O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou a jornalistas nesta terça-feira (18) que o governo desistiu de derrubar a isenção do imposto de importação para compras de até US$ 50 entre pessoas físicas.
A proposta havia sido anunciada na semana passada.
Segundo Haddad, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu na segunda-feira (17) que, em vez de derrubar a isenção, haja foco em combater fraudes e em acirrar a fiscalização.
“O presidente pediu para tentar resolver isso administrativamente, usar o poder de fiscalização da Receita Federal, sem a necessidade de mudar a regra atual. Porque estava gerando confusão de que isso poderia prejudicar as pessoas que, de boa fé, recebem encomendas do exterior”, disse o ministro, reconhecendo que “não vai ser fácil” aumentar a fiscalização e que isso pode trazer mais custos.
Haddad afirmou que, nos últimos dias, foi contatado pelo presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por diretores de várias empresas de varejo, inclusive estrangeiras — como a Shopee, que enviou uma carta, e a AliExpress, que teve uma reunião presencial no ministério.
Segundo o ministro, todos demonstraram apoio aos esforços para regular o setor.
“Ninguém teme a concorrência. O problema é a concorrência desleal, que é o que está acontecendo”, disse Haddad, acrescentando que o governo vai estudar como outros países estão coibindo fraudes no comércio online internacional.
Na semana passada, ao apresentar a proposta de derrubar a isenção em falas públicas, representantes do governo não haviam citado plataformas de comércio online específicas.
O que foi dito é que havia fraudes nesse setor, com empresas usando nomes de pessoas físicas ou dividindo as compras em pacotes menores para ter a isenção e deixar de pagar o imposto de 60% sobre produtos importados.
Com isso, o governo argumentou que derrubar a isenção — o que seria feito via medida provisória (MP), que não chegou a ser apresentada — protegeria a indústria nacional e aumentaria a arrecadação.
A proposta gerou reações negativas nas redes sociais, às quais o governo respondeu afirmando que não iria criar um imposto sobre o comércio internacional online, e sim iria fazer valer uma tributação que já existe e vinha sendo burlada.
Devido à repercussão ruim nas redes sociais, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, minimizou o impacto para o consumidor em um post no Twitter.
“Tô aqui no avião com o Ministro Haddad que me explicou direitinho essa história da taxação. Se trata de combater sonegação das empresas e não taxar as pessoas de compram”, escreveu Janja na rede social no dia 12.
No entanto, caso a medida prosseguisse, o vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco), Kleber Cabral, disse que seria inevitável o encarecimento de produtos para o consumidor dessas plataformas.
“Lógico que fica mais caro. Os varejistas internacionais obviamente que vão repassar o custo disso e vai ficar na mão do consumidor final”, disse Cabral.
Um dos empresários brasileiros que tem liderado a pressão pela regulação do setor é Luciano Hang, dono das lojas Havan. Apesar da sua proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a demanda não emplacou no governo anterior.
As compras internacionais mais do que triplicaram entre 2018 e 2021 no Brasil, de acordo com o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), uma associação de empresas do setor.
Dados da consultoria NielsenIQ Ebit apontam que essas transações passaram de R$ 7,7 bilhões para R$ 36,2 bilhões neste período. A estimativa é de que tenham chegado a R$ 50 bilhões em 2022.
Shein e AliExpress (da China), Shopee (de Singapura) e Amazon (EUA) são as quatro principais empresas desse mercado no Brasil hoje, segundo Alberto Serrentino, consultor especialista em varejo e fundador da Varese Retail.
Essas companhias, porém, refutam as acusações de “contrabando digital”.
A Shopee afirma que mais de 85% das suas vendas são de vendedores brasileiros.
“A Shopee está no Brasil desde 2019, tem dois escritórios na cidade de São Paulo e emprega mais de 3 mil colaboradores diretos. Além disso, a taxação que está sendo discutida vale para compras internacionais de forma geral e não apenas para plataformas asiáticas. Temos origem em Singapura, mas nosso foco é local”, disse a empresa por meio de nota.
A Shopee disse ainda concordar com o governo “em qualquer mudança tributária que apoia o empreendedorismo brasileiro, pois também compartilhamos do mesmo propósito e queremos contribuir com o desenvolvimento do ecossistema local”.
A AliExpress, por sua vez, respondeu à BBC News Brasil que “cumprir as regulamentações dos locais onde operamos é nossa principal prioridade”.
A empresa disse ainda ser “um marketplace global que conecta compradores e vendedores de todo o mundo” e que “tem o compromisso de fornecer aos consumidores brasileiros produtos de qualidade e participar ativamente no desenvolvimento da economia
A Shein afirmou que “está comprometida em gerar valor para a indústria, consumidores e economia do Brasil.”
“Reconhecemos a importância em propor melhorias para as regras no Brasil de modo a fornecer segurança jurídica para os operadores e garantir que milhões de brasileiros possam continuar a ter acesso ao mercado mundial, bem como a artigos produzidos localmente”, disse a empresa.
A Amazon não quis se manifestar.