Prestes a completar seis meses acumulando derrotas no Congresso, o governo Lula parte nesta semana para mais uma bateria de votações que tendem a expor ainda mais suas dificuldades, do arcabouço fiscal a meia dúzia de medidas provisórias que precisam ser votadas para não perder a validade, passando pelo início de três CPIs que podem tumultuar o ambiente político.
Nesse contexto tumultuado, o desafio do Palácio do Planalto segundo a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, vai além de administrar as divergências entre os partidos ou a nomeação de aliados nos ministérios.
De acordo com a explicação mais usada pelos profissionais da negociação das demandas dos parlamentares com o Planalto, ao contrário do que se esperava, o fim do orçamento secreto não fez o “ticket médio” – valor que é preciso liberar em emendas para aprovar projetos no Congresso – diminuir, e sim aumentar.
Pelas contas desses técnicos, se antes do orçamento secreto bastava liberar algo entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões de reais para conseguir o voto de um deputado em uma determinada questão, agora manter a fidelidade dos parlamentares custa muito mais caro, e dificilmente a negociação é feita no varejo.
“O Michel Temer conseguiu barrar o próprio impeachment liberando R$ 1,5 milhão, R$ 3 milhões por votação. Agora,com esse valor não dá nem para começar a conversar”, diz um desses operadores.
A matemática é a seguinte: no último ano do governo Bolsonaro, o orçamento secreto distribuiu R$ 16,5 bilhões. Em tese, isso renderia em média R$ 20 milhões em emendas para cada um dos 513 deputados e R$ 68 milhões para cada senador.
Só que, como quem distribuía o dinheiro eram os presidentes da Câmara e do Senado, alguns ganhavam mais do que os outros, de acordo com as alianças políticas e o interesse de cada um. Isso deixava os parlamentares pendurados, precisando da autorização de Arthur Lira, na Câmara, ou de Rodrigo Pacheco, no Senado, e obviamente os fazia ter que negociar seus votos em troca dos recursos.
No início deste governo, o Supremo acabou segundo Malu Gaspar, do O Globo, com o orçamento secreto, mas, para garantir a aprovação da PEC da Transição, Lula teve que fazer um acordo com o Congresso.
Pelo acerto, o governo destinou metade da verba que estava prevista para o orçamento secreto, ou R$ 9,8 bilhões, para emendas impositivas, obrigatórias e distribuídas de forma igual a todos os parlamentares. Com isso, os deputados têm garantidos R$ 32 milhões neste ano, enquanto os senadores tiveram reservados R$ 59 milhões.
Só isso já rende aos deputados neste ano bem mais recursos do que eles tinham disponível no governo Bolsonaro – e sem ter que negociar nada com ninguém. Em outras palavras, a manobra estabeleceu um novo patamar de negociação no Congresso que Lula – que já chamou essas emendas de “excrescências” na campanha – dificilmente conseguirá reverter ou mesmo limitar no orçamento de 2024.
É isso que os operadores do Congresso chamam de inflação do ticket médio. “Os deputados não acham que esse dinheiro vem do governo, e sim que é deles por direito. Para votar com o governo eles vão querer mais um naco da outra metade do orçamento secreto, e o Planalto está com muita dificuldade de organizar isso”.
Só nos últimos dias, o Congresso derrubou mudanças no marco do saneamento realizadas pelo governo, adiou a votação do PL das Fake News e o instalou CPI do MST, a despeito dos esforços do governo para adiá-la.
Em todos os casos, em maior ou menor grau, partidos agraciados por ministérios votaram contra o governo ou sinalizaram que não teriam votos suficientes para aprovar projetos de interesse do Planalto – o que indica, segundo aliados de Lula costumam repetir reservadamente, que a estratégia de distribuir ministérios a legendas do Centrão para garantir votos não funcionou.
O presidente da Câmara escancarou essas dificuldades em uma entrevista ao GLOBO no fim de abril, ao dizer que “está comprovado” que a troca de ministérios por apoio “não vai dar certo”.
“Sabemos o que os partidos querem: favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político e atender as suas bases. O governo precisa se organizar, mais especificamente a Secretaria de Relações Institucionais”, disse Lira, referindo-se ao ministro da SRI, Alexandre Padilha, como “um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades”.
Depois disso, Lira já se reuniu com o presidente Lula, que ordenou a liberação imediata das emendas obrigatórias, que estavam represadas.
O esforço, porém, ainda não surtiu o efeito esperado. No último dia 11, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA), aliado de Lira e cotado para sucedê-lo na presidência da Câmara em 2025, voltou à carga, também falando ao jornal. “O plenário não tem relação com os ministérios. Com as emendas, sim”.
A busca por uma solução para o dilema deverá ser uma das prioridades do governo, que já sabe que terá que abrir mão de algumas das medidas provisórias editadas em janeiro – como por exemplo a que extinguiu a Funasa ou a que estabeleceu o voto de qualidade no CARF, o conselho de recursos da Receita.
O único projeto sobre o qual há relativa segurança de que será aprovado no plenário nesta semana é o do arcabouço fiscal. Mas como se diz na Câmara, esse faz parte de um outro rol de prioridades, o de Arthur Lira. Ele já deixou bem claro ao governo que seu compromisso é aprovar o arcabouço fiscal e a reforma tributária. O resto vai depender do próprio governo. E, claro, de uma administração eficiente do ticket médio dos deputados.