A onda de invasões do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) nos últimos dias irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e provocou atrasos no calendário previsto para o anúncio da retomada de políticas de reforma agrária no país.
O chefe do Executivo teme que as ações causem desgaste para o governo, principalmente com o agronegócio, e convocou uma reunião nesta quinta-feira (20) com ministros para tentar debelar a crise.
Houve receio também de que esse movimento atrapalhe o andamento de pautas de interesse da gestão Lula no Congresso, como a aprovação da medida provisória que leva a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para o guarda-chuva do Ministério do Desenvolvimento Agrário, saindo da pasta da Agricultura.
Integrantes do governo que mantêm diálogo com o MST criticam as invasões e argumentam que a iniciativa, no final das contas, pode ter o efeito contrário: em vez de pressionar o governo, podem atrasar a retomada de políticas de reforma agrária no país.
Lideranças petistas afirmam que o MST sempre foi um parceiro importante do partido, mas reclamam nos bastidores da postura adotada desde o início do terceiro governo Lula.
A avaliação é de que o Executivo tem enfrentado uma série de desafios, como no caso da invasão nas sedes dos três Poderes em 8 de janeiro, e que não seria correto um aliado abrir uma nova frente de crise.
Nas conversas com o governo, o MST argumenta que é papel do movimento pressionar para que a reforma seja uma prioridade de fato do Executivo.
Membros do movimento fazem uma comparação com a postura adotada pela militância do PT e pela presidente da sigla, deputada Gleisi Hoffmann (PR). A sigla tem pressionado o Executivo, principalmente a equipe econômica, a não adotar medidas de austeridade fiscal com o objetivo de forçar o governo a ter uma postura mais à esquerda.
No caso do MST, dizem, é necessário fazer uma mobilização similar para evitar que o agronegócio vença o debate e tenha prioridade nas políticas públicas do Palácio do Planalto em detrimento das ações de redistribuição fundiária.
Segundo aliados de Lula, havia um plano amadurecido para anunciar a nova reforma agrária ainda em abril. As atitudes do MST, porém, conturbaram o ambiente.
Além da reforma, o movimento tem uma série de demandas a negociar com o governo. No entanto, a partir do momento em que eles invadiram a sede da Suzano, no Espírito Santo, e unidade da Embrapa, em Pernambuco, ministros avisaram que só retomariam qualquer conversa se eles deixassem as áreas.
Na quarta-feira (19), o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) foi ao Congresso conversar com líderes da Câmara e do Senado e comunicá-los de que o MST deixaria as áreas da Embrapa e da Suzano. O objetivo era conversar com os parlamentares sobre a aprovação da MP que levou a Conab para o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Nesta quinta-feira (20), Lula chamou uma reunião para debater o tema. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, iria comparecer a um evento em Londres, mas teve de cancelar a participação por ter sido convocado pelo mandatário para discutir a crise gerada pelas invasões do MST.
Em outra frente, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) decidiu se encontrar com integrantes da coordenação nacional do MST. Na pauta, havia pedido de liberação de verba para reforma agrária e outros temas de interesse do movimento.
Após o encontro com o ministro da Fazenda, João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, disse que a crise política envolvendo as invasões de terra foi tratada de maneira secundária.
O coordenador afirmou que a reunião com Haddad foi proveitosa em relação às demandas do movimento e que não houve pressão para interromper ou reduzir o ritmo de invasões.
Ele também declarou que o ministro da Fazenda pediu especificamente a desocupação da área da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que foi invadida em Petrolina (PE).
A Justiça Federal determinou que os sem-terra desocupem a fazenda pertencente à Embrapa no interior pernambucano. A decisão judicial dá prazo de 48 horas, a partir da notificação, para que ocorra a saída da área.
Além da reação negativa do agronegócio, também preocupa o governo as críticas ao MST vindas da classe política, inclusive de aliados.
Em Londres, no evento do Lide, entidade criada pelo ex-governador João Doria, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), aliado do PT, repreendeu os sem-terra.
“Na hora em que o movimento ocupa uma sede da Embrapa, perde apoio político, ou na hora que ocupa uma sede do Incra. O momento exige uma reflexão do movimento e um processo mais acelerado na área da política agrária”, afirmou.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que as invasões têm claro sentido político e não de expectativa de obtenção de conquistas reais.
“Eles [MST] têm que rever o que querem. Não me parece fazer sentido nenhum invadir área produtiva, porque é lógico que vão ser retirados dali. Me parece ser muito mais uma ação política do que ter resultado prático”, afirmou.
Já o emedebista Helder Barbalho, governador do Pará, disse que é preciso conjugar combate a ilegalidades com políticas de reforma agrária.
“É fundamental que o Brasil possa ter tranquilidade no campo, segurança jurídica, propriedade de terra. Por um lado deve-se combater toda e qualquer ilegalidade. Por outro, o governo brasileiro deve instituir junto com os estados políticas de reforma agrária que não apenas garantam terra, como também permitam produção para essas localidades”, declarou.
Outra política de esquerda, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira afirmou que é preciso haver racionalidade e diálogo político. “Precisa de racionalidade, interlocução política, mas sem invadir terra pública, propriedade”, afirmou.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou por sua vez que invasões são contrárias à lei, “e tudo quanto for contrário à lei deve ser coibido e evitado”. “O governo tem compromisso de reprimir esse tipo de atitude e buscar sentar à mesa para poder negociar”, disse.
A reforma agrária sempre foi uma das principais bandeiras do PT, que historicamente foi aliado do MST. Quando Lula foi preso, por exemplo, lideranças do movimento participaram do acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba e classificaram as condenações do petista como perseguição política.