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domingo 4 de dezembro de 2022 às 15:50h

Briga por influência expõe divergências na frente ampla de Lula; veja seis pontos de atrito

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Criadas para propor as medidas a serem tomadas nos cem primeiros dias de governo e para acomodar uma frente ampla que se formou no entorno da candidatura do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as equipes de transição da próxima gestão começam a demarcar divergências sobre temas tratados em suas respectivas áreas, após quase um mês dos trabalhos, e reforçam os desafios do futuro governo para a composição de visões distintas. O jornal O Globo mapeou ao menos seis pontos conflitantes nos grupos técnicos, que vão desde discordâncias em agendas de políticas públicas a embates sobre a destinação de órgãos e o desenho dos ministérios.

Os pontos de atrito envolvem desde Agricultura e Meio Ambiente em torno da entrada de agrotóxicos no país, até a destinação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que divide o grupo anticorrupção. Também não há consenso, por exemplo, sobre o formato da estrutura que será criada para tratar de temas relacionados aos indígenas.

Os grupos de Agricultura e Meio Ambiente têm protagonizado um dos principais embates. Projetos que devem entrar em pauta no Congresso opõem os integrantes das duas equipes. Um deles, que trata sobre a entrada de agrotóxicos no país, já mobilizou na semana passada uma reação do GT voltado para a pauta ambiental. O projeto estava prestes a ser votado na Comissão de Agricultura no Senado, até que as ex-ministras Marina Silva e Izabella Teixeira entraram em campo e articularam o adiamento da votação do “PL do Veneno”, como é chamado por ambientalistas.

— Não tem porque não votar neste ano. O projeto é pela modernização da agricultura sustentável —defendeu o deputado federal Neri Geller (PP-MT), que compõe o grupo de Agricultura e é um dos autores da proposta.

Temas espinhosos

Outro tema que divide esses dois grupos é o licenciamento ambiental. Integrante da equipe de transição, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) é relatora de uma proposta que prevê a liberação de grandes projetos de infraestrutura sem a exigência de estudo de impacto ambiental, o que não agrada membros do núcleo de Meio Ambiente.

O chamado “PL da Grilagem” também provoca divergências. Membro do GT de Agricultura e cotado para ministro da área, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) é relator de projeto que legaliza ocupações irregulares em terras públicas.

No grupo técnico para discutir a agenda anticorrupção e temas judiciários, o motivo de discórdia é a destinação do Coaf. Parte dos integrantes defende que o órgão, hoje com o Banco Central, deveria voltar ao Ministério da Justiça. Mas há quem avalie que é melhor ficar sob o guarda-chuva da área econômica, para reforçar uma atuação independente dos órgãos de investigação, estes sob supervisão da Justiça.

No grupo dos Povos Indígenas a discussão gira em torno da missão que o futuro ministério, ou secretaria, da área terá na próxima gestão. Enquanto uma ala defende uma pasta voltada à articulação com outros ministérios e o Legislativo, outra pleiteia um órgão mais empoderado, com a Funai sob a sua ingerência.

Na primeira ideia, o órgão indigenista continuaria vinculado ao Ministério da Justiça. Há ainda um terceiro grupo que defende que que a nova pasta abrace apenas algumas atribuições da Funai, como a de implementação de planos de gestão em terras indígenas. Anteontem, Lula afirmou que ainda avalia se os povos originários terão um ministério ou uma secretaria especial ligada à Presidência.

Na Educação, os integrantes da transição têm histórico de divergência em discussões como a Reforma do Ensino Médio. O grupo reúne de membros vinculados a fundações empresariais, favoráveis à reforma gestada pelo governo de Michel Temer (MDB), a quadros ligados ao movimento sindical, que pedem o fim do modelo.

Aprovada em 2017, a reforma prevê formação básica obrigatória em quatro áreas do conhecimento (Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática). As disciplinas restantes são escolhidas pelo aluno ou pela escola. Uma das críticas é que nem todos os estados têm condições de oferecer a mesma quantidade e nível de disciplinas optativas.

Há ainda a percepção de que o modelo pode priorizar a formação profissional, mais técnica, para favorecer a formação de mão de obra para o setor privado em subempregos, deixando de lado matérias como Artes, Sociologia e Filosofia. Defensores da reforma argumentam que o objetivo do novo modelo é tornar a escola mais atrativa, permitindo ao estudante escolher matérias que considere mais interessantes.

As reações às reforma dentro do grupo de transição geraram preocupação em secretários estaduais que já iniciaram a implementação das mudanças. O grupo manifestou o temor de que o modelo seja revogado a membros da equipe de transição, que apaziguaram os ânimos. No fim, prevaleceu a posição de que há necessidade de um aperfeiçoamento e não sua revogação completa.

Frente ampla

Para o cientista político Josué Medeiros, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é natural que haja divergências em um governo que busca formar uma frente ampla, mas elas devem ser pacificadas com a escolha do ministério:

— Há visões de Estado diferentes, concepções de políticas públicas diferentes, mas saberemos qual visão prevaleceu com a escolha dos ministros. Mas há também uma segunda dinâmica. Temos alguns consensos se formando, como a questão do Bolsa Família. Quando o programa foi criado era criticado pela oposição ao governo Lula, e hoje há um consenso estabelecido.

Para evitarem maiores conflitos, Lula e o coordenador-geral da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), já deixaram claro diversas vezes que a transição se resume mais a fazer um diagnóstico da situação do que a propor medidas. Mesmo assim, eles admitem que a mera nomeação dos integrantes — voluntários ou remunerados — gera uma expectativa de que eles farão parte do próximo governo, o que abre disputas por quem terá mais influência.

Segundo auxiliares do presidente eleito, a ordem, no entanto, é não excluir ninguém neste momento e manter diálogo aberto com todas as diferentes correntes que a transição reuniu. Além de reafirmar a cara de frente ampla da sua terceira gestão, Lula trabalha para não alijar aliados porque precisa de forte apoio dos partidos para ter governabilidade.

As divergências, a coordenação da transição avalia, devem ser equacionadas ao longo do futuro governo e resolvidas de fato com a palavra final de Lula, a quem cabe decidir sobre o organograma e a atribuição de cada ministério.

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