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sábado 11 de março de 2023 às 12:29h

Adicional de risco não é devido a todos os trabalhadores que prestam serviços na área portuária

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


O prestador de serviço portuário não é um trabalhador comum tendo em vista as inúmeras particularidades que envolvem o trabalho desenvolvido nos portos, razão pela qual há legislação própria e específica que rege a atividade destes profissionais.

O sucesso da economia global atual depende do transporte marítimo e, por consequência, de portos modernos e eficientes. Não há mais espaço para se pensar em portos como uma curiosidade histórica, com armazéns atulhados e repletos de teias de aranha, cais esburacados e ambiente coberto por uma névoa espessa.

Para melhor compreensão do tema ora em debate, faz-se necessário trazer a definição de porto como forma de contextualizar a presente análise.

De acordo com a Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas (MONTEIRO:2022), o porto é um local com instalações para os navios mercantes atracarem e para carregar ou descarregar mercadorias ou passageiros de ou para navios de mar.[1]

Entretanto, uma definição mais completa e acadêmica descreveria um porto marítimo como um centro logístico e industrial de natureza marítima que desempenha um papel ativo no sistema global de transportes e que se caracteriza por um agrupamento espacial e funcional de atividades que estão direta e indiretamente envolvidas em transportes e processos de informação sem descontinuidades nas cadeias de produção.

Desta forma, um porto marítimo é um elo entre o comércio marítimo e terrestre, o que requer uma infraestrutura relacionada com os acessos marítimos (canais, comportas, molhes) e os acessos terrestres (estradas, redes ferroviárias e pipelines).

O porto marítimo moderno requer, apara além dos acessos acima mencionados uma superestrutura com armazéns, tubagens, edifícios de escritórios, tanques de combustível, gruas, empilhadeiras e outros. Isso sem falar na mão-de-obra qualificada para operar com todo este peculiar sistema.

A Lei n.º 4.860/1965 estabelece acerca do regime de trabalho nos portos organizados e estabelece outras providências.

No ponto que interessa a este trabalho, o art. 14 dispõe que. Verbis:

Art. 14. A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o “adicional de riscos” de 40% (quarenta por cento) que incidirá sobre o valor do salário-hora ordinário do período diurno e substituirá todos aqueles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.

A redação do referido artigo tem provocado dúvidas em relação a destinação do adicional de risco, na medida em que certos tribunais interpretam que o dispositivo em questão aplica-se a todos os portuários, ou seja, tanto aos trabalhadores em portos públicos organizados, quanto aos que laboram em terminais privativos.

Todavia, este entendimento é uma incoerência jurídica e não pode prevalecer, conforme restará demonstrado.

A questão havia sido pacificada com a edição da Orientação Jurisprudencial n.º 402 da SBDI do TST, em cujos termos prevê que “o adicional de risco previsto no artigo 14 da Lei nº 4.860, de 26.11.1965, aplica-se somente aos portuários que trabalham em portos organizadosnão podendo ser conferido aos que operam terminal privativo“.

Contudo, no julgamento do RE 597124 o STF fixou o Tema de Repercussão Geral nº 222 nos seguintes termos. Verbis: “sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso“.

No julgamento daquele recurso, o STF afirmou que a regulação da atividade portuária por meio de legislação específica ocorreu para garantir aos trabalhadores que prestem serviços nas instalações portuárias direitos inerentes ao exercício das atividades que lhe são notoriamente peculiares. Logo, o fato de os trabalhadores portuários avulsos sujeitarem-se a um regime de exploração diferenciado daqueles trabalhadores com vínculo permanente não autoriza um tratamento diferenciado entre eles em razão do princípio isonômico assegurado na Constituição Federal.

O Pretório Excelso poderia ter sido mais específico na tese fixada, na medida em que, em um primeiro momento, o princípio da isonomia poderia ser aplicado de forma genérica, sem distinção.

Contudo, naquele Recurso Extraordinário houve uma restrição da análise da questão controvertida acerca da possibilidade de extensão, aos trabalhadores portuários avulsos que desenvolviam suas atividades na área do porto organizado, do adicional de risco previsto no art. 14 da Lei n.º 4.860/1965, destinado ao trabalhador portuário com vínculo de emprego permanente.

Desta forma, a decisão proferida no Tema de Repercussão Geral n.º 222, alcança apenas as hipóteses em que houver trabalhadores avulsos e portuários típicos desempenhando as suas atividades em igualdade de condições sujeitas a risco, não havendo que se falar em isonomia entre trabalhadores empregados em terminal privativo (assim entendidos os portos de natureza privada que movimentam carga própria ou de terceiros – uso exclusivo e misto, respectivamente) com aqueles que trabalham em portos públicos organizados[2].

Outrossim, interpretação cuidadosa do art. 14 da Lei n.º 4.860/1965, literalmente afasta a possibilidade de que seja presumido risco na área portuária. O adicional somente será é devido nas seguintes hipóteses:

(a) quando a Administração dos Portos definir as atividades de risco (§ 3º);

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(b) durante o tempo efetivo dispendido naquelas atividades; e

(c) enquanto não forem removidas ou eliminadas as causas de risco (§ 1º).

Desta forma, mesmo após a fixação da tese no Tema de Repercussão Geral n.º 222, prevalece a disposição contida na Orientação Jurisprudencial n. 402/TST, tendo em vista que o princípio isonômico invocado pelo STF não teve a intenção de equiparar portos organizados com terminais portuários privativos, mas apenas evitar distinções entre trabalhadores avulsos e portuários típicos que estejam a trabalhar em igualdade de condições.

*Mauricio Figueiredo Corrêa da Veiga, advogado, mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa; professor à contrato do Master Diritto & Sport da Universidade La Sapienza de Roma; membro da União Internacional de Advogados (UIA) e do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); sócio do escritório Corrêa da Veiga advogados

[1] MONTEIRO, Feliciana. Portos em Portugal. Fundação Francisco Manuel dos Santos – 1ª edição. Lisboa, 2022 – p. 8.

[2] Neste sentido são as seguintes decisões do TST: RR-1267-44.2017.5.09.0322 – Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT: 16/08/2022; ARR-113600-54.2006.5.05.0121 – Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT: 01/10/2021 e RR-440-51.2015.5.17.0008 – Min. Evandro Valadão Lopes, DEJT: 19/12/2022.

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