Conhece-te a ti mesmo. A inscrição na entrada do Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga, e difundida pelo filósofo Sócrates, é uma das mais famosas referências ao autoconhecimento. Se usado pelas pessoas, o conceito pode gerar uma vida equilibrada e autêntica. Se colocado em prática por empresas, a consequência pode ser a oferta de melhores serviços e produtos e, por extensão, melhores resultados. Este é o momento pelo qual passam as consultorias. Logo elas — veja só! — que apontam erros e mostram os caminhos para outras empresas se reencontrarem. Seja para retomar os patamares de faturamento registrados antes da pandemia (pré-2019), seja para se manterem competitivas ou ainda para aumentar suas margens de rentabilidade, o fato é que as consultorias estão fazendo autoanálise. Estão no divã da vã filosofia corporativa. Para isso, usam dois tipos de ferramentas. Uma delas o pensamento, matéria-prima dos estudos sobre existência, sabedoria e razão, pelo qual olham para dentro de suas operações para buscar onde estão os problemas. A outra é a tecnologia, mais prática, utilizada para promover as soluções.
Mas vamos deixar de lado esse papo cabeça e ir mais diretamente ao assunto: as consultorias se reinventam com inovação, tecnologia proprietária, Inteligência Artificial e aquisição de startups para atender a demandas cada vez mais complexas e específicas das empresas. É a Era das consultechs, que integram um mercado que movimentou US$ 201,4 bilhões globalmente em 2020 segundo dados da Gartner. Os gastos com consultoria naquele ano foram 1% menores do que 2019, pois a disseminação do coronavírus fez as organizações pausarem, adiarem ou cancelarem contratos. Agora, o período é de retomada e o setor está “aquecido”, segundo Viviane Martins, CEO da Falconi, uma das principais consultorias brasileiras que tem investido fortemente em tecnologia. “As consultorias estão se reinventando, absorvendo inovações. A tecnologia que temos à disposição nos permite fazer coisas mais assertivas e que geram mais valor ao cliente”, disse a executiva.
A Falconi tem retomado os patamares de receita pré-pandêmicos. Em 2019, o faturamento foi de R$ 305 milhões. Após queda nas vendas — R$ 254,2 milhões em 2020 e R$ 275,8 milhões em 2021 —, deve voltar à casa dos R$ 300 milhões no balanço de 2022, que ainda será divulgado. Recuperação ancorada em novos negócios, como a linha de atendimento a médias empresas e ao agronegócio, e em ferramentas digitais. O objetivo é chegar a 2025 com 30% do faturamento provenientes de soluções e produtos lastreados por tecnologia e IA.
“Nos chamam para resolver problemas cada vez mais complexos e menos ‘copia e cola’.” Viviane Martins, CEO da Falconi.
Em setembro, a consultoria anunciou investimento na startup Minerh, que desenvolve soluções de people analytics para o mercado de recursos humanos e já tem clientes como Energisa, Faber-Castell, SLC Agrícola e Vivo. O aporte é tanto em capital financeiro quanto em mão de obra. O primeiro produto da Minerh na sociedade com a Falconi é a plataforma Dahdos (Data and Human Development Oriented System), que auxilia na análise preditiva de informações e ajuda nas decisões da gestão de pessoas, ao gerar insights que apoiem as companhias em temas como permanência de talentos e turnover. Foi mais um passo da consultoria rumo a mercados digitais, que começou em 2020 com o lançamento da startup FRST (Falconi Road of Skills & Talents), focada em aceleração de pessoas. A consultoria também realizou um spin-off da Dayway, de gestão de rotinas por aplicativos, e a criação da plataforma de APIs Falconi Brain. “Nos chamam para resolver problemas cada vez mais complexos e menos ‘copia e cola’. Vinte anos atrás os problemas tinham características mais comuns, eram mais básicos. Hoje são mais específicos, com replicabilidade menor”, afirmou Viviane, ao destacar que as empresas não estão conseguindo formar capacidade analítica avançada na área de ciência de dados. “Fornecer essa inteligência aos clientes é útil pois eles não têm em seus quadros profissionais para essa tomada de decisão.”
BIG FOUR
As quatro maiores consultorias globais, chamadas de Big Four — Deloitte, EY, KPMG e PwC — têm usado ferramentas tecnológicas para aumentar suas receitas bilionárias. De origem britânica, a Deloitte vinha com crescimento tímido em sua receita de 2019 a 2021. Já em 2022 colheu bons frutos de avanços em inovações e fechou o balanço com US$ 59,3 bilhões, 19,6% superior ao do ano anterior. CEO da consultoria no Brasil, Altair Rossato avalia que o atual momento do mercado é desafiador e o setor tem se sofisticado para atender a novas demandas. Por isso, antes mesmo da pandemia a companhia intensificou o ritmo de evolução de ofertas de serviços e investiu em pessoas, tecnologias e alianças. “Como resultado, hoje, 50% das nossas receitas vêm de áreas e frentes que não existiam há seis anos”, disse o executivo, líder da operação local que rende R$ 2,5 bilhões à matriz. “Mais do que se atualizar, acreditamos que as práticas de consultoria precisam se transformar continuamente e, assim, liderarem grandes movimentos de mudança no mercado.”