Apesar da pressão da base aliada, o governo Lula decidiu acelerar o processo de extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e nomeou, nesta segunda-feira, um novo presidente, Francisco Neves de Oliveira. Ele foi escolhido pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, após avaliação do Palácio do Planalto de que a antiga chefe da instituição, Elvira Medeiros Lyra, estava dificultando os trâmites para dar fim ao órgão. No Congresso, porém, parlamentares ameaçam não aprovar a Medida Provisória que acabou com a fundação, tornando-a sem efeito. A reação inclui até mesmo nomes do próprio PT.
O fim da Funasa, órgão responsável pela área de saneamento, representa um dos principais embates do governo com sua base neste começo de mandato. Com orçamento de R$ 2,9 bilhões e 26 superintendências estaduais, é um dos órgãos de segundo escalão mais cobiçados pelos parlamentares por sua capacidade de executar obras. Durante a pandemia, se tornou destino de emendas do orçamento secreto.
Diante do diagnóstico que a fundação poderia ser um foco de problemas, o governo decidiu ainda na transição transferir suas atribuições ao Ministério das Cidades, controlado pelo MDB. A mudança, porém, desagradou a parlamentares de outras siglas, como PSD, União Brasil, Solidariedade e PT, que tentam reverter a medida. Para Costa, porém, não há mais como voltar atrás.
— Não tem a menor hipótese do retorno. A nomeação (do novo presidente) é para acelerar as medidas de encerramento — disse o ministro ao jornal O Globo.
Funasa: o que está em jogo — Foto: Editoria de Arte
Oliveira, nomeado ontem para comandar a Funasa com a espinhosa missão de extingui-la, foi diretor do Detran da Bahia durante o governo de Costa no estado. Segundo o ministro, em 20 dias, no máximo, a fundação deve deixar de existir formalmente, com a transferência de imóveis e de servidores para outros órgãos.
— Quem estava (na presidência da Funasa) era uma pessoa interina. Evidentemente que as pessoas dentro da corporação às vezes não têm o mesmo sentido de urgência. Foi trocado o presidente para que as coisas ganhem mais celeridade —afirmou.
Apesar dos planos do ministro, o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), declarou que nem o próprio partido do presidente tem unanimidade para aprovar a MP que prevê o fim do órgão. Para não caducar, a medida precisa de aval da maioria da Câmara e do Senado até junho.
— A MP precisa ser aprovada no Congresso, então precisará negociar, até porque tem deputados do PT a favor e outros contra. Imagine nos outros partidos então —disse Zeca Dirceu.
‘Ministro não manda’
Autor de uma emenda à MP que, na prática, dá sobrevida à Funasa, o líder do Solidariedade na Câmara, Áureo Ribeiro (RJ), diz que o governo não tem apoio no Congresso e rebate Rui Costa.
— Ministro não manda. Para mandar, tem que ter voto. Quem manda é o Congresso nessas matérias. Ministro emite opinião e uma nota técnica — disse o deputado.
A articulação para manter a estrutura do governo conta ainda com parlamentares de partidos de oposição, como o PP. O senador Hiran Gonçalves (PP-RR) também apresentou emenda para sustar a extinção da Funasa e defende uma negociação com o Palácio do Planalto.
— Todo estado pequeno depende muito de ações da Funasa, pequenas obras de saneamento, perfuração de poços, isso impacta muito na vida — afirmou Gonçalves, acrescentando: — A gente tem que sentar e conversar. Ainda não houve essa conversa, não houve essa discussão.
Durante o governo Bolsonaro, a Funasa era comandada por um apadrinhado do deputado Diego Andrade (PSD-MG), e as diretorias e cargos estaduais foram distribuídos entre partidos como PP, União Brasil e o próprio PSD.
Hoje na base de Lula, a senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) é autora de um requerimento aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado para que o assunto seja debatido e representantes do governo sejam convidados a darem esclarecimentos. A mãe dela, Virgínia Velloso, é superintendente da Funasa na Paraíba.
Histórico turbulento
A Funasa foi criada em 1991, no governo Fernando Collor de Mello, e foi entregue ao MDB na primeira gestão de Lula, em 2005. Primeira indicação do partido para a presidência do órgão e ligado ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), Paulo Lustosa foi condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e banido da administração pública por cinco anos, em 2009, pelo superfaturamento de um contrato da TV Funasa, no valor de R$ 14 milhões.
O substituto de Lustosa, Danilo Forte, hoje deputado pelo União Brasil, também foi alvo de investigação, conduzida pelo Ministério Público Federal, que apurou desvios em repasses da Funasa para obras de saneamento em municípios do Ceará, seu reduto político. Durante a gestão de Forte, auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU), entre 2007 e 2010, apontaram indícios de até R$ 488 milhões em desvios na Funasa, em valores da época. Ele nega as acusações.
O então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, chegou a dizer que a atuação do órgão era de “baixa qualidade e corrupta”, e pediu sua extinção. Forte, que tinha entre seus aliados o então deputado federal Henrique Eduardo Alves, do PMDB, manteve-se no cargo até o fim do governo Lula. Na gestão Dilma Rousseff, o órgão chegou a ficar sob comando do PT, antes de retornar ao PMDB com um indicado do então vice-presidente Michel Temer.
Em 2020, a Lava-Jato do Rio realizou uma operação que prendeu um ex-presidente da Funasa, Rodrigo Sérgio Dias, que ocupou o cargo entre 2017 e 2019. Dias é primo do deputado federal Alexandre Baldy (PP-GO), também envolvido nas investigações, acusado de recebimento de propinas na assinatura de contratos do órgão. Baldy foi acusado de receber um total de R$ 2,5 milhões. O processo contra ele, que nega as acusações, foi enviado à Justiça Eleitoral.