Os três meses que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou nos Estados Unidos fizeram crescer e se organizar grupos de brasileiros conservadores e de direita no país, que tem se consolidado como um dos principais bastiões do bolsonarismo fora do poder.
Bolsonaro viajou para a Flórida em dezembro de 2022, antes de concluir o mandato como presidente, e só voltou ao Brasil na última quinta-feira (30).
Nos Estados Unidos, hospedou-se ea m Kissimmee, na região de Orlando, e por onde passou foi tratado como celebridade: houve filas para tirar foto em restaurantes e supermercados, teve uma vigília de apoiadores em frente a sua casa e participou até da inauguração de uma hamburgueria brasileira.
A partir de fevereiro, conforme Thiago Amâncio, da Folha, deu palestras principalmente para a comunidade brasileira na região.
As primeiras foram organizadas pelo Yes Brazil, grupo que se formou em 2018 e ganhou projeção ao organizar uma motociata em junho do ano passado para o então presidente em Orlando, que inaugurava um vice-consulado na cidade.
“A presença do presidente aqui fez os brasileiros se unirem e organizarem de fato a direita”, diz o coordenador do grupo na região de Washington, Cláudio Martins.
“Começar a falar que roubaram a eleição [não há prova ou indício de fraude], falar que o PT é ruim, não vai dar nada na nossa vida senão uma gastrite. Você tem que mostrar que somos vivos”, afirma ele.
“Eles [esquerda] são pequenos, mas fazem barulho. Nós somos grandes, mas super desorganizados. Está na hora da direita se organizar.”
O Yes Brazil foi fundado pelo casal Mário e Larissa Martins, que vive em Fort Lauderdale.
De família da política paraense, Mário foi assessor do ex-governador Jader Barbalho (MDB-PA) antes de se mudar para os Estados Unidos, onde trabalha com produção, abate, industrialização e exportação de carne bovina e bubalina (búfalo), segundo informa em rede social —ele não quis conversar com a reportagem.
O grupo também organizou as manifestações em favor de Bolsonaro no feriado da Independência no ano passado, quando colocaram o então presidente em videoconferência para falar com apoiadores em Pompano Beach e Orlando (ambas na Flórida), além de Washington, Atlanta, Nova York, Boston e Las Vegas.
Com acesso amplo a políticos da direita bolsonarista, o grupo também acompanhou a deputada Carla Zambelli (PL-SP) em Washington, quando ela fez uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por suposta violação de direitos humanos, depois de ter suas redes sociais bloqueadas após a eleição.
O Yes Brazil se expandiu além da Flórida, e Cláudio Martins (que, apesar do nome, não tem parentesco com os fundadores) tornou-se coordenador na capital dos Estados Unidos —ele vive há 21 anos em Manassas, na Virgínia, região metropolitana de Washington.
Pastor na Assembleia de Deus em Jundiaí e assessor de vereador antes de se mudar para os EUA, ele fundou também a Aliança Cristã Internacional, que abriga a Frente Política Cristã, com a missão de disseminar os ideais direitistas do ex-presidente pelo mundo.
Com Bolsonaro fora do poder, Cláudio conta que o grupo quer incentivar candidaturas da direita não só em prefeituras pelo Brasil na eleição do ano que vem, mas também de brasileiros em parlamentos locais nos Estados Unidos.
O primeiro que tentou foi Bruno Portigliatti, que buscou concorrer a deputado estadual pelo Partido Republicano na Flórida, mas não passou nas primárias do partido. Ele é filho de Anthony Portigliatti, dono da Florida Christian University, onde Bolsonaro também palestrou, acompanhado de Rodrigo Constantino.
Constantino faz parte da rede de influenciadores bolsonaristas que mora na Flórida, como também Paulo Figueiredo (neto de João Figueiredo, último presidente da ditadura militar) e o blogueiro Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira.
No segundo turno da eleição de 2022, Bolsonaro teve 81% dos votos na Flórida —em 2018, no segundo turno teve 91%.
A presença do ex-presidente lançou luz sobre os grupos direitistas no estado, mas a Flórida já era o principal refúgio de latinos conservadores nos EUA muito antes da chegada de Bolsonaro. Tem uma poderosa comunidade de exilados cubanos que deixaram o país fugindo do comunismo e que até hoje influencia a política externa do governo americano para o país caribenho.
Também foi onde se exilaram outros presidentes e ditadores após deixarem o poder, como Ricardo Martinelli, ex-presidente do Panamá preso na Flórida em 2017; Gonzalo Sánchez de Lozada, ex-presidente da Bolívia; Marcos Peréz Jiménez e Carlos Andrés Pérez, ambos da Venezuela; e Anastasio Somoza Debayle, da Nicarágua, entre outros.
Se o estado do sudeste do país viu um boom nos últimos meses com Bolsonaro, a outra grande comunidade brasileira nos EUA, em Massachusetts, a mais de 2.000 km de Orlando, não viu esse crescimento, conta Newton Martins, que vive na região de Boston, do outro lado do país, e é dono do Zap Bolsonaro.
Ele comanda uma rede de mais de 50 grupos de apoiadores do ex-presidente que, afirma, reúne 8.000 pessoas no total, além de uma página no Instagram com 30 mil seguidores e um blog.
“No meu caso [do ZapBolsonaro], não mudou nada, não acho que cresceu a audiência”, afirma à reportagem. “Muita gente foi lá para a Flórida, mas [os grupos bolsonaristas de lá] como estão mais próximos talvez estejam mais influentes.”
Martins conta que chegou a participar da motociata que Bolsonaro fez em Orlando no ano passado, organizada pelo Yes Brazil, e que a última vez que viu o ex-presidente foi em Nova York, em setembro, na Assembleia-Geral da ONU, mas não o viu mais depois que saiu do poder.
Quando Lula (PT) tomou posse, Martins chegou a suspender o Zap Bolsonaro na internet e fechou grupos de WhatsApp, mas reativou algumas semanas depois. Os canais no Telegram e no YouTube, por outro lado, não voltaram mais. No Instagram, ele segue compartilhando vídeos em favor do ex-presidente.
A região de Boston tem a segunda maior comunidade de brasileiros nos Estados Unidos, concentrada sobretudo na cidade de Framingham. No segundo turno da eleição de 2022, Bolsonaro teve 76% dos votos válidos na região.
Nas redes sociais, circularam recentemente convocações para que fosse feito um protesto —que ao final não ocorreu— durante a Brazil Conference, evento realizado neste fim de semana na região de Boston e que é organizado por estudantes de Harvard e do MIT.
Entre os convidados da conferência citados nesses materiais, estavam o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso e a deputada Tabata Amaral.
Ministros do STF foram alvo de protestos ruidosos em novembro no ano passado quando foram a um evento organizado pelo Lide em Nova York. A comunidade bolsonarista na região, que abarca brasileiros não só da metrópole, como das regiões de Nova Jersey e Connecticut, também é engajada.
Geralda Gonçalves, a Geigê, é citada como a principal organizadora das redes bolsonaristas nessa área. Ela organizou calorosas recepções nas vezes em que Bolsonaro passou por Nova York, mobilizando apoiadores no país para recebê-lo com cartazes, roupas verde e amarela, instrumentos musicais e gritos de guerra.
Ex-faxineira, no país há mais de duas décadas, ela tinha influência sobre a área da cultura no começo do governo Bolsonaro e disse em entrevista à Veja em 2020 ter indicado oito secretários no governo, entre eles o ex-chefe da Cultura Roberto Alvim, demitido em meio a escândalo por publicar vídeo com conteúdo nazista. À Folha Geigê afirmou por mensagem apenas que não é “organizadora de nenhum grupo.”