Depois de quase três meses nos Estados Unidos em que apareceu em vídeos para políticos do PL e participou de conferências da direita internacional, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarcou no Brasil falando pouco sobre o seu futuro político, diz Eduardo Graça, . Tanto quando foi abordado pela imprensa ou por apoiadores, limitou-se a ouvi-los e dar sorrisos.
Por volta das 21h, o ex-presidente e seus três acompanhantes foram os últimos a entrarem no avião, depois que os demais passageiros já estavam em seus lugares. Ao ser reconhecido, foi aplaudido aos gritos de “Bolsonaroooo uhuuuuu”. Apenas um cidadão berrou — solitário, mas com fôlego — “cadeia!”.
Óculos a postos, o ex-presidente prestou especial atenção às instruções de emergência e iniciou a viagem com uma taça de espumante. Embora o avião da Gol não fosse equipado com wifi, não desgrudou os olhos e dedos do celular até o jantar ser servido. Entre frango e nhoque, optou pela massa, ao sugo, com queijo parmesão. Quando as luzes se apagaram, dormiu: fronte encostada à janela, almofada de pescoço azul como proteção. Acima do assento, no guarda-malas, imagens do trem de “Harry Potter” em ação publicitária da franquia da Universal Pictures. Na madrugada, quem, a caminho do banheiro, se fixasse nesta cena na poltrona 1A do voo 7601 da Gol, tinha a impressão de que Jair Messias Bolsonaro sorvia as derradeiras horas de calmaria antes de seu retorno a Brasília.
Antes mesmo de embarcar no Aeroporto Internacional de Orlando, nos Estados Unidos, o ex-presidente abraçou crianças, beijou mulheres emocionadas, ouviu eleitores em visita à Flórida e tirou fotos pacientemente, inclusive com funcionários da Azul e da Gol que fizeram fila para garantir um clique. Parecia estar em campanha. A todos atendeu com sorrisos e mesuras. A exceção, não exatamente uma surpresa, foi com a imprensa e, consequentemente, sua audiência.
Antes de passar pela Imigração, perguntado sobre as joias milionárias a ele presenteadas pelo governo da Arábia Saudita e se retornava ao país com a ambição de liderar a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro reagiu:
— Vocês (repórteres) falaram muito de mim nas eleições, (e) agora… — sem concluir. Às reticências seguiu-se o aviso formal de que não conversaria com os jornalistas do GLOBO e da Folha de S.Paulo durante a viagem de volta a Brasília.
Refúgio em lounge e joias
Entre a Imigração e o embarque, o ex-presidente se refugiou em uma área isolada no lounge do terminal, de onde deu uma única entrevista, para a CNN Brasil. Um de seus três companheiros de viagem, o assessor especial Sergio Rocha Cordeiro informou que Bolsonaro só “faz entrevistas ao vivo”, pois “se não for assim, vocês distorcem (aquilo que ele diz)”.
O silêncio com Eduardo Graça, do jornal O Globo, só foi quebrado quando o ex-presidente quase respondeu que nota, de 0 a 10, daria para o governo Lula. Ele riu, com gosto, em um grunhido, mas sem oferecer número algum. Em seguida, foi possível escutar uma conversa com alguém pelo celular, também entre risos: “Eu ia falar besteira. Aí não disse nada”. Mudez um tom menos rude do que as respostas malcriadas a repórteres, característica de sua temporada no comando do governo federal.
Pois foram justamente o incômodo com o exercício do jornalismo profissional e a recusa em se responder a questões de interesse público os senões mais bandeirosos da versão bonachã do Bolsonaro pós-exílio. À CNN Brasil o novo presidente de honra do PL falou das joias. Afirmou não ver ilegalidade alguma nas tentativas de se liberar o material que entrou, como se sabe, ilegalmente, no Brasil.
— A gente tentou recuperar (as joias) por ofício, não na mão grande. Era tudo pro acervo do presidente da República — argumentou.
Na mesma entrevista, também garantiu ao repórter Leandro Magalhães que irá pessoalmente à Polícia Federal na próxima quarta-feira, após ter sido indiciado, para dar explicações. Especificamente sobre o terceiro estojo, avaliado em cerca de R$ 500 mil, afirmou que deve entregá-lo ao Tribunal de Contas da União ainda nesta quinta-feira.
— Está à disposição. Não foi surrupiado. Pra que vou usar um relógio de mais de R$ 200 mil? Jamais usaria — disse à CNN. Durante o voo, em que se acomodou três fileiras à frente dos repórteres, Bolsonaro usou no pulso um modelo simples da Casio.