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sexta-feira 13 de janeiro de 2023 às 07:10h

Invasão em Brasília: por que, mesmo detidos, bolsonaristas mantiveram celulares?

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Ao menos 1.500 pessoas foram detidas após as invasões e destruição de prédios dos Três Poderes no domingo (8), em Brasília. Os suspeitos de cometerem atos de vandalismo continuaram com seus celulares enquanto aguardavam passar por uma triagem, antes de serem liberados ou encaminhados para presídio.

Isso gerou um questionamento, principalmente nas redes sociais, sobre se essas pessoas deveriam permanecer com seus celulares enquanto aguardavam ser interrogadas na sede nacional da Polícia Federal. Os principais argumentos foram os de que essas pessoas poderiam ocultar provas de possíveis crimes ou até mesmo se comunicar com outras pessoas para planejar novos ataques.

Em vídeos publicados nas redes sociais, principalmente o Telegram, é possível ver as pessoas detidas na sede da PF gravando vídeos, mandando mensagens pelo celular e inclusive convocando protestos para reivindicar melhores condições de alimentação e cuidados.

A BBC News Brasil conversou com especialistas em segurança pública e cibernética para ouvir a avaliação deles sobre o procedimento adotado pela Polícia Federal durante a triagem dos detidos. Entenda, a seguir, os argumentos de quem defende e de quem critica o procedimento.

Para o cientista político Guaracy Mingardi, que já foi secretário de Segurança Pública de Guarulhos e policial civil, a Polícia Federal errou ao não apreender os celulares dos detidos, inclusive aqueles que não foram pegos nas invasões e estavam acampados na frente do QG do Exército em Brasília.

“Deixar o celular com eles presos foi um erro. Com os aparelhos, se comunicaram com quem está fora e ainda puderam sumir com as provas. A polícia acertou ao separar quem deveria ser mantido no ginásio. Alguns detidos foram liberados para aguardar em casa, além dos idosos e pessoas acompanhadas de crianças”, afirmou.

Para Mingardi, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as pessoas que foram detidas no acampamento deveriam ter tido seus celulares apreendidos assim que foram abordadas.

“O correto seria revistar os detidos quando entraram ou desceram dos ônibus que os levaram para a Polícia Federal. Terem os celulares, dinheiro e pertences pessoais apreendidos, etiquetados e guardados. Poderiam ter deixado as pessoas com a roupa do corpo e roupa de cama. Mas não sei se a PF tinha mão-de-obra para isso. Acredito que isso não ocorreu, por um lado, por erro, e pelo outro, por falta de condições. Mas pelo menos os celulares deveriam ter sido apreendidos”, disse o especialista.

Até a noite de terça-feira (10/01), 727 pessoas tinham sido presas após passar pela triagem da Polícia Federal, segundo a assessoria de imprensa da PF. Outras 599 haviam sido liberadas por questões humanitárias, como idosos, moradores de rua e pessoas acompanhadas por crianças.

Todas receberam ao menos quatro refeições por dia, atendimento médico e psicológico quando necessário, segundo as autoridades.

Para Mingardi, os critérios deveriam ter sido mais rígidos, pois até mesmo entre as pessoas acampadas poderia haver suspeitos de planejar o ataque ou que até mesmo pessoas que invadiram e depredaram prédios públicos.

“Se uma mulher furtar salame em um supermercado para matar a fome (furto famélico), ela vai para a polícia e, por mais pobre que ela seja, vai ser tirado o celular dela, tudo. Se o juiz resolver liberar ou responder processo em casa, ele avalia se o aparelho vai ser devolvido. Os detidos em Brasília foram privilegiados. Foram muito mais bem tratados do que a maioria dos presos”, afirmou Guaracy Mingardi.

Procurados, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal não se manifestaram até a publicação desta reportagem.

‘Foi o mais adequado’

O defensor público federal William Charley Costa de Oliveira, que acompanhou diversas audiências de custódia dos detidos em Brasília, disse à BBC News Brasil que o procedimento adotado pela Polícia Federal foi o mais adequado.

Ele explicou que houve duas situações diferentes e que elas devem ser tratadas de maneira distinta.

“Houve invasão e depredação e aquilo é crime. São pessoas que foram presas com facão, maçarico, pedra e objetos que tenham ou possam ter relação com o crime. No caso do acampamento, é um pouco diferente – aquelas pessoas foram detidas para averiguação. Essas pessoas, até serem ouvidas, podem usar o telefone porque não são objetos de crime. Mas, a partir de identificada a participação em algum crime, as pessoas podem ter os aparelhos apreendidos”, disse.

Segundo ele, todos podem usar seus celulares até que seja comprovado que o aparelho possa ter alguma prova ou ligação com a execução de um crime.

“Há o caso de uma mulher do Sul que gravou vídeos dentro do ônibus que ela viajou para Brasília em que ela convoca pessoas para o ato. Aquele celular dela pode ser prova de um crime e, naturalmente, pode ser apreendido. As pessoas que foram presas na praça dos Três Poderes tiveram o celular apreendido. Os do QG são detidos para averiguação e não dá para dizer nem sequer que participaram do ato, muito menos das invasões, antes de interrogá-los”, afirmou o defensor público.

Segundo ele, a grande quantidade de pessoas presas dificultou o trabalho policial, tanto para transportá-las quanto para fazer a triagem. O especialista afirmou ainda que essa situação atípica pode ter facilitado a ocultação de provas.

“Pelo volume de pessoas, com certeza muita gente deve ter apagado mensagens e outros registros que possam incriminá-las. Por outro lado, tem muita gente que nem sabe onde está. Pessoas que nunca tinham ido a Brasília e que dizem ter ido parar em um prédio que estava sendo destruído”, afirmou William de Oliveira, um dos 37 defensores que estão atuando em Brasília no caso dos atos de depredação.

Recuperação difícil

Especialista em segurança digital e gerente de projetos na Safernet Brasil, Guilherme Alves reforçou que os detidos tiveram a chance de apagar provas dos celulares e que o processo de recuperar mensagens apagadas pode ser complexo.

Pessoas detidas sendo transportadas para sede da PF

Especialista em segurança afirmou que é muito difícil recuperar mensagens apagadas do celular CRÉDITO,REUTERS

“Durante a investigação, a autoridade pode solicitar a uma rede social, por exemplo, o bloqueio e informações cadastrais de um perfil. Ainda que o suspeito apagasse o perfil ou os conteúdos postados enquanto estivesse aguardando a detenção. O acesso a histórico de trocas de mensagens no WhatsApp, no entanto, é mais complexo. Caso a pessoa apague o histórico e o backup do telefone, a criptografia empregada no aplicativo impede a solicitação judicial de acesso ao conteúdo, salvo se a autoridade conseguir acesso ao telefone de um possível destinatário que não tenha apagado nada, e ainda assim sem garantia”.

Além de apagar informações, o especialista ressalta que esses celulares “são muito importantes para a investigação que a autoridade policial vai fazer para identificação das origens dessas redes”.

“É bastante perigoso que as pessoas continuem tendo acesso a telefone celular e desencadeando essa narrativa de golpe. Mais do que isso, é bastante possível que essas pessoas tentem destruir provas dos crimes que elas cometeram, como vídeos, fotos, contatos, mensagens, acesso delas a grupos de mensagens e coisas do tipo”, disse.

No entanto, uma fonte que pediu para não ser identificada afirmou à reportagem que deixar o celular com os detidos também poderia fazer parte de uma estratégia da polícia. Isso porque o serviço de inteligência do governo pode deixar que essas pessoas se comuniquem após o crime para que eles possam identificar outras pessoas envolvidas – algumas que possivelmente nem estavam em Brasília, mas podem ter financiado as ações de vandalismo.

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