O dia 16 de janeiro era aguardado com ansiedade pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva. No final de dezembro, ele havia conseguido dissuadir opositores de convocar uma assembleia extraordinária para tratar de sua permanência no cargo. Segundo Celso Masson, da revista IstoÉ, em um movimento então entendido como vitorioso, o executivo que comanda o grupo têxtil Coteminas, com operações no Brasil e no exterior, não apenas postergou o encontro dos oponentes como unificou a data da assembleia do grupo dissidente com outra, agendada para discutir temas do interesse da entidade — e dele próprio. Foi com essa sensação de alívio momentâneo que Gomes, filho do ex-vice-presidente da República José Alencar (1931-2011), passou as festas de fim de ano e iniciou 2023. Mas a expectativa de que algo ainda estava por vir não o abandonou.
Sua agenda para a segunda-feira (16) na sede da Fiesp previa um primeiro ato de impacto, para demonstrar sua força junto ao atual governo. Gomes recebeu no icônico edifício da Avenida Paulista o homem que hoje ocupa o cargo que fora de seu pai nos dois primeiros mandatos de Lula, o atual vice-presidente Geraldo Alckmin. Coincidência ou não, Alckmin é também ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, posição para a qual foi nomeado após a recusa do próprio Josué Gomes, nome que era o favorito de Lula para a pasta. Após a reunião com Alckmin, Gomes deu início à assembleia com 89 delegados que representam 80 sindicatos (a Fiesp é formada por 133 sindicatos patronais). “Ele havia se preparado para falar e não para ouvir”, afirmou um dos presentes, sob anonimato. “Tanto que começou fazendo sua defesa”. Quando Gomes se retirou, levando seus apoiadores, os insurgentes começaram outra assembleia e decidiram pela destituição do presidente. Dos 50 delegados que votaram, 47 pediram a saída do presidente. Apenas um votou pela permanência. Dois se abstiveram.
GOLPE
Segundo fontes de dentro da Fiesp ouvidas pela reportagem, o rito adotado pelos delegados não tem validade. Por isso a decisão tem sido contestada — e poderá ser judicializada. “Ele tem duas saídas: reconhecer que não o querem e ir embora ou tentar vencer na Justiça e ficar no cargo”, afirmou uma pessoa próxima ao dirigente. “Nessa briga, os dois lados perdem”.
O jurista Miguel Reale, autor de um dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff em 2016, afirmou, em entrevista ao jornal Valor, que a manobra para cassar Gomes “foi um golpe com todas as letras, sem amparo legal.” Uma das falhas apontadas pelo jurista é o fato de não ter sido dada nenhuma possibilidade ou prazo de defesa. “Fizeram porque queriam fazer”, disse Reale. O regimento da Fiesp prevê que a destituição do presidente só ocorra em cinco situções, todas bem detalhadas. A tentativa de derrubar Gomes não se apoia nessas premissas.
Para compreender o que de fato ocorreu naquela tarde de segunda-feira e seus possíveis desfechos legais é preciso voltar no tempo, mergulhar na história da Fiesp e percorrer os caminhos — muitos deles equivocados — que a outrora poderosíssima entidade patronal escolheu nos últimos anos.
Criada em 1931 por barões da indústria como Francisco Matarazzo e Roberto Simonsen, a federação mais famosa do País sempre foi dirigida por nomes de peso do setor manufatureiro. Por muito tempo, seu enorme poder era exercido junto aos governos sem que houvesse envolvimento político. Isso mudaria radicalmente com a ascensão de Paulo Skaf, no início dos anos 2000. Filho de um imigrante libanês que se tornou industrial do ramo têxtil no Brasil, Skaf não chegou a concluir o ensino superior. Depois de seguir os passos do pai no comando da empresa familiar, vislumbrou a oportunidade de inserir o setor de tecidos no então crescente interesse pelo mundo da moda. Todos queriam ver modelos como Gisele Bündchen desfilando e Skaf aproveitou o momento como ninguém.
Embora tenha sido eleito com 97% dos votos, em 2021, Josué Gomes nunca foi unanimidade entre seus pares. Ele não costuma ir a eventos, não gosta de atender quem pede favor e, talvez mais grave, não gosta de aparecer na mídia. Essa postura irritou os industriais habituados a ver o antecessor nos jornais e na TV. Insatisfeitos, os presidentes de diversos sindicatos isolaram Gomes e procuraram Skaf, que ainda exerce forte liderança sobre os associados da entidade. Caso a decisão anunciada na assembleia que destituiu Gomes seja mantida, caberá ao conselheiro mais antigo no cargo escolher um entre os três vice-presidentes. O mais provável é que assuma Rafael Cervoni, atual presidente do Ciesp eleito na chapa de Gomes e nome altamente respeitado pelos demais. Até agora ele se manteve neutro em relação aos desdobramentos do caso.
Na quarta-feira (18), uma carta de apoio a Gomes foi divulgada pelo Comitê de Defesa da Democracia. Ela traz as assinaturas de nomes influentes do setor financeiro, caso do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, além de renomados professores de Direito. Em tom de repulsa, o texto afirma não ser possível admitir que “um pequeno grupo de pessoas ressentidas com o triunfo da democracia sobre o autoritarismo venha agora, em sitonia com aqueles que vandalizam nossas instituições, retaliar uma liderança exemplar.” Josué Gomes foi eleito pela revista IstoÉ Dinheiro como o Empreendedor do Ano de 2022 na Indústria.
Ainda que caiba recurso da decisão, permanecer na presidência da Fiesp será um desafio complexo. Uma ala do empresariado entende que a gestão de Gomes tem muito a oferecer para a indústria até pelo trânsito fácil com o governo federal — e a visita de Alckmin foi uma prova disso. Outros entendem que a renúncia seria adequada — e pelo mesmo motivo: o alinhamento a Lula. O fato de apenas 18 sindicatos da Fiesp terem assinado o Manifesto em Desfesa da Democracia em agosto de 2022 confirma que a imensa maioria (mais de 100 sindicatos) estava do lado errado da história ao não condenar Bolsonaro e sua intenções golpistas. Seguem errados agora ao tentar um golpe para derrubar Josué Gomes. É bom que reflitam.