. disse que a indicação fere o espírito republicano. Porque? Considera a relação advogado-cliente nesse caso como uma questão pessoal?
SÉRGIO MORO: O desejo é ter uma instituição independente, um STF independente, até porque ele revê os atos dos demais poderes. E a indicação de um amigo pessoal e advogado pessoal do presidente revela uma proximidade que não é saudável para a indicação. Tanto assim que o próprio presidente Lula durante a campanha fez declarações nesse sentido, que o Supremo não é local para colocar amigos. A grande indagação é essa. E questões que tem que ser esclarecidas. Processos no STF que envolvam a Lava Jato, que envolvam o próprio Lula ou sejam de interesse do Lula, o indicado vai se dar por impedido, se for ratificada a nomeação? São questões que atrapalham.
ESTADÃO: O sr. considera que Zanin deveria se dar por impedido nos processos da Operação Lava Jato? Os do presidente Lula, que ele mesmo atuou, já se sabe que ele não poderia atuar.
SÉRGIO MORO: São perguntas que tem que ser feitas a ele primeiramente.
ESTADÃO: Sobre a sabatina, o sr. já imagina quais perguntas pretende fazer? Sobre esse impedimento por exemplo?
SÉRGIO MORO: Não existe nenhuma questão pessoal aqui envolvida, é uma questão institucional. Vou me preparar como me prepararia se o indicado fosse qualquer outra pessoa. Tem as questões que temos que realizar, sobre o entendimento jurídico, sobre determinados assuntos. Esse é um outro ponto. São desconhecidas as posições do indicado sobre diversos temas jurídicos relevantes, por exemplo, arco temporal, qual o posicionamento do indicado? A interrupção da gravidez, qual a posição? Tudo isso tem que ser perguntado dentro dos limites da sabatina, quando ela for realizada. Além dessas questões relacionadas à conexão pessoal entre o indicado e o presidente da República. Certamente, a questão do impedimento é uma pergunta que pode ser feita durante a sabatina.
ESTADÃO: O sr. já tem algum posicionamento sobre a indicação? Imagina votar contra ou a favor?
SÉRGIO MORO: Isso vai ser decidido durante a sabatina. Vamos com o espírito aberto para a sabatina. Gera incômodo essa conexão pessoal que pode atrapalhar a performance do ministro caso seja aprovada a nomeação.
ESTADÃO: Se o nome de Zanin for aprovado, o sr. pretende pedir a suspeição dele em processos que o sr possa ser alvo, como a denúncia sobre a suposta calúnia ao ministro Gilmar Mendes?
SÉRGIO MORO: Nem estou pensando nisso, a preocupação é fazer a sabatina. Não tem que pensar no que vai ser feito lá na frente, em processo ou coisa assim. No fundo a questão não sou eu, é o indicado. Ele que tem que responder os questionamentos no momento próprio da sabatina.
ESTADÃO: Como o sr. vê o momento político e a próxima indicação que Lula deve fazer ao Supremo, considerando essa escolha pelo Zanin?
SÉRGIO MORO: O governo Lula ainda parece sem rumo, teve derrotas essa semana, conseguiu aprovar no último momento a MP da Restruturação dos Ministérios e ainda não na forma originária. Teve três MPS que caíram hoje sem apreciação no Congresso. A relação com o Congresso ainda está muito difícil e particularmente eu tributo isso à insistência em algumas pautas revanchistas como rever o marco legal do saneamento, o próprio ataque à lei das estatais. São inciativas que causam tensão desnecessária. O cenário político segue instável.
Sobre a próxima indicação, é uma coisa distante, não tenho nem ideia.
ESTADÃO: O sr. vê algum desafio para Zanin no Senado?
SÉRGIO MORO: A dificuldade que ele tem é a mesma que terá qualquer outro indicado, o Senado tem que cumprir seu papel e fazer a sabatina, aprovando ou reprovando qualquer pessoa que seja indicada. No caso dele em específico, por conta dessas conexões pessoais, vão haver questionamentos nessa linha, a esse respeito. É o papel constitucional do Senado fazer a sabatina. Não tem como antecipar resultado.