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terça-feira 2 de maio de 2023 às 13:18h

Israel enfrenta profundas divisões sociais, 75 anos após sua criação

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Em seus 75 anos de existência, Israel passou por grandes transformações sociais ligadas à sua turbulenta história, e atualmente enfrenta divisões cada vez mais profundas.

O kibbutz Yiron, no norte, ilustra a evolução do país desde que foi criado, em 14 de maio de 1948, quando os ideais socialistas de alguns dos pais fundadores deram lugar a um maior liberalismo econômico e a uma sociedade mais multicultural.

Os kibutz, comunidades agrícolas baseadas no coletivismo, tiveram “um papel fundamental na construção do país”, explica o sociólogo Yuval Achouch, pesquisador do Colégio Acadêmico de Galileia Ocidental, no norte de Acre (norte de Israel).

Sua imagem permanece vinculada a de Israel no exterior, mas seus moradores representavam apenas 7,5% da população judaica do país. E hoje representam menos de 2%, segundo Achouch.

Yiron foi criado em 1949 a poucos quilômetros da fronteira com o Líbano e sobre as ruínas de um vilarejo palestino destruído por forças judaicas na primeira guerra árabe-israelense (1948-1949).

Com sua criação, as autoridades buscavam defender as fronteiras da jovem nação que, em 15 de maio de 1948, saiu vitoriosa do conflito contra os exércitos de cinco países árabes.

Efrat Pieterse ainda se lembra com nostalgia “da vida coletiva com as outras crianças” em seu grupo. Ele nasceu em Yiron há 69 anos e explica que quem cuidava das crianças eram os educadores.

“Éramos nove, juntos o tempo todo, como uma família”, conta.

Hoje, Yiron está muito diferente do que conheceu. A antiga comunidade abriga uma empresa de agrotecnologia, as casas modestas foram substituídas por outras de classe média e as crianças moram lá com seus pais.

A crise econômica da década de 1980 e a queda do comunismo na União Soviética ajudaram a minar o modelo cooperativo do kibutz. O surgimento de novos valores individualistas e familiares no início do século XXI também acabou transformando a maioria desses povos em liberais, explica Achouch.

 Explosão demográfica

A população de Israel é uma das que crescem mais rápido no mundo, tendo crescido 12 vezes desde 1948. O país tem hoje 9,7 milhões de habitantes, dos quais 7,1 milhões são judeus (73,5%) e 2 milhões de árabes (21%), segundo o Escritório Central de Estatísticas de Israel. O resto são imigrantes não judeus.

O rápido crescimento populacional de Israel pode ser atribuído em grande parte à emigração judaica de todas as regiões do mundo, embora números significativos tenham vindo da antiga União Soviética no início dos anos 1990.

A identidade nacional foi forjada em parte no serviço militar obrigatório, embora uma parte da população tenha sido dispensada de fazê-lo, como a minoria árabe e quase todos os judeus ultraortodoxos, que representam 12% da população.

Em um discurso de 2015, o então presidente Reuven Rivlin identificou quatro “tribos” para definir a sociedade israelense.

Três delas eram judaicas – laicos, religiosos nacionalistas e ultraortodoxos – e uma árabe. Rivlin lamentou que as quatro não se misturassem nem se convertessem, lendo jornais diferentes e frequentando escolas diferentes.

 Pontos de vista diferentes

Rivlin acrescentou que essas comunidades tinham “pontos de vista diferentes” sobre o que o Estado de Israel deveria ser e que “a ignorância mútua e a ausência de uma língua comum apenas aumentaram a tensão, o medo, a hostilidade e a competição” entre elas.

“A sociedade está muito fragmentada no nível étnico, mas também no nível das classes sociais”, disse à AFP Sylvaine Bulle, socióloga do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS), especialista em Israel.

Dentro das comunidades identificadas por Rivlin existem outras divisões, como os ashkenazi, originários da Europa, e os judeus sefarditas. Há também novos imigrantes e os “sabra” – os nascidos em Israel – e, do lado árabe, muçulmanos, cristãos ou drusos.

Por muitos anos, os ashkenazes (os judeus dos países da Europa Central e Oriental de onde vieram os fundadores do movimento sionista) “assumiram as rédeas políticas, judiciais e econômicas” do país.

Nas décadas de 1950 e 1960, judeus do Iraque, Iêmen e Magreb (chamados “mizrahi”) também foram para Israel. Eles foram “amplamente discriminados pelo Estado”, observa Bulle, referindo-se às estratégias do Partido Trabalhista, que dominou a política israelense até 1977, quando a direita venceu.

Desde então, é a direita que conduz o país.

“O que mudou em 75 anos é que a elite ashkenazi envelheceu, não é mais representativa do eleitorado e não é mais considerada legítima pelos mizrahi, que buscam ascender socialmente”, explica Bulle.

“Nos últimos anos, vimos uma guinada para a direita na opinião pública”, acrescenta Achouch.

A identidade política das jovens gerações foi forjada, entre outras questões, pelos atentados suicidas da segunda Intifada (a revolta palestina de 2000-2005 contra a ocupação israelense), pelo fracasso do processo de paz e pela “infiltração da direita religiosa há décadas no Ministério da Educação”, destaca o pesquisador.

Desde janeiro, o país está profundamente dividido sobre o projeto de reforma judicial impulsionado pelo governo, um dos mais direitistas da história de Israel.

O Executivo acredita que a reforma é necessária para equilibrar os poderes, diminuindo as prerrogativas do Supremo Tribunal. Mas para seus detratores, a mudança legislativa representa uma ameaça à democracia. O projeto desencadeou uma onda de protestos sem precedentes.

 Nostalgia

Para Bulle, a crise atual reflete uma divisão social no país, mas, ao mesmo tempo, essa “mobilização popular” vai contra “a extrema fragmentação da sociedade israelense”.

As manifestações “mostram que, no seu conjunto, os israelenses continuam comprometidos com os valores democráticos, o sentido de justiça, ética e igualdade” e, nesse sentido, “o povo que hoje se manifesta expressa uma certa nostalgia das raízes socialistas de Israel”.

A minoria árabe, porém, tem ficado de fora do debate que abala a sociedade, aponta. “Para eles, a democracia sempre foi deficiente”, diz.

Em sua opinião, algumas leis “enfraqueceram a noção de democracia e igualdade entre os cidadãos”.

A pesquisadora cita a lei de 2018 que define Israel como o “Estado-nação do povo judeu”, que tornou o hebraico a única língua oficial do país, concedendo apenas ao árabe um status “especial”.

Avner Ben-Zaken, historiador e presidente do Institute for Israeli Thought (IIT), um centro de pesquisa com sede em Tel Aviv, acredita que “a presença desses diferentes grupos não é um problema, mas a própria estrutura do Estado”.

As eleições, afirma, são regidas por um sistema de representação proporcional que, segundo ele, se presta ao clientelismo e à competição entre diferentes grupos sociais que chegam a “se odiar”.

Ben-Zaken também critica o fato de não haver uma Constituição. “Não sabemos o que é esse Estado”, alerta.

Para ele, é preciso “definir a identidade do país como israelense” e não apenas como judaica e democrática, no marco de uma Constituição, já que é “o ponto comum” que todos os grupos possuem.

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