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sábado 25 de março de 2023 às 07:45h

MPF e MP-BA pedem suspensão imediata de operação de complexo eólico na Bahia

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A construção de um complexo eólico no município de Canudos, na região do sertão do São Francisco, é alvo de denúncia do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e Ministério Público Federal (MPF). Os órgãos ajuizaram ação conjunta pedindo a imediata suspensão de licenciamentos ambientais e o funcionamento do empreendimento instalado na região do Raso da Catarina.

A ação, ajuizada no dia 9 de março, aciona o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), a Voltalia Energia do Brasil e as usinas Eólicas Canudos II e III. Em nota enviada a Camila São José, do portal Bahia Notícias, o MP-BA informa que a Justiça Federal ainda não se manifestou sobre a ação.

Os Ministérios Público estadual e Federal alegam que as licenças concedidas pelo Inema são ilegais, visto o prejuízo direto ao meio ambiente provocado pela implantação do complexo. “Equívocos grosseiros ocorrem por parte do órgão ambiental, afinal, se o processo de licenciamento não adotou o rito previsto para o empreendimento, não se pode falar em licença válida, ao contrário, a licença é nula de pleno direito”, atestam.

Foto: MPF/MP-BA

Os MPs alertam que o complexo eólico fica em áreas onde vivem espécies ameaçadas de extinção, em especial a arara-azul-de-lear. Na região também há incidência de aves migratórias e de 24 espécies de mamíferos, sendo três delas de animais ameaçados de extinção: onça-pintada, raposinha e gato-murisco.

Levantamento feito pelas entidades aponta que a área escolhida para a implantação do complexo eólico Canudos está próxima de quatro unidades de conservação: Estação Biológica Canudos, criada em 1993 pela Fundação Biodiversitas; Estação Ecológica Raso da Catarina, criada pelo Decreto no 89.268, de 3 de janeiro de 1984; Área de Proteção Ambiental (APA) Serra Branca/Raso da Catarina, criada através do decreto nº 7.972, de 5 de junho de 2001; e a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Corobobó, criada através da resolução Conama nº 005, de 5 de junho de 1984.

Históricos de licenças

No dia 7 de março de 2020, o Inema emitiu a licença prévia para o projeto da Voltalia Energia do Brasil, composto inicialmente por 97 aerogeradores, com potência de 4,2 MW cada, totalizando uma potência instalada de 407,4 MW, distribuídos em 12 parques eólicos em uma área total de 143,21 hectares. A licença tinha validade até 7 de março de 2025.

Três meses depois, em 4 de junho de 2020, o Inema emitiu a licença de alteração, com validade até 7 de março de 2025, que modificou a licença prévia. A mudança foi a redução do número de aerogeradores, de 97 para 81; o aumento da potência instalada total, de 407,40 MW para 417,40 MW; aumento do número de parques, de 12 para 13, e desmembramento em 13 parques eólicos.

“Consequentemente, alterou o grau de impacto ambiental/potencial degradador do empreendimento de pequeno para alto – grau que exige a elaboração do EIA/RIMA -, sem que fossem, no entanto, apresentadas novas condicionantes”, indicam o MP-BA e MPF.

As licenças de instalação, permitindo a implantação do Parque Eólico Canudos I e do Parque Eólico Canudos II, foram expedidas em 12 de maio de 2021. Ambas tinham validade de quatro anos.

Neste percurso ainda houve retificação da titularidade dos processos de licenciamento ambiental. Sendo assim, o Inema concedeu a licença de instalação do Parque Eólico Canudos I para a Eólica Canudos III SPE S.A. e a do Parque Eólico Canudos II para a Eólica Canudos II SPE S.A.

No ano passado, em 23 de novembro, o Inema concedeu uma nova licença, desta vez a de operação, com prazo de cinco anos, à Eólica Canudos II SPE S.A. – com sede Fazenda Queimada do Jeronimo, zona rural, no município de Canudos – para a operação do Complexo Eólico Canudos II, composto por 14 aerogeradores.

Recomendação

Em 2021, o Ministério Público da Bahia recomendou ao Inema a reanálise do processo de licenciamento, determinando a imediata suspensão ou anulação da licença ambiental concedida; a consulta prévia das comunidades tradicionais afetadas potencialmente pelo empreendimento; o cumprimento da resolução Conama 462/2014, com a determinação ao empreendimento para realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima); e por fim a realização de audiências públicas.

Na mesma ocasião, o MP-BA recomendou à Voltalia que não adotasse qualquer medida para implantação do parque eólico até a resolução dos problemas apontados; bem como realizasse o Estudo de Impacto Ambiental, as audiências públicas e outras medidas determinadas pelo Inema.

A Voltalia Energia Brasil afirmou à época que as licenças apresentadas são válidas e alegou não ter encontrado, nas recomendações, elementos técnicos suficientes para recuar da implantação do complexo. A empresa também defendeu, conforme o MP-BA e MPF, que a suspensão do licenciamento e das obras não traria nenhum benefício ao meio ambiente.

“O Inema por sua vez, ao manifestar-se acerca da recomendação, indicou que não via motivo e razoabilidade para a suspensão ou cancelamento das licenças concedidas. Disse ainda que não observou a Resolução Conama nº 462/2014 por não ser possível afirmar com certeza que a área impactada pelo empreendimento está localizada em área de ocorrência da arara-azul-de-lear e que, de acordo com a Política Estadual de Meio Ambiente, não existiria exigência para a elaboração de EIA/Rima e audiência pública”, dizem as entidades.

Diante do descumprimento, foi proposta a atual ação civil pública, de autoria do procurador da República Marcos André Carneiro Silva e dos promotores de Justiça Luciana Espinheira da Costa Khoury e Adriano Nunes de Souza.

Inquéritos civis

Antes desta ação conjunta, outras investigações entraram em curso. A Promotoria Regional Ambiental de Euclides da Cunha instaurou inquérito civil, em outubro de 2019, para apurar o risco efetivo à vida da arara-azul-de-lear e ao meio ambiente diante da instalação do complexo pela Voltalia.

Dois anos depois, a Procuradoria da República no Município de Feira de Santana instaurou inquérito civil para apurar a construção do empreendimento.

Conforme o MP-BA e MPF, ambos os inquéritos comprovaram que o Inema classificou o complexo eólico, no processo de licenciamento, como de médio porte e de pequeno potencial poluidor, classe 03. “Desprezando que a área de implantação do empreendimento se insere na região onde há ocorrência de espécies ameaçadas de extinção”.

Na avaliação do ICMBio, o Inema não cumpriu segundo Camila São José, do Bahia Notícias, resolução do Conama que designa ao órgão licenciador a responsabilidade do enquadramento quanto ao impacto ambiental dos empreendimentos de geração de energia eólica, considerando o porte, a localização e o baixo potencial poluidor da atividade. O ICMBio recomendou a reclassificação do processo de licenciamento para a classe 6, com exigência da apresentação do EIA/Rima e audiência pública. “No entanto, nenhuma destas exigências legais foram cumpridas pelo empreendimento e/ou pelo órgão ambiental”, afirmam o MP-BA e MPF na ação.

Antes de ajuizar a ação, o MP-BA propôs, em 3 de novembro de 2021, a assinatura do Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta (TAC) com o Inema e a Voltalia. Porém, o acordo não foi firmado.

Os Ministérios Público estadual e Federal endossaram o imediato pedido de suspensão apontado que outras entidades também são favoráveis à decisão. Foram juntados aos autos uma Carta Pública assinada por cerca de 80 entidades, um documento técnico produzido e assinado pelo Conselho Regional de Biologia da 8ª Região e uma análise técnica do Protocolo Anticolisão para a Arara-azul-de-Lear, feito pela ONG American Bird Conservancy. Também emitiram parecer técnico a Eco-Organização para Conservação do Meio Ambiente e a Fundação Biodiversitas.

O MP-BA e MPF pedem que as empresas acionadas se abstenham de operar e fazer funcionar o complexo até que seja elaborado o EIA/Rima e a realização de audiência pública, sob pena de multa diária de R$ 300 mil, em caso de descumprimento.

Em nota enviada ao Bahia Notícias, a Voltalia Energia Brasil afirma que até o momento não foi notificada da ação civil pública. A empresa assegura que os licenciamentos foram concedidos pelo Inema somente após a avaliação dos estudos e projetos apresentados.

“Ainda, informamos que as possíveis consequências ambientais e sociais da implementação de tais projetos foram exaustivamente estudadas, tendo sido previstas as medidas necessárias para evitar e mitigar potenciais impactos negativos, assegurando a viabilidade ambiental dos empreendimentos, conforme reconhecido pelo órgão ambiental competente”, diz trecho da nota.

No comunicado a empresa reforçou ter compromisso com o meio ambiente, com o desenvolvimento das regiões onde tem empreendimentos durante os 15 anos de atuação no Brasil, “e e seguirá aberta ao diálogo para eventuais questionamentos das autoridades, comunidades, ambientalistas e sociedade civil, colocando-se inteiramente à disposição”.

Já o Inema disse à reportagem de Camila São José, que em breve deverá se manifestar sobre o assunto.

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