Horas após o presidente Lula classificar as denúncias de autoritarismo e condutas antidemocráticas por parte do regime de Nicolás Maduro como uma “narrativa” inventada contra a Venezuela, a diretora da divisão de Américas da Human Rights Watch, Juanita Goebertus, criticou a fala do petista e declarou que o autoritarismo no país caribenho é uma “realidade inquestionável”.
“Como no caso da Ucrânia, Lula deveria entender que, se deseja que o Brasil tenha um papel de liderança na questão da Venezuela, deveria prezar por um diagnóstico preciso – e não distorcido – da realidade. O autoritarismo na Venezuela não é uma narrativa construída. É uma realidade”, escreveu Juanita no Twitter.
Na tarde desta segunda-feira (29), durante a recepção pomposa de Nicolás Maduro no Palácio do Planalto, Lula celebrou a retomada das relações diplomáticas entre Brasília e Caracas – rompidas desde 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff – e sugeriu que o presidente venezuelano é vítima de uma conspiração internacional ao se referir às denúncias de boa parte da comunidade internacional sobre a repressão do regime chavista.
“Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, afirmou Lula a Maduro.
O presidente brasileiro, no entanto, desconsiderou que a Venezuela foi objeto de um minucioso relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em setembro de 2022 que apontou potenciais crimes contra a humanidade por parte do governo venezuelano. Maduro é indicado no documento como o líder de uma estratégia sistemática de tortura e repressão a dissidentes e oposicionistas.
O relatório acusa o regime chavista de usar a inteligência venezuelana para perseguir inimigos do governo e promover violações contra os direitos humanos como tortura física e estupros desde pelo menos 2014. O aparelhamento dos órgãos de inteligência também contaria com o suporte de outras pessoas-chave do regime.
Em abril deste ano, o promotor de Haia que investiga as alegações de crimes contra a humanidade na Venezuela no Tribunal Penal Internacional (TPI) apresentou um relatório no qual também reafirma a existência de um mecanismo de repressão e perseguição política a opositores através do aparato estatal. O material embasará o julgamento do caso venezuelano na corte, que poderá levar à condenação de Maduro por crimes contra a humanidade.
No encontro com o líder chavista em Brasília, Lula disse que era papel da Venezuela apresentar “a sua narrativa para que as pessoas possam mudar de opinião”. Essa estratégia, no entanto, não funcionou no TPI: todos os argumentos levantados por Caracas a favor da suspensão do processo foram derrubados no relatório do promotor Karim Khan.
Procurado, o embaixador Joel Sampaio, porta-voz do Itamaraty, disse que a visita de Maduro ao Brasil, a primeira desde 2015, é “bem maior” do que as declarações que foram dadas pelo presidente Lula. Sampaio afirma que o encontro representou a retomada das relações diplomáticas que ficaram “irresponsavelmente” congeladas por três anos, deixando mais de 20 mil brasileiros sem assistência na Venezuela.