Milhares de quilômetros de linhas de transmissão de energia espalhadas pelo Brasil desafiam empresas e governo a evitar ataques e sabotagens contra a infraestrutura elétrica que surgiram neste ano, em uma onda de ocorrências incomuns para o setor elétrico e que coincidiu com atos golpistas em Brasília.
Especialistas apontam que os cerca de 175 mil quilômetros de linhas de transmissão, cortando principalmente áreas rurais e desertas, são de difícil monitoramento, tornando as torres mais suscetíveis aos ataques. Nesse sentido, defendem a estruturação de uma “inteligência”, com participação do governo, para compartilhamento de informações que permitam às empresas se anteciparem a possíveis ataques.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já registrou sete casos suspeitos de vandalismo em torres de transmissão, envolvendo instalações de empresas como Eletrobras, Taesa e Evoltz e ISA Cteep. Houve queda de quatro torres, sem prejuízo ao fornecimento de energia aos consumidores.
A Polícia Federal investiga se há relação entre esses casos e os atos golpistas que levaram à invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Até o momento, não há informações públicas que esclareçam as motivações por trás das ocorrências no setor elétrico, e se houve algum tipo de ação coordenada.
Segundo Mario Miranda, presidente da associação das transmissoras Abrate, ataques a linhas de energia vêm ocorrendo desde dezembro do ano passado, especialmente em Rondônia, mas houve “grande escalada” após 8 de janeiro.
Ele classificou ainda os atos como “sabotagem”. “Não é vandalismo, o que houve foi sabotagem mesmo, para derrubar (as linhas). Vandalismo… é normalmente um ato menor, quando se trata de romper estais (cabos) que suportam torres, um ato deliberado para derrubar, aí é sabotagem”.
Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do operador elétrico ONS, afirmou que o setor não enfrentava casos do tipo há pelo menos uma década.
“De 2001 até 2010, tivemos uma série de ocorrência no sistema de transmissão, mas muito menos por vandalismo e mais por roubo de cabos. Casos de vandalismo, (houve) muito pouco… Esse problema praticamente desapareceu da nossa agenda, e voltou agora, eu acho que no rastro do que tivemos no domingo passado em Brasília.”
Ele observou ainda que as torres de transmissão, por estarem em locais ermos, são alvos mais fáceis para ataques ao fornecimento de energia do que subestações e outros ativos, que costumam ser monitorados por equipes locais ou por câmeras.
Essas características dificultam uma ação prévia como a vista no caso das refinarias da Petrobras, que sofreram ameaças na esteira dos atos golpistas de 8 de janeiro. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) identificou as ameaças no próprio dia e alertou Petrobras e governo, conseguindo mobilizar forças para reprimir eventuais ataques.
Dada a dificuldade de monitoramento contínuo, a Abrate e o Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE) vêm defendendo uma solução perene que permita “rápida atuação na segurança pública” para combater atos de sabotagem.
“Esse sistema de inteligência de informações passa a ser bastante importante para o relacionamento direto de órgãos de inteligência junto com concessionárias de serviços públicos para aumentar previamente a fiscalização, colocar equipes (na rua) com antecipação”, disse Miranda.
Na véspera, os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, se reuniram com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Augusto Passos Rodrigues, para discutir ações para evitar novos eventos e buscar punir os responsáveis pelos casos.
Reforço da segurança
Nesta terça-feira, Silveira afirmou que a segurança de linhas de transmissão de energia elétrica está sendo reforçada com tecnologias e policiamento.
Em entrevista a jornalistas, ele afirmou que a iniciativa privada se colocou de forma colaborativa para implantar tecnologias avançadas, como videomonitoramento e drones, para reforçar segurança no sistema.
Já a polícia terá uma “atuação focal”, já que se trata de um momento de crise, acrescentou.
O ministro disse ainda que as empresas donas das linhas estão arcando com os custos de respostas rápidas, e pediu que a sociedade denuncie atos de vandalismo.
Silveira afirmou que no momento não é possível afirmar que houve sabotagem de linhas de energia por motivação política, ressaltando que a Polícia Federal está com inquéritos instaurados para apurar as motivações por trás dos ataques.