O mundo provavelmente usará menos combustíveis fósseis para produzir eletricidade neste ano, que deve marcar um “ponto de virada” em direção a um consumo sustentável de energia no planeta. As informações são do jornal BBC News.
Essa é a conclusão de um relatório recém-publicado por analistas da Ember, think tank que se dedica à pesquisa na área de energia.
Conforme as estimativas divulgadas no estudo, 2023 seria o primeiro ano fora de um período de recessão global ou pandemia a registrar queda no uso de carvão, petróleo e gás para gerar eletricidade – com consequente redução na liberação de gases causadores do efeito estufa.
Os autores atribuem a mudança esperada a um boom na geração de energia renovável liderado principalmente pela China.
Em 2022, a participação das energias eólica e solar bateu recorde e passou a responder por 12% da eletricidade global produzida. O volume de novas turbinas eólicas inauguradas só nesse período é grande o suficiente para abastecer quase todo o Reino Unido.
Nesse cenário, de acordo com as estimativas da Ember, que consideram dados de países que representam 93% do consumo global de eletricidade, as fontes renováveis devem atender a todo o crescimento da demanda deste ano.
A produção de eletricidade é hoje a maior causadora do aquecimento global, responsável por mais de um terço das emissões de carbono relacionadas à energia em 2021.
Nesse sentido, a eliminação gradual do carvão, petróleo e gás neste setor é considerada essencial para ajudar o mundo a conter as mudanças climáticas.
Esta é a quarta edição do relatório Global Electricity Review 2023, e indica que um progresso significativo está sendo feito na redução da participação dos combustíveis fósseis na produção de energia.
Os principais avanços observados são o aumento contínuo do uso de energia solar e eólica como fontes economicamente viáveis. Em todo o mundo, a produção de energia solar cresceu 24% em 2022, o suficiente para atender a demanda anual de um país como a África do Sul.
Junto com as energias nuclear e hidrelétrica, as fontes renováveis produziram 39% da eletricidade global em 2022 – o maior percentual registrado, segundo o relatório.
Em paralelo, contudo, as emissões de carbono do setor continuaram crescendo, especialmente por conta do aumento do uso de carvão.
De acordo com os autores do levantamento, isso ocorre porque a demanda geral por eletricidade cresceu, e só parte desse incremento foi atendido por fontes renováveis.
Também houve problemas com a produção de energia nuclear e hidrelétrica em 2022, entre eles a desativação de reatores nucleares na França e a redução no nível de rios na Europa em locais para geração hidrelétrica.
Em 2023, porém, o crescimento da produção de energias eólica e solar seria, ainda conforme o relatório, maior do que o crescimento da demanda – o que marcaria um ponto de inflexão na tendência de emissão de gases de efeito estufa.
“Quando você para de adicionar mais combustíveis fósseis para gerar eletricidade, começa a ver uma queda nas emissões”, afirma Malgorzata Wiatros-Motyka, principal autora do estudo.
“Isso é extremamente importante no contexto da eletrificação crescente, pois temos mais veículos elétricos e mais bombas de calor. Assim, a ‘limpeza’ do setor de energia também reduzirá as emissões em outros setores.”
Embora a queda nas emissões de combustíveis fósseis para a geração de eletricidade neste ano deva ser pequena, em torno de 0,3%, os especialistas acreditam que a redução continuará e se acelerará nos próximos anos.
A chave para isso é uma diminuição no uso de gás, que caiu ligeiramente em 2022, de acordo com o relatório, com alguns países como o Brasil vendo um aumento na produção de energia hidrelétrica, que reduziu o uso de gás no país em 46% no período.
Atender à crescente demanda por eletricidade com fontes renováveis é fundamental para reduzir o uso de combustíveis fósseis
“Agora, atingimos o próximo ponto de virada para começar a ver uma nova era de queda nas emissões do setor de energia de combustíveis fósseis. Sabemos que as energias eólica e solar são a resposta e temos apenas que seguir com um roteiro para ampliá-las o mais rápido possível”, pontua Dave Jones, da Ember, também autor do relatório.
Um personagem significativo que impacta a tendência mundial de produção e consumo de energia é a China. Cerca de 50% desse acréscimo global de energia eólica veio do país asiático, assim como cerca de 40% do potencial adicionado de energia solar.
“Há uma chance de que, no ritmo em que a China está ampliando sua produção de energias eólica e solar e todos os tipos de geração renováveis, eles alcancem esse pico na geração de carvão antes de 2025, o que seria algo significativo”, disse Jones, referindo-se ao fato de que o país é, hoje, o mais consumidor de energia a carvão.
Especialistas em energia reconhecem que reduzir o uso de combustíveis fósseis na geração de energia pode ser um “ponto de virada”, mas ainda há muito mais a ser feito.
“O primeiro pico de geração de energia a carvão foi no Reino Unido, em 1979”, disse a professora Jessica Jewell, da Universidade de Bergen, que não participou do estudo.
“No entanto, levou décadas para eliminar totalmente a energia a carvão, por exemplo. O Reino Unido ainda usava um pouco de carvão em 2022, 43 anos após o pico. Para atingir as metas de energia limpa, não temos 40 ou mesmo 30 anos, precisamos descarbonizar totalmente a eletricidade em um tempo muito mais curto.”