A invasão das sedes dos três poderes em Brasília, no domingo (8), resultou na prisão de pelo menos 1,2 mil pessoas nas últimas 24 horas, segundo dados do Ministério da Justiça. Inquéritos foram abertos para chegar à identidade dos invasores, seus possíveis financiadores e se houve conivência de autoridades locais que permitiram a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Enquanto as investigações começam, especialistas em segurança pública apontam que há perguntas importantes sobre os eventos que antecedeu a invasão que ainda não foram respondidas.
A BBC News Brasil ouviu o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, que elencou cinco questões ainda sem respostas sobre os episódios do domingo. Segundo ele, as principais perguntas são:
– Por que o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal viajou às vésperas da manifestação?
– Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, tratou com Bolsonaro sobre as manifestações do domingo?
– Qual foi a atuação do comando-geral da PM do Distrito Federal nas horas que antecederam a invasão?
– Qual o papel do governador afastado Ibaneis Rocha no episódio?
– Por que o Batalhão de Guarda Presidencial não conseguiu impedir a invasão do Palácio do Planalto?
A invasão
Na tarde de domingo, milhares de militantes apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) insatisfeitos com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e defendendo pautas como o fechamento do Congresso Nacional invadiram as sedes dos três poderes da República. Eles chegaram a Brasília ao longo dos últimos dias e ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central da cidade, ao longo do dia.
A presença de policiais militares na área não conseguiu impedir a invasão. A ordem foi restabelecida horas depois, após a chegada de reforços policiais.
Após a invasão, o presidente Lula anunciou uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, foi nomeado interventor e vai comandar o aparato de segurança do Distrito Federal até o final do mês de janeiro.
Horas mais tarde, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, afastou temporariamente o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). O cargo passou a ser exercido pela vice-governadora, Celina Leão (PP).
Duas questões: a atuação de Anderson Torres e conversas com Bolsonaro
Na avaliação de Renato Sérgio de Lima, a atuação ou omissão durante a crise do agora ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres é um dos pontos que precisa ser melhor esclarecido.
Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro e era tido como um dos seus aliados mais fiéis. Logo após a posse de Lula e sua exoneração, Torres foi nomeado por Ibaneis como secretário de segurança, cargo que exercia antes de assumir o Ministério da Justiça.
Durante sua gestão como ministro da Justiça, ele foi alvo de críticas da oposição por, supostamente, usar seu cargo em favor do então candidato à reeleição Jair Bolsonaro.
Um dos episódios mais marcantes foi a operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em rodovias do Nordeste que parou diversos ônibus que transportavam eleitores de Lula para as suas zonas eleitorais. À época, ele negou qualquer irregularidade.
As suspeitas sobre sua eventual conivência com os atos do domingo aumentaram depois que passou a circular a informação de que, no final de semana, ele estaria na Flórida, mesmo Estado onde Bolsonaro passa uma temporada desde antes do fim de seu mandato.
“Em relação a Anderson Torres, há duas perguntas que precisam ser respondidas. A primeira é: Por que ele viajou para os Estados Unidos às vésperas de uma manifestação prevista? Essa manifestação estava sendo divulgada havia dias. O que fez o chefe da segurança pública viajar às vésperas de um evento tão importante?”, indaga Lima.
“A segunda é: ele se encontrou com Bolsonaro e tratou dessas manifestações com o ex-presidente? Se esse tipo de conversa ocorreu, é algo que a sociedade precisa saber”, disse o especialista.
A BBC News Brasil enviou um conjunto de 10 questões a Anderson Torres por meio de um aplicativo de troca de mensagens. A reportagem questionou se ele se encontrou com Bolsonaro e se tratou das manifestações com o ex-presidente. A reportagem também telefonou para o ex-secretário e ex-ministro, mas ele não atendeu às ligações e nem respondeu às mensagens.
Em sua página no Twitter, Torres admitiu que está no exterior, mas não deu indicações sobre onde estaria. Ele também rebateu as críticas de que ele teria sido conivente com os atos do domingo.
“Sempre pautei minha vida pelo respeito às leis e às instituições […] nesse sentido, lamento profundamente que sejam levantadas hipóteses absurdas de qualquer conivência minha com as barbáries que assistimos”, disse Torres.
A possibilidade de omissão de Anderson Torres foi aventada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em uma petição enviada pelo órgão ao STF. No documento, a AGU pede a prisão de Anderson Torres e quaisquer outros agentes públicos que tenham sido omissos ou que tenham contribuído com a invasão das sedes dos três poderes.
“Dentre os pedidos, figuram a prisão em flagrante do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, exonerado na tarde de hoje, e de demais agentes públicos responsáveis por atos e omissões”, disse uma nota divulgada pela AGU.
Atuação do comando da PM do Distrito Federal
Renato Sérgio de Lima pontua que um outro ponto que vem sendo pouco destacado desde a invasão do domingo foi o papel do comandante-geral da PM do Distrito Federal, coronel Fábio Augusto Vieira.
“É preciso saber os motivos que levaram a PM a permitir o acesso de pedestres à Esplanada dos Ministérios apesar de todos os alertas indicarem que havia a possibilidade de atentados”, disse Lima.
Outro ponto que chamou atenção durante a invasão foram as imagens de militares da PM do Distrito Federal tirando selfies e fotografias com bolsonaristas enquanto os prédios públicos eram invadidos.
Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça, Flávio Dino, responsabilizou o aparato de segurança do Distrito Federal pela invasão. Segundo ele, o acordo entre o governo local e o governo federal era de que os bolsonaristas não teriam acesso à Esplanada dos Ministérios.
Dino afirmou, no entanto, que na manhã do domingo, foi informado que as autoridades locais haviam mudado de ideia e permitido a entrada de pedestres na área.
“O contingente policial estava absolutamente desconforme com a decisão de deixar (os bolsonaristas) descer a Esplanada (dos Ministérios). Tanto é assim que quando os efetivos foram ampliados, uma hora e meia após o início dos episódios, rapidamente a situação foi controlada”, disse Dino.
“Isso mostra que ela (invasão) era absolutamente evitável se não fosse essa mudança de planejamento de última hora. As investigações vão mostrar as razões (para a mudança). Se foi puramente um erro técnico ou se houve, realmente, uma estratégia, um ardil”, disse o ministro.
Na segunda-feira (9/1), o Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para apurar a suposta omissão do alto comando da PM do Distrito Federal no atos do domingo.
Enquanto isso, Dino afirmou ainda que o interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal, Ricardo Capelli, deverá fazer mudanças no comando da PM.
“Haverá revisão das equipes. O secretário Capelli está com essa missão e nós abrimos um diálogo com a governadora em exercício Celina Leão”, disse Dino ao ser questionado sobre o assunto.
A BBC News Brasil enviou questionamentos à Polícia Militar do Distrito Federal, mas não houve respostas.
Qual o papel do governador afastado Ibaneis Rocha no episódio?
Renato Sérgio de Lima avalia que tão importante quanto entender como se deu a atuação de Torres e do coronel Fábio Augusto Vieira é ter detalhes sobre como se portou o governador afastado Ibaneis Rocha nas horas que antecederam o episódio.
“Ibaneis era, em última instância, o responsável pelo que estava ocorrendo. Ele tinha acesso a informações, relatórios de inteligência e outros dados. A atuação do governador nos momentos que antecederam a invasão precisa ser esclarecida”, diz o especialista.
O situação política de Ibaneis ficou complicada ainda no domingo quando Alexandre de Moraes o afastou do cargo por 90 dias. O ministro classificou a atuação do governador reeleito do Distrito Federal como “dolosamente omissiva”.
“O descaso e conivência do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres […] só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, Ibaneis Rocha”, disse o ministro em seu despacho.
“Absolutamente nada justifica a omissão e conivência do Secretário de Segurança Pública e do Governador do Distrito Federal com criminosos que previamente anunciaram que praticariam atos violentos contra os Poderes constituídos”, completou o ministro.
A BBC News Brasil enviou questões sobre o assunto a Ibaneis Rocha e à sua assessoria de comunicação, mas não obteve respostas.
Pelo Twitter, o governador afastado disse respeitar a decisão de Alexandre de Moraes e que vai aguardar “com serenidade” o desenrolar das investigações sobre a invasão.
Em entrevista coletiva, Dino disse não ver, até o momento, elementos jurídicos que possam levar à responsabilização jurídica de Ibaneis Rocha.
“Não há até aqui, juridicamente falando, nenhum elemento de que ele (Ibaneis) foi responsável. Evidentemente, cabe ao Supremo e ao Judiciário julgar e discernir quanto a isso”, disse Flávio Dino.
Por que o Batalhão da Guarda Presidencial não impediu a invasão do Palácio do Planalto?
Apesar do foco na atuação da Polícia Militar durante a ação dos militantes bolsonaristas, Renato Sérgio de Lima aponta que é preciso entender porquê os soldados do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) não impediram a invasão do Palácio do Planalto.
De acordo com o site do BGP, a unidade tem como uma de suas atribuições a de “guardar as principais instalações do Governo Federal e do Comando do Exército, na capital da República”.
“Talvez o BGP não pudesse impedir a invasão das sedes do Congresso, do STF e do Planalto ao mesmo tempo, mas acho que seria plausível imaginar que eles impedissem a invasão do Palácio do Planalto, ao menos”, disse.
Normalmente, esses soldados ficam posicionados em diferentes pontos do Palácio do Planalto e contam com escudos e equipamentos de proteção para protestos.
No dia da invasão, porém, eles não foram páreo para os invasores.
Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça Flávio Dino foi questionado sobre a atuação do BGP, mas disse que a questão deveria ser encaminhada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), atualmente comandado pelo general da reserva Gonçalves Dias.