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sábado 18 de fevereiro de 2023 às 15:48h

Emenda sem transparência e ‘carimbo’ ajuda a bancar carnaval de prefeituras

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O Congresso usou dinheiro da chamada “emenda Pix”, um repasse federal sem transparência, para bancar o carnaval em pelo menos 22 cidades do interior do País. Em apenas 15 dias, as prefeituras gastaram R$ 4,8 milhões de recursos públicos para organizar a folia. A despesa foi bancada com dinheiro federal direcionado por parlamentares, sem que o verdadeiro uso fosse declarado. As informações são de Daniel Weterman, do jornal Estadão.

O Estadão identificou 82 contratações feitas por prefeituras para o carnaval somente na primeira quinzena de fevereiro, período que antecede a festa. A fonte declarada no papel é recurso próprio das prefeituras. A reportagem constatou, porém, que 22 dessas cidades receberam R$ 12,3 milhões em emendas Pix e devem ganhar mais R$ 15,6 milhões nas próximas semanas para usarem livremente, o que, na prática, cobre os custos da festança.

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Como o dinheiro da emenda entra no caixa para a prefeitura gastar voluntariamente, diferentemente de outros recursos federais, o montante pode bancar o carnaval. Com a emenda Pix, revelada pelo Estadão, o parlamentar indica o município para onde o dinheiro deve ir e a cifra é então repassada pelo governo.

Não há nenhuma destinação específica, como construção de escolas ou manutenção dos serviços de saúde, nem exigência de projetos prévios ou mesmo um instrumento de prestação de contas, como ocorre com outros tipos de recursos repassados pelo governo a Estados e municípios. Desde 2020, já foram transferidos R$ 6 bilhões por meio desse mecanismo. Em 2023, serão mais R$ 6,7 bilhões.

Não é a primeira vez que a emenda Pix banca festas em municípios do interior. Em junho de 2022, o Estadão revelou que esse recurso foi usado para pagar shows milionários na campanha eleitoral em cidades pobres que não atenderam a necessidades básicas da população, incluindo municípios em estado de calamidade.

Areia Branca, uma cidade do interior do Rio Grande do Norte com 25 mil habitantes, vai gastar R$ 1 milhão no carnaval com diversos artistas. Na cidade, 70% das casas não têm esgoto tratado e apenas 5% dos domicílios estão com as ruas pavimentadas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cantora Solange Almeida terá um cachê de R$ 180 mil para se apresentar no local.

Todos os gostos

Ao anunciar a programação, em janeiro, a prefeita Iraneide Rebouças (Avante) afirmou que as atrações foram contratadas para animar “todos os gostos”. A cidade foi contemplada com R$ 600 mil em emendas Pix no ano passado, dos quais R$ 100 mil já foram pagos e o restante deve cair na conta neste ano. A indicação veio dos deputados General Girão (PL) e João Maia (PL). Procurados, os parlamentares e a prefeitura não responderam.

Em Ituiutaba (MG), a prefeitura organizou uma festa de quatro dias com shows nacionais ao custo total de R$ 3 milhões. Só com a dupla sertaneja Zé Neto e Cristiano, o cachê é de R$ 700 mil. A cidade é governada pela prefeita Leandra Guedes (PSDB), ex-assessora do deputado André Janones (Avante-MG) – que destinou R$ 7 milhões em emenda Pix para o município. Conforme o Estadão revelou no ano passado, parte do dinheiro foi usada para uma festa na cidade com o cantor Gusttavo Lima na véspera das eleições de 2022.

Em resposta à reportagem, a prefeitura de Ituiutaba afirma que o carnaval deste ano não será diretamente bancado com a emenda, mas admitiu que o recurso enviado pelo parlamentar permitiu o uso, pois, “com o repasse de emendas, os recursos da arrecadação municipal que seriam destinados para aquela finalidade podem ser realocados em outras ações”. Janones não comentou.

A manobra financeira só é possível graças a esse tipo de repasse especial. Com a transferência direta, a emenda Pix acaba virando receita do município e não recebe nenhum “carimbo” na destinação. Mesmo que seja usada em outras ações, beneficia o carnaval ao abrir folga no caixa.

“Existe uma surpresa orçamentária que provoca um efeito contábil e cria uma folga que permite de fato fazer essas contratações com dinheiro próprio. As prefeituras não teriam condição de fazer a festa sem a receita”, afirmou o especialista em orçamento público e analista do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) Romero Arruda.

Conta única

As prefeituras receberam as emendas em uma mesma conta bancária, o que dificulta a fiscalização e o controle do caminho do dinheiro. “A partir do momento em que os recursos estão misturados, não tem como diferenciar porque o dinheiro não tem cheiro, não tem cor. Não tem como dizer que não foi para isso”, afirmou o procurador-geral do Ministério Público de Contas de Santa Catarina, Diogo Ringenberg. “Quando demandas da sociedade deixam de ser atendidas e os recursos são carregados para o carnaval, não é possível conviver com esse modelo de transferência.”

Em Santa Rita do Sapucaí (MG), onde ocorre uma tradicional festa de carnaval privada, o Bloco do Urso, a prefeitura resolveu fazer uma programação paralela com dinheiro público e contratou o grupo Molejo por R$ 138,6 mil. O município foi contemplado com R$ 1,8 milhão em emendas Pix por dois deputados, Bilac Pinto (União Brasil-MG) e Mário Heringer (PDT-MG).

O prefeito da cidade, Wander Chaves (União Brasil), afirmou que as emendas foram reservadas para infraestrutura, saúde e educação, apesar de o repasse ter aumentado a quantidade do recurso em caixa para outras ações. “Não aplicamos transferência especial em lazer”, disse Chaves.

Emenda tradicional

Ao usar a emenda Pix, os parlamentares alegam que se trata de um recurso mais rápido, sem burocracia. Para especialistas, porém, a falta de fiscalização e de controle prévio abre margem para desvios. Além disso, o Congresso poderia colocar os recursos do carnaval em uma emenda tradicional, vinculada ao Ministério da Cultura – que exige apresentação de projetos e também prestação de contas.

A ação para bancar esse tipo de evento, no entanto, recebeu R$ 75 milhões em emendas parlamentares no Orçamento do ano passado, 2% do valor irrigado pela emenda Pix. “A emenda Pix é célere, mas não demonstrou a mesma capacidade técnica das emendas tradicionais e o efeito até agora foi sair do controle e da fiscalização”, disse Romero Arruda.

As emendas a que os congressistas têm direito:

Emenda individual

É uma indicação que cada congressista tem direito de fazer ao Orçamento da União. As emendas são impositivas: o governo federal é obrigado a executar essas despesas. Cada deputado tem R$ 32 milhões para destinar e cada senador, R$ 59 milhões, em um ano.

Permite transferência sem que o parlamentar defina como deve ser usado o dinheiro pelo destinatário. Assim, prefeituras e governos estaduais têm liberdade para gastar a verba. Em 2023, o valor será de R$ 6,7 bi. Não há instrumento de prestação de contas.

Emenda de bancada

Parlamentares também têm o direito de fazer indicações em conjunto com a bancada de seus respectivos Estados. Cada uma das 27 bancadas estaduais pode definir como o governo federal deve gastar R$ 284,9 milhões em obras e serviços. A execução das emendas de bancada também é obrigatória.

Emenda de comissão

Recurso indicado por comissões da Câmara dos Deputados e do Senado para os ministérios correspondentes, como Saúde, Educação e Desenvolvimento Regional. Teoricamente, ela precisa ser destinada a ações de abrangência nacional. Como o Estadão mostrou, porém, o Congresso driblou essa regra para abrigar parte dos recursos do orçamento secreto – derrubado pelo Supremo – nas emendas de comissão.

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