Um homem paraplégico voltou a andar de forma natural, graças à combinação inovadora de duas tecnologias, que permitiu restabelecer a comunicação entre seu cérebro e a medula espinhal.
“Recuperei a liberdade”, afirmou na terça-feira (23), durante coletiva de imprensa, o holandês Gert-Jan (ele não quis revelar seu sobrenome), que se beneficiou desta inovação tecnológica em um hospital em Lausanne, Suíça.
Graças a ela, o paciente, de 40 anos, voltou a mover um pé à frente do outro pela primeira vez em cerca de dez anos, desde que sofreu uma lesão na medula espinhal, na altura das vértebras cervicais, em um acidente de bicicleta.
“A princípio, não conseguia pôr um pé diante do outro”, explicou a cirurgiã suíça Jocelyne Bloch, professora do Centro Hospitalar Universitário de Vaud, em Lausanne, durante a apresentação de um estudo publicado nesta quarta na prestigiada revista científica Nature.
Antes dele, outros paraplégicos já tinham conseguido andar graças a instrumentos tecnológicos, mas no caso dele esta é a primeira vez que controla o movimento das pernas e o ritmo dos passos com o cérebro.
Esta façanha foi possível graças à combinação de duas tecnologias implantadas no cérebro e na médula espinhal do paciente, explicou à AFP Guillaume Charvet, pesquisador do Comissariado da Energia Atômica (CEA), um importante laboratório francês de pesquisa científica e industrial.
Ponte digital
Dois laboratórios, um francês e outro suíço, estão por trás deste avanço científico, alcançado depois de dez anos de pesquisas conjuntas.
Gert-Jan teve implantados eletrodos, desenvolvidos pelo CEA, na área do cérebro encarregada do movimento das pernas.
Este dispositivo serve para decodificar os sinais eletrônicos cerebrais quando se pensa em andar e também está conectado a um campo de eletrodos, situado na área da medula espinhal, que serve para controlar o movimento das pernas.
Graças a algoritmos, que funcionam através de inteligência artificial, as intenções de movimento do paciente são decodificadas em tempo real.
Em seguida, suas intenções viram uma sequência de estímulos elétricos da medula espinhal, que se encarrega de ativar os músculos das pernas para se moverem.
Os dados entre a tecnologia integrada no cérebro e na medula espinhal são transmitidos por meio de um sistema portátil, que pode ser levado em uma mochila ou em um andador.
Até agora, só havia sido possível devolver o movimento a paraplégicos com o implante de um sistema de estímulo eletrônico na medula. Mas eles não conseguiam controlar seus movimentos de forma natural.
No caso do paciente holandês, a ponte digital criada entre o cérebro e a medula não só lhe permite andar, mas também controlar voluntariamente seus movimentos e sua amplitude.
‘Longo caminho’
“É muito diferente do que tínhamos visto até agora”, diz o neurocientista francês Grégoire Courtine, professor da Escola Politécnica Federal de Lausanne. “Os pacientes anteriores andavam fazendo um grande esforço, agora ele consegue fazê-lo só pensando em querer dar um passo”, acrescenta.
Gert-Jan, que foi operado duas vezes para a colocação dos implantes, admite que percorreu “um longo caminho” para voltar a ficar de pé e andar por vários minutos seguidos.
Outro avanço significativo foi que, após seis meses de treinamento, ele parece ter recuperado parte de suas faculdades sensoriais e motoras, mesmo quando o sistema está desligado.
“Estes resultados sugerem que o estabelecimento de um vínculo entre o cérebro e a medula espinhal favorece uma reorganização dos circuitos neuronais na área da lesão”, afirma Charvet.
À pergunta de se essa tecnologia poderá ser usada em larga escala em breve, o cientista do CEA responde: “ainda vamos precisar de muitos anos de pesquisa”.
Sua equipe vai iniciar em breve um teste para usá-la em pessoas com paralisias nos braços e mãos, e também está previsto aplicá-la em vítimas de AVCs.