Um levantamento feito por Marlen Couto, do jornal O Globo com base em dados do CrowdTangle, plataforma de monitoramento da Meta, mostra que narrativas bolsonaristas tiveram mais impacto digital no Facebook e Instagram que postagens de aliados de Lula com o objetivo de desmenti-las. Entre 12 e 19 de janeiro, as buscas relacionadas a Lula no Google com maior ascensão tinham a ver com campanhas de desinformação e ataques ao petista nas plataformas, segundo dados do Google Trends. Os principais termos foram “auxílio-reclusão”, referência à mensagem falsa de que o governo teria aumentado o valor do benefício concedido a familiares de presos para R$ 1.754,18, e “robótica”, relacionado ao veto de Lula à obrigatoriedade de aulas de programação e robótica na grade escolar.
Dados mais recentes indicam, por outro lado, que a viagem de Lula a Roraima, no fim de semana, para definir ações emergenciais em resposta à tragédia sanitária vivida pelos povos yanomamis conseguiu redirecionar o debate associado ao petista. Nas buscas no Google, o termo “yanomami” passou a ser a pesquisa relacionada a Lula com maior crescimento nos últimos dias, superando inclusive aqueles ligados a ataques e desinformação, ainda segundo o Google Trends.
Apesar disso, os casos recentes de desinformação e ataques nas redes mostraram que a estrutura montada durante as eleições não tem sido utilizada com a mesma frequência. Na última semana, não houve movimentação nos grupos de WhatsApp batizados de “Lulaverso” e “Lula Pela Verdade”. Em um dos grupos que O GLOBO acompanha, não foram feitas novas publicações entre 9 e 18 de janeiro. Somente na quinta-feira passada, houve uma retomada: foi compartilhado um trecho da entrevista de Lula à GloboNews.
A conta oficial de Lula no aplicativo de mensagens, com mais 106 mil inscritos, também só voltou a fazer publicações na quinta-feira, após dez dias inativa. Em outra frente, a conta oficial da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo começou a ser usada pela nova gestão apenas no dia 12 de janeiro. Seus perfis têm mais de 600 mil seguidores, se considerados Facebook, Instagram e Twitter.
A fake news sobre o auxílio reclusão, que circulou principalmente no dia 16 de janeiro, teve resposta distinta a depender da plataforma. No Facebook, bolsonaristas somaram 8 das 20 postagens com maior impacto em interações, mas atingiram mais curtidas, comentários e compartilhamentos que postagens que desmentiram a desinformação. Foram 106,1 mil interações, contra 42,4 mil mobilizados por 12 publicações feitas por aliados de Lula. Nesse grupo, as principais contas em atuação foram a do senador Humberto Costa (PT-PE) e do ministro da Secom, Paulo Pimenta (PT-RS).
Postagem de Carlos Bolsonaro dissemina fake news sobre aumento de auxílio-reclusão — Foto: Reprodução
No Instagram, o cenário se inverteu porque o campo lulista ganhou o reforço de veículos de imprensa. Entre as 25 postagens com maior impacto sobre o tema, bolsonaristas alcançaram 303,6 mil curtidas, comentários e compartilhamentos com 9 postagens, apoiadores de Lula somaram 294 mil, também com 9 postagens, e agências de checagem e veículos de imprensa outros 288 mil, com 7 publicações. No campo lulista, os destaques foram o deputado federal André Janones (Avante-MG) e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Em relação ao veto de Lula à obrigatoriedade de aulas de programação e robótica na grade escolar, as críticas circularam sem encontrar contraponto. O governo argumentou que o veto foi feito porque havia conflito entre regras vigentes, já que mudanças na grade precisariam do aval do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação. No Instagram, as 20 principais postagens sobre o tema ressaltaram o teor negativo da medida, sem apresentar a versão do governo. Ao todo, elas somaram, juntas, mais de 620 mil interações. Os principais perfis no debate eram ligados ao MBL.
Postagem do deputado eleito Gustavo Gayer sobre veto de Lula — Foto: Reprodução
Nas últimas semanas, o Fato ou Fake, serviço de checagem do Grupo Globo, desmentiu três fake news diferentes sobre supostos infiltrados nos ataques de 8 de janeiro. Uma delas alegava que a bolsonarista Ana Priscila Azevedo, presa pela Policia Federal e apontada na investigação como uma das organizadoras do ato em Brasília, era uma “petista disfarçada de patriota”. Também circularam fake news sobre crianças estarem presas sem comida e sem água no ginásio onde estão detidos os golpistas em Brasília e falsas mortes nas instalações da PF.
Defasagem
Um levantamento feito por pesquisadores ligados à PUC Rio e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir de conteúdos sobre a repercussão da invasão aos prédios dos três Poderes, mostrou que a extrema-direita obteve, entre 13 e 17 de janeiro, mais visualizações e interações do que a esquerda em suas postagens no YouTube, Facebook e Instagram. No YouTube, a distância foi maior: canais ligados ao bolsonarismo somaram mais de 49,5 milhões de visualizações, contra 20 milhões do campo da esquerda. Na semana anterior, entre 8 e 12 de janeiro, nos dias seguintes aos atos, perfis mais favoráveis a Lula haviam superado os bolsonaristas no Facebook e Instagram.
Para Letícia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, o campo bolsonarista conseguiu na semana passada se organizar em torno de críticas e ataques ao governo, enquanto a pauta do campo lulista se mostrou mais difusa.
— Existe uma defasagem no tempo que a esquerda demora para se articular e rebater narrativas bolsonaristas. Um exemplo foi a pauta da divulgação de gastos de Bolsonaro com cartão corporativo, que teria tudo para ser apropriada pela oposição ao ex-presidente. Os bolsonaristas, porém, conseguiram capturar o assunto. A resposta ocorreu posteriormente — explica a pesquisadora.
Professor de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia, David Nemer afirma que há, em geral, mais dificuldade de contrapor desinformação no ambiente das plataformas.
— Estudos mostram que as fake news viajam seis vezes mais rápido nas redes sociais que a desconstrução de uma desinformação. Isso mostra a dificuldade. Há ainda o fato de as campanhas de desinformação envolverem bots, contas inautênticas, e dos algoritmos priorizarem conteúdos sensacionalistas, que geram ódio e medo, o que as fake news sempre tentam expressar.
As dificuldades na comunicação do governo têm levado a críticas indiretas de aliados. Na semana passada, em uma série de tuítes, André Janones, que atuou como coordenador informal das redes de Lula na campanha, apontou dificuldade de alinhamento com pautas que são preocupação da maioria da população, como o valor do salário mínimo. “A comunicação contemporânea exige intimismo e constância, mas, pra isso, governantes e governados, líderes e liderados, influenciadores e influenciados, precisam estar no mesmo mundo, vivendo e compartilhando as mesmas angústias, alegrias e perspectivas”, escreveu.
Já Paulo Pimenta, responsável pela comunicação, admitiu em uma postagem no Twitter que a disputa de narrativas é uma “tarefa complexa e difícil”. Ele informou que o decreto de criação da Secom deve ser publicado no dia 24 e que até lá seus integrantes estão “planejando a estrutura e tarefas da comunicação institucional do governo”. O GLOBO questionou a Secom sobre quais são as medidas adotadas para combater desinformação e quais serão suas diretrizes na área, mas não houve resposta.
Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, publicada na quinta-feira, Pimenta afirmou que fake news acusando o governo de ter cometido “fatos delituosos inverídicos” serão encaminhadas à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao Ministério da Justiça. A proposta é identificar os produtores de conteúdos com desinformação e acionar a Justiça. Não há na lei brasileira uma definição sobre o que é desinformação — o projeto de lei das fake news, que busca regulamentar o assunto, ainda está em discussão no Congresso. A criação de uma estrutura dentro da AGU, já anunciada no início do mandato, com a atribuição de representar a União em processos judiciais para “resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas” despertou críticas e preocupação de juristas por abrirem brecha para o cerceamento de opiniões contrárias ao governo.