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Deltan Dallagnol é alvo de uma ação no TSE que pede a perda de seu mandato - Foto: Reuters
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terça-feira 16 de maio de 2023 às 18:22h

Por que Deltan Dallagnol corre risco de perder mandato por Lei da Ficha Limpa

DESTAQUE, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Às 20h26 do dia 20 de novembro de 2015, o então procurador da República e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, foi às suas redes sociais pedir ajuda.

“Quer um basta na corrupção e impunidade? Colha assinaturas para que as #10medidas sejam lei, como a #fichalimpa”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Oito anos depois, porém, o agora deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) corre o risco de perder seu primeiro mandato eletivo com base, justamente, na Lei da Ficha Limpa na qual ele tanto se inspirou.

Está previsto para hoje (16) o julgamento de uma ação movida por quatro partidos, entre eles o PT, em que Dallagnol é acusado de ter violado a Lei da Ficha Limpa.

Se for condenado, o ex-procurador será o primeiro parlamentar da atual legislatura a ter o mandato cassado. À BBC News Brasil, Dallagnol nega irregularidades em sua candidatura e diz ser alvo de ataques do PT.

Dallagnol coordenou a Lava Jato no Paraná entre 2014 e 2020. Foi sob seu comando que a operação ficou conhecida nacional e internacionalmente ao revelar um esquema de corrupção envolvendo estatais e empreiteiras e por levar à cadeia empresários e políticos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2021, Dallagnol deixou o Ministério Público Federal (MPF) e, em 2022, se candidatou a deputado federal pelo Paraná. Defendendo a bandeira do combate à corrupção e se posicionando contra o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dallagnol foi o deputado federal mais bem votado do estado, com 344 mil votos.

Nos últimos meses, porém, ele enfrenta uma batalha judicial depois que PT, PCdoB e PV e o PMN moveram uma ação pedindo a sua inelegibilidade com base na Lei da Ficha Limpa.

A Lei da Ficha Limpa está em vigor desde 2010 e prevê critérios para impedir que pessoas condenadas por órgãos colegiados (tribunais de justiça, cortes de contas ou conselhos superiores) possam ser candidatas a cargos eletivos.

O argumento da ação é o de que Dallagnol não poderia ter sido candidato em 2022 por dois motivos principais:

  • No momento em que pediu exoneração, Dallagnol respondia a reclamações administrativas que poderiam resultar em sua demissão;
  • Ele foi condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em um processo que avaliou o pagamento de diárias a procuradores da Lava Jato.

“A nossa principal tese é de que ele pediu para sair do MPF para evitar uma condenação administrativa que o tornaria inelegível. A lei prevê que esse tipo de manobra não é permitida e por isso ela foi uma forma de burlar as regras da Lei da Ficha Limpa”, diz um dos advogados que moveram a ação, Luiz Eduardo Peccinin.

À BBC News Brasil, Dallagnol negou as acusações contra ele e disse que elas fazem parte de um ataque patrocinado pelo PT.

Segundo ele, não havia procedimentos administrativos pendentes de julgamento quando ele pediu exoneração. Dallagnol diz que o que havia eram reclamações disciplinares e que elas não seriam procedimentos administrativos, que é o termo usado na lei para impedir ex-membros do Judiciário ou do Ministério Público de disputarem eleições.

“Eles querem fazer uma confusão entre reclamação e um processo administrativo disciplinar. Qualquer pessoa pode fazer uma reclamação contra um procurador e, na época da Lava Jato, houve muitas”, disse.

Em primeira instância, o pedido de perda de mandato de Dallagnol foi rejeitado. Mais recentemente, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) deu um parecer contrário à perda de mandato do deputado.

Tese pouco usada

No meio jurídico, a tese levantada pela acusação contra Dallagnol para pedir a perda de seu mandato é considerada nova e teria poucos precedentes.

O texto da Lei da Ficha Limpa diz que os membros do poder Judiciário ou do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária enquanto respondiam a processos administrativos disciplinares ficariam inelegíveis por oito anos.

Para o advogado especializado em Direito Eleitoral Luiz Fernando Pereira, o dispositivo conhecido como “alínea q” da Lei da Ficha Limpa, tem a intenção de impedir que juízes, promotores ou procuradores que estejam prestes a serem condenados, expulsos ou demitidos escapem de uma condenação e ingressem na vida política.

Ele diz, no entanto, que a “alínea q” foi pouco citada em ações até agora.

“Ela foi pouco usada porque não houve tantos casos assim de procuradores, juízes ou promotores pedindo exoneração e entrando na vida política. É um fenômeno relativamente novo. Quando a lei foi formulada, talvez ninguém imaginasse que isso poderia acontecer de verdade”, disse.

Apesar de pouco usada, a tese já foi testada pelo menos uma vez no mesmo TSE que irá julgar Dallagnol. Em dezembro, a Corte rejeitou uma ação que pedia a inelegibilidade do senador Sergio Moro (União Brasil-PR).

A ação também foi movida pelo advogado Luiz Eduardo Peccinin. Na ocasião, o tribunal rejeitou o pedido alegando que, apesar de haver reclamações contra Moro quando ele pediu sua exoneração, em 2018, nenhuma delas havia sido convertida em procedimento disciplinar e nenhuma delas poderia resultar em penalidades contra o agora senador.

Pereira diz, no entanto, que o fato de que o TSE julgou contra a tese no caso de Moro não garante que o resultado será o mesmo no processo de Dallagnol.

“A diferença é que no caso do deputado, as reclamações que estavam pendentes poderiam, sim, levar à sua demissão. O que está em jogo neste caso é se o TSE vai adotar uma posição mais ou menos restritiva da Lei da Ficha Limpa”, disse o advogado.

Defesa da Ficha Limpa e suposta perseguição

A possibilidade de que Dallagnol possa perder seu mandato com base na Lei da Ficha Limpa causa curiosidade no meio jurídico. Um dos principais motivos para isso é o fato de que, enquanto procurador, ele fez inúmeras defesas da regra.

A partir de 2015, Dallagnol passou a liderar um movimento de coleta de assinaturas para que tramitasse na Câmara dos Deputados uma série de projetos de lei que ficaram conhecidas como “10 medidas” contra a corrupção.

Dallagnol defendia a adoção do pacote como uma das formas de melhorar os mecanismos de combate à corrupção no país. Na época, ele costumava citar a tramitação da Lei da Ficha Limpa como um dos exemplos para o projeto.

Assim como as “10 medidas”, a Lei da Ficha Limpa também chegou ao Congresso Nacional a partir da coleta de assinaturas de cidadãos comuns e era defendida por ele como um exemplo de mobilização popular contra a corrupção.

No dia 18 de março de 2016, Dallagnol postou um vídeo ao lado do ex-juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, pedindo assinaturas para que o pacote das “10 medidas” fosse levado ao Parlamento.

“Assine você também, apoie, vamos mudar nosso país, alcançar nosso sonho de ter um país livre da corrupção e da impunidade”, dizia Dallagnol ao fim do vídeo.

A reportagem entrou em contato com o escritório de advocacia de Maron Reis para que ele comentasse sobre o caso. Segundo o escritório, o idealizador da Lei da Ficha Limpa estaria viajando e retornaria a ligação quando possível. Até o fechamento desta reportagem, Reis não entrou em contato.

O advogado Luiz Fernando Pereira diz que a possibilidade de Dallagnol perder o mandato com base na Lei da Ficha Limpa seria uma “ironia do destino”.

“É uma ironia do destino porque ele sempre defendeu essa lei, apesar das várias críticas que muitos operadores do direito têm em relação a ela. Apesar de ela, aparentemente ter uma boa intenção, ela vai na contramão do direito internacional ao criar muitas regras para restringir os direitos à elegibilidade”, diz o advogado.

À BBC News Brasil, Dallagnol diz não ver “ironia” no fato de a lei que ele tanto defendeu estar sendo usada contra ele.

“Eu não colocaria como uma ironia. (A lei da Ficha Limpa) é algo que eu sempre vou defender, mas eu não estava lá quando houve o movimento (para a aprovação da lei)”, disse o deputado.

Em seu primeiro mandato, Dallagnol diz que a ação movida contra ele é uma forma de ataque supostamente perpetrado pelo PT por conta de sua atuação durante a Operação Lava Jato.

“Na minha leitura, isso é uma tentativa do PT me derrubar, mas não se trata só do Deltan. Para eles, é uma tentativa de resgate e de redenção política do Lula. É uma forma de impor uma narrativa de que a Lava Jato foi, na realidade, uma perseguição política e não uma tentativa de construir um país mais justo e sem corrupção”, completou o parlamentar.

Desde o início da Operação Lava Jato, lideranças do PT se posicionaram contra as ações da Força Tarefa de Curitiba. As críticas aumentaram depois que uma série de reportagens que ficou conhecida como “Vaza Jato”, em 2019, revelou supostos diálogos mantidos entre Dallagnol, procuradores e Sergio Moro ao longo da operação.

Segundo as reportagens, Moro e procuradores da Lava Jato teriam atuado de forma conjunta na condução de alguns casos, o que seria irregular uma vez que violaria o princípio da parcialidade.

Na época, Dallagnol e Moro negaram qualquer irregularidade no episódio.

Agora deputado, Dallagnol diz que vem recebendo o apoio de diversos parlamentares em razão da ação que será julgada pelo TSE.

“Encontrei um grande número de pessoas que veio prestar solidariedade e apoio por conta do nosso trabalho e combate à corrupção. Agora, em geral, as pessoas não conhecem esse caso e não chegam a entrar em detalhes sobre esse caso em particular”, disse.

A BBC News Brasil entrou em contato com o senador Sergio Moro para comentar sobre o julgamento de Deltan. O ex-juiz da Lava Jato, porém, preferiu não se pronunciar sobre o caso.

Luiz Eduardo Peccinin, que representa o grupo de partidos que moveu a ação contra Dallagnol, lembra que foi estagiário foi estagiário do MPF no Paraná no início dos anos 2010. Na época, o hoje deputado já atuava no órgão onde o então jovem estudante de direito apenas fazia estágio. Ele nega que haja perseguição contra o ex-procurador.

“Eu estagiei lá, mas não trabalhei direto com ele. Não se trata de perseguição. Trata-se de uma ação movida em um regime de estado democrático de direito. Qualquer partido poderia impetrar essa ação e ele, como homem público, terá o direito de se defender”, disse.

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