Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o dia 1º de abril será a data da virada, quando a Índia vai ultrapassar a China e oficialmente se tornar o maior país do mundo em população. Haverá 1,4 bilhão de chineses e 1,4 bilhão e pouco de indianos. Os demógrafos previam que isso ocorresse, mas não já. Até a pandemia de Covid-19, a projeção era que a virada viesse apenas em 2027. Foi antecipada porque a população da China cresce mais lentamente, mesmo que a política de filho único adotada nos anos 80 não esteja mais em vigor. E o que isso muda? Tudo. Tanto na geopolítica global quanto no papel dos demais países emergentes, em especial o Brasil.
O resultado da ultrapassagem diz tanto da Índia, mas precisamente mais por causa da China. Os chineses, para conter o crescimento populacional que era sinônimo de multiplicação da pobreza num país bastante miserável, adotou a regra de filho único por família em 1980 (ela perdurou por 35 anos, até 2015). A partir de 2016 mudou para dois filhos por casal e, desde 2021, para três filhos. A questão é que culturalmente os novos casais chineses não parecem dispostos a ter mais filhos. Famílias menores acabam sendo sinônimo de maior renda média e mais oportunidades no mercado de trabalho. Como na China qualquer mudança de hábito vira problema de Estado, para que as famílias cresçam o governo já começa a estudar e adotar subsídios, isenções fiscais, além de garantir planos de saúde, acesso à educação qualificada e à moradia. Tudo para incentivar o aumento populacional. Num país autocrático, até pode funcionar. Mas no caso da Índia… a bomba populacional já foi acionada. A Índia deve ter 1,6 bilhão de habitantes daqui a 17 anos, em 2040. A China deve encolher e ficar abaixo do 1,4 bilhão no mesmo período.
O fato é que não será preciso nem olhar para o médio prazo. Aos olhos de agora a economia mundial já será outra. China e Índia serão cada vez mais dois dos maiores mercados globais. Para tudo. Os dois países somam 35% do total de habitantes do planeta. E economicamente, seus PIBs (US$ 21 trilhões) representam 22% do PIB global de US$ 96,5 trilhões. Mas são dois mundos distintos. Apesar de compartilharem 3,5 mil km de fronteiras, há áreas dos dois países sob disputa. A China reivindica 90 mil km quadrados que estão com a Índia, que reivindica outra área, de 38 mil km quadrados, que estão com a China. Uma guerra rolou em 1962, e em 2020 houve confrontos com a morte de pelo menos 20 militares indianos.
Além dessas questões, há um grande desequilíbrio nos números. E a Índia perde em todos. O PIB indiano é de US$ 3,2 trilhões, 18% do chinês (US$ 17,7 trilhões). A renda per capita está em US$ 2,2 mil contra US$ 12,5 mil (no Brasil é de US$ 7,5 mil). A expectativa de vida é de 70 anos contra 78 anos dos chineses. O desemprego é de 6,0%, contra 4,6% na China. A inflação de 2022 foi de 5,7% na Índia, contra menos de 2% de Pequim. Mas o mais grave é a quantidade de gente abaixo da linha da pobreza (que vive com menos de US$ 2,15 por dia): 10% da população na Índia contra 0,1% na China. É 100 vezes maior. Assim como o acesso a saneamento básico, de 46% na Índia, vergonhosamente similar ao dos brasileiros (49%), muito abaixo dos chineses (70%). Os dados são do Banco Mundial.
A despeito dessas diferenças a Índia já faz o jogo econômico, e consequentemente político, global mudar. Um exemplo é a queda do PIB russo. Mesmo com um ano em guerra, após invadir a Ucrânia, o recuo deve ficar muito menor do que o inicialmente projetado e variar de 2% a 4%, dependendo da fonte: FMI (-2,2%), Banco Mundial (-3,5%) e OCDE (-3,9%). Muito? Não tanto, e bem menos que o estrago brasileiro sob Dilma Rousseff (2015-2016), de -6,8%. China e Índia, respectivamente, são o segundo e terceiro maiores importadores de petróleo do planeta. E não aderiram ao boicote patrocinado por Estados Unidos e encampado pela Europa contra Moscou. Por esse motivo, as receitas com petróleo&gás russas cresceram 30% no ano passado sobre 2021, segundo o think tank Economic Expert Group (EEG). Como quinta maior economia global e dona da maior população, a Índia também é o segundo maior consumidor de aço (depois da China) e o terceiro maior consumidor de grãos (depois de China e Europa), para ficar em dois outros exemplos. Isso tudo fará do país cada vez mais um player que desequilibra o jogo para o Leste e não para o Ocidente. Com o NDB, banco do Brics, nas mãos de Dilma Rousseff e a diplomacia sob Lula, o Brasil tem nesse novo quadro uma chance sem igual.