Após uma tentativa de aproximação com o agronegócio durante a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem acumulado atritos com parte do setor desde que tomou posse. As queixas de representantes do ramo, em sua maioria alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), vão segundo Bruno Góes, Jenniffer Gularte e Sérgio Roxo , do O Globo, do esvaziamento do Ministério da Agricultura, que teve suas funções partilhadas com outras pastas, aos acenos do novo governo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), visto como ameaça pelos ruralistas.
Principal ponte com o setor, o Ministério da Agricultura perdeu a gestão da área de agricultura familiar e do Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de estruturas como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esses órgãos foram transferidos para os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente. A avaliação é que a divisão concentrou parte importante das políticas públicas voltadas ao agronegócio nas mãos do PT, que tem histórico de embates com os ruralistas. A Conab, entregue ao ex-deputado Edegar Pretto (PT-RS), por exemplo, é responsável por supervisionar o Plano Safra, programa que concede crédito a pequenos e médios produtores.
MST invadiu fazenda da Suzano no sul da Bahia, aumentando a tensão entre governo federal e agronegócio — Foto: Divulgação/MST
Integrantes da bancada ruralista no Congresso não escondem a insatisfação e ameaçam tentar revertê-las durante a votação da medida provisória (MP) que alterou as estruturas do governo, disputando votos com a base governista. A ideia do grupo é esvaziar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, nas mãos do petista Paulo Teixeira.
— O ministério hoje, no atual formato, está completamente desmobilizado. Não temos um centro de comando, um ponto focal dentro do governo para tratar, por exemplo, de Plano Safra. Vou negociar com quem? Ministério da Agricultura ou Ministério do Desenvolvimento Agrário? — questiona o deputado Pedro Lupion (PP-PR), líder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
O entendimento dos parlamentares ligados ao agro é que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, com vínculos com o setor, seria mais capaz de lidar com o assunto e as demandas de empresas e congressistas.
O líder do PT, Zeca Dirceu (MS), se reuniu na semana passada com Lupion para tentar negociar com a bancada, mas, segundo interlocutores, ouviu como resposta que a volta dos órgãos à pasta é inegociável.
Para o ex-deputado Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agropecuária, composto por entidades do setor, a divisão das funções entre as três pastas acaba por dificultar políticas públicas.
— A agropecuária brasileira tem temas do século passado para serem resolvidos — afirma.
Ele cita como exemplo a mudança do CAR, o sistema de registro público dos imóveis rurais, sob responsabilidade do Serviço Florestal Brasileiro, para o Ministério do Meio Ambiente. Na avaliação de Leitão, a transferência não poderia acontecer antes de o cadastramento de produtores rurais do país estar completo. A transferência para a Agricultura havia sido feita no governo do presidente Jair Bolsonaro.
— O CAR ainda não está com todos os produtores cadastrados, não está completo. Por isso, não tem razão de sair do Ministério da Agricultura, que é quem tem a obrigação de fazer esse cadastramento para o produtor rural.
Para tentar vencer as animosidades, o ministro Paulo Teixeira diz estar disposto a conversar com representantes do agro e tentar chegar a um consenso. Ele ressalta que a Conab terá gestão compartilhada com a Agricultura, mas não nega, contudo, que exista resistência no Congresso às mudanças.
— Eles (bancada ruralista) querem até mesmo acabar com o meu ministério — disse Teixeira.
Diálogo com o MST
Um episódio na semana passada também contribuiu para elevar a insatisfação do agronegócio com integrantes do governo. Após o MST invadir três fazendas da Suzano Papel e Celulose no sul da Bahia, na segunda-feira, entidades do setor cobraram uma reação do poder público, sob risco de gerar insegurança jurídica para proprietários de terra do país.
O governo só se manifestou sobre o caso três dias depois, na quinta-feira, quando Teixeira disse que iria conversar com o movimento para tentar resolver a questão “pelo diálogo”. Durante a semana, em reunião com a FPA, houve demonstração de insatisfação dos parlamentares até mesmo com Fávaro, após ele fazer discurso em defesa do MST durante uma visita a uma área do movimento no Paraná.
Com ligações históricas com o PT, o MST havia praticamente abandonado as invasões durante o governo Bolsonaro, que travou as desapropriações de terra. Agora, sob Lula, o movimento tem cobrado retomar a influência que teve no passado e chegou a ameaçar radicalizar para pressionar o governo a nomear um novo diretor para o Incra, o que ocorreu na segunda-feira. A entidade, porém, tem alegado que a ocupação na Bahia se deu por uma questão local e não representa a retomada de ações semelhantes em nível nacional.
— O PT terá que amadurecer e vai ter que escolher. Ele quer ajudar o presidente ou quer criar mais desafios ao Lula? — afirma o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), também integrante da FPA.