Campanha histórica de seleção marroquina no Catar é baseada numa defesa que ainda não levou gol de adversário e contra-ataques rápidos. Técnico Walid Regragui comanda o time há apenas três meses. A receita de sucesso do Marrocos na Copa do Catar inclui uma tática defensiva, velocidade no contra-ataque, habilidade de seu goleiro e muita paciência. A equipe do norte da África executa um projeto que nações similares têm lutado para reproduzir.
O fato de o técnico ter assumido o cargo apenas no final de agosto torna ainda mais surpreendente a conquista da seleção marroquina – ao se tornar a primeira equipe árabe a chegar às quartas de final de uma Copa.
Walid Regragui, que levou o Al-Duhail à conquista da Liga do Catar, em 2020, transformou rapidamente uma equipe que conta com 14 jogadores que nasceram fora do país, a maior parte em nações da Europa, num time coeso que joga uns pelos outros – algo que nem sempre foi o caso na seleção marroquina.
Único gol sofrido foi contra
A rigor, o Marrocos não sofreu um único gol de um jogador adversário nas sete partidas disputadas sob o comando de Regragui.
Após vencer o Chile por 2 a 0, empatar sem gols com o Paraguai e vencer a Geórgia por 3 a 0 em amistosos, a seleção marroquina abriu sua campanha na Copa do Catar com outra performance impressionante da defesa no empate sem gols com a Croácia, antes de surpreender a Bélgica por 2 a 0 e, em seguida, derrotar o Canadá por 2 a 1 – sendo esse último um gol contra.
O empate por 0 a 0 com a Espanha, que precedeu a sensacional disputa de pênaltis nas oitavas de final, também foi resultado de uma preparação cuidadosa.
“Não sou mágico”, disse Regragui aos repórteres após eliminar a “La Roja”, que trocou 768 passes apenas nos primeiros 90 minutos de jogo. “Aceitamos que não teríamos muita posse de bola.”
Mas a equipe de Luis Enrique não conseguiu se classificar, após o Marrocos usar seus quatro zagueiros e três meio-campistas para sufocar os espanhóis e não dar espaço para os europeus criarem grandes chances, muitas vezes deixando-os parecendo um time de handebol passando a bola para frente e para trás no campo.
O meio-campista Azzedine Ounahi recebeu elogios especiais do técnico espanhol, que disse ter ficado totalmente “surpreso” com uma exibição tão intensa. Mas os marroquinos deram seu máximo em todos os jogos: as lesões se acumularam, mas o desejo de avançar na Copa tomou conta dos jogadores, que eram quase os mesmos em campo em todas as partidas.
Seleção tem estrelas como Hakimi, Ziyech e En-Nesyri
A seleção do Marrocos não é a única a ter uma defesa forte nesta Copa, mas oferece uma ameaça no contra-ataque que outros times “menores” não oferecem, sobretudo com Achraf Hakimi.
O jogador de 24 anos, que já atuou no Borussia Dortmund, Inter de Milão e, atualmente, Paris Saint-Germain, tem invadido a grande área das equipes adversárias com inteligência e tem sido um dos laterais mais dinâmicos na Copa.
Ele teve que ser mais perspicaz no Catar, avançando apenas nos momentos certos – mas, quando o fazia, era acompanhado pelos atacantes Hakim Ziyech, Sofiane Boufal e Youssef En-Nesyri, que lhe deram opções de jogo.
“Estávamos jogando contra Espanha, Bélgica e Croácia e sabíamos que, se conseguíssemos quebrar os passes deles, teríamos oportunidades”, explicou o treinador Regragui. “Jogar nesse ritmo não é fácil, então tiro meu chapéu para eles.”
Ziyech, do Chelsea, e En-Neysri, do Sevilha, passaram por um início de temporada difícil em seus respectivos clubes, mas se saíram bem quando o assunto era a seleção do Marrocos no Catar, onde ambos marcaram contra o Canadá.
“Todo marroquino é marroquino”
Talvez a maior conquista de Regragui tenha sido acabar com as brigas entre os jogadores nascidos no Marrocos e os da diáspora.
“Antes desta Copa, tínhamos muitos problemas entre os rapazes nascidos na Europa e os nascidos no Marrocos”, admitiu Regragui. “Mas hoje eu acho que isso mostra ao mundo que todo marroquino é marroquino.”
Hakimi, por exemplo, nasceu em Madri. Ziyech – que nasceu na Holanda, assim como Noussair Mazraoui, do Bayern de Munique – se desentendeu com o técnico anterior da seleção, mas foi recebido de braços abertos pelo novo treinador.
Em vez de tratar os jogadores da diáspora como “menos marroquinos”, Regragui – filho de pais marroquinos e nascido nos arredores de Paris – tirou vantagem de suas experiências nas principais ligas europeias.
Os jogadores do Marrocos já protagonizaram grandes confrontos na Liga dos Campeões e sabem melhor o que está em jogo – em comparação a nações rivais que carecem desse know-how.
O tamanho da diáspora marroquina também está em evidência no Catar, onde residem cerca de 15 mil marroquinos. Cerca de 20 mil torciam por sua seleção dentro do Estádio Education City na partida contra a Espanha, com outros milhares assistindo em celulares do lado de fora.
Pode ter havido violência em Bruxelas quando os torcedores comemoraram a vitória do Marrocos sobre a Bélgica na fase de grupos, mas a vitória sobre a Espanha foi recebida com grande festa de Frankfurt a Londres e Manchester – e até Montreal, no Canadá, cidade natal do herói dos pênaltis do Marrocos contra a Espanha, o goleiro Yassine Bounou.
Bounou estava num excelente dia
“Sabíamos que iríamos para os pênaltis com um dos melhores goleiros do mundo, então tínhamos mais chances de avançar [para as quartas de final]”, disse Regragui, após Bounou, também conhecido como Bono, ter defendido dois pênaltis.
Mas não foi a primeira vez que o jogador de 31 anos fez história no futebol: em março de 2021, ele se tornou o primeiro goleiro a marcar um gol no campeonato espanhol ao empatar para o Sevilha contra o Valladolid.
“Quando você faz parte da história, não entende muito rapidamente o que está acontecendo”, disse Bounou, de forma modesta, após o jogo contra a Espanha.
“Sentimos o apoio dos torcedores marroquinos nos estádios, em casa e em outros países. Isso é o que nos move e nos motiva a fazer o que fazemos. Tudo está bem e vamos manter o foco”, frisou.