A aprovação do arcabouço fiscal entrará para a História como uma espécie de marco inicial deste mandato de Lula. Por mais imperfeito ou insuficiente que seja, o pacote fornece ao mercado e ao público algumas informações úteis sobre o que vem por aí.
A colunista Malu Gaspar, do O Globo, diz que soube que haverá limites para a expansão dos gastos, mas não se farão grandes sacrifícios para cortar despesas. Se o governo conseguir cumprir a meta de superávit de 0,5% em 2025, terá sido muito mais pelo aumento da receita. O fato de a nova regra fiscal ser uma vitória da ala pragmática sobre a esquerda também dá uma pista sobre como pode ser o desfecho de futuras disputas.
As negociações com o Congresso também deixaram claro que, por ora, os articuladores de Lula não são nada sem a boa vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O que não dá para saber, e ninguém na Esplanada dos Ministérios sabe explicar direito, é: todo esse esforço para quê? Para onde vai, afinal, o governo Lula? Não vale dizer que o presidente foi eleito para recuperar as instituições democráticas, os programas sociais e colocar o pobre no Orçamento, porque isso não responde à pergunta.
O que vem afligindo ministros e aliados de Lula é justamente a sensação de que, a esta altura do campeonato, passados a transição e o início do mandato, o governo ainda parece uma biruta de aeroporto, chacoalhando para onde sopra o vento.
A polêmica em torno da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, por exemplo. Depois de Lula passar toda a campanha falando em transição energética e em transformar o Brasil numa potência ambiental, seus ministros protagonizam uma batalha em torno da autorização para a Petrobras perfurar um poço a 175 quilômetros da costa amapaense e a 500 quilômetros da foz do Amazonas.
O Ibama negou a licença, argumentando que os estudos apresentados pela petroleira são insuficientes. A ministra Marina Silva bancou a decisão, dizendo que “em um governo republicano democrático, a decisão técnica é cumprida e é respeitada com base em evidência”. Em resposta, o ministro de Minas e Energia afirmou no Senado que as exigências no instituto são “uma incoerência e um absurdo”.
Até agora, a única coisa que se ouviu de Lula foi: “Se tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado”. Mas que ele acha difícil não ser, “porque é a 530 quilômetros de distância”.
É nesse clima que o Congresso votará a Medida Provisória que cria a nova estrutura de funcionamento da Esplanada dos Ministérios — sim, só agora —, com emendas que esvaziam os poderes do Meio Ambiente e passam a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) do Ministério dos Povos Indígenas para o Ministério da Justiça, sem que ninguém saiba ao certo até que ponto elas são ou não avalizadas por Lula.
Tudo isso está rolando às vésperas do anúncio de um programa de subsídios para a venda de carros populares pelo presidente da República na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Tal programa pode até servir ao reaquecimento da economia, mas nada tem a ver com a transição para uma matriz energética mais limpa.
Também não dá para entender muito bem como se combina com a meta de Fernando Haddad — que até outro dia denunciava a “caixa-preta dos incentivos fiscais” — de cortar R$ 150 bilhões em “gastos tributários” com setores ineficientes. Ou, ainda, se casa com a política industrial inovadora prometida pelo BNDES, porque ela ainda não é conhecida.
Disputas e desencontros são normais em qualquer governo, especialmente quando há muitos ministérios e um amplo leque de caciques políticos. Mas é impossível arbitrá-los e colocar o time para jogar na mesma direção sem o comando do técnico.
Reside aí talvez o único consenso entre vários auxiliares-chave de Lula com quem conversei nos últimos dias: o técnico anda sumido, mais preocupado com a guerra na Ucrânia do que com acertar o rumo do governo.
Ministros, parlamentares e até magistrados se queixam segundo Malu Gaspar, de que o presidente não os atende e não os recebe. Reclamam ainda que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a quem caberia ajudar a orientar o time, atua como um “governador do Palácio”, interferindo em detalhes e atrapalhando a ação dos colegas.
Tudo somado, há no ambiente o sentimento de falta de norte que já deveria ter acendido o alerta no Palácio do Planalto. Afinal, uma das máximas de Brasília, que Lula conhece como poucos, é que em política não existe vácuo. Se ele não ocupar esse espaço, alguém ocupará. Lira, que trabalhou pesado pela aprovação do arcabouço fiscal, está prontinho para provar a tese.