Levantamento mostra que agressões se mantêm em alta nos dois últimos meses; ações criminosas incluem dois sequestros; hostilidades e manifestações contra resultado presidencial elevam tensão
Em meio à repetição de ocorrências de hostilidade a políticos e personalidades públicas, o Brasil registrou conforme reportagem de Rayanderson Guerra, do Estado de S. Paulo, 103 casos de violência política contra candidatos e políticos eleitos nos últimos dois meses – entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022. De acordo com dados do Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), foram 48 casos só em novembro no País.
Em outubro e novembro deste ano, foram 59 ameaças, 19 agressões, 13 homicídios, dez atentados e dois sequestros contra lideranças políticas. Os dados são preliminares, uma vez que o Giel elabora relatórios trimestrais e antecipou dados a pedido do Estadão.
Somados, os casos registrados nos dois últimos meses já equivalem à metade do número contabilizado no terceiro trimestre deste ano, período da campanha eleitoral. As ocorrências se mantiveram em alta mesmo após as eleições.
Entre julho e setembro, foram 212 ocorrências – um aumento de 110% em relação ao trimestre anterior. Os casos de violência contra políticos em 2022 já somam, até o momento, 529, e superam as ocorrências de 2021 (309) e de 2019 (148). Em 2020, ano de eleição municipal, foram 538.
De acordo com o cientista político Felipe Borba, coordenador do Giel/Unirio, os casos seguem uma curva de acordo com o processo eleitoral. Em 2022, o ápice ocorreu durante o auge da campanha no primeiro turno, assim como em 2020. Segundo Borba, os números tendem a cair no pós-eleição.
“É um movimento que vemos desde que começamos o levantamento, em 2019. Neste ano (2022), os casos já estão acima da média trimestral registrada pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil”, diz.
Minas Gerais (12), Bahia (9), Paraná (7) e Rio de Janeiro (6) lideram a lista das unidades da Federação com mais registros de violência contra políticos. O Grupo de Investigação Eleitoral não mensura ataques contra eleitores.
Fake news gerou ataques a vereadora
Em um dos casos mais recentes, uma sessão da Câmara de Vereadores de Sinop, a 503 km de Cuiabá, no Mato Grosso, foi suspensa após militantes bolsonaristas hostilizarem a vereadora Professora Graciele (PT). Segundo a parlamentar, os ataques ocorreram depois que circulou em redes sociais e em grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) uma notícia falsa. A fake news espalhava que a parlamentar apresentaria uma proposta para remover manifestantes bolsonaristas, que não aceitam a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de um acampamento às margens da BR-163.
“Quem vem aqui para desmoralizar qualquer um que seja o vereador dessa casa, desrespeitar, não tem o meu respeito”, diz a vereadora.
A parlamentar pediu que sua segurança fosse reforçada. A Câmara de Sinop diz que foram tomadas as medidas de segurança e solicitou a presença de policiais militares na Casa.
De acordo com os dados do levantamento do Giel, os vereadores são os principais alvos de ataques pelo País. Foram 42 casos nos últimos dois meses (40,8%). Ainda foram registradas oito ocorrências contra deputados federais e oito contra prefeitos.
Ataques não visam apenas políticos
As abordagens marcadas por ameaças e, algumas vezes, por promessas de violência fisica, não foram dirigidas necessariamente a ocupantes de cargos eletivos. Em Nova York, bolsonaristas fizeram um protesto na porta do hotel onde os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se hospedaram. Estavam lá para participar de um evento com lideranças empresariais, mas foram atacados verbalmente pelos adeptos do presidente Jair Bolsonaro. Entre os insultos que ouviram, estavam “ladrão, bandido, vagabundo”.
O ministro Luís Roberto Barroso ouviu ameaças de uma brasileira. “Nós vamos ganhar esta luta. Cuidado! Você não vai ganhar o nosso País. Foge!”, disse a mulher, que seguiu o ministro pelas ruas. Em outro episódio, Barroso foi seguido por um homem que questionou a segurança das urnas eletrônicas. O ministro respondeu: “Perdeu, mané. Não amola”. Uma semana antes, em Porto Belo, Santa Catarina, Barroso teve de deixar o restaurante onde jantava, porque bolsonaristas o ameaçavam.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro e fiador do atual governo federal na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), foi hostilizado na segunda-feira, 28, por bolsonaristas ao chegar para um jantar do PL em Brasília. Candidato à reeleição ao comando da Casa, Lira foi chamado de “traidor da pátria” e “omisso”. O presidente da Casa despertou a ira dos seguidores de Bolsonaro por conversar com Lula. O presidente eleito tenta obter apoio para a PEC da Transição e governabilidade a partir de 1º de janeiro.
Perseguição é crime, diz a lei
O crime de perseguição (stalking) foi tipificado em março do ano passado, no artigo 147-A do Código Penal. O texto pune quem “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. A pena é de seis meses a dois anos de reclusão e multa.
O advogado Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie, estuda o impacto das redes sociais na política, a cultura do cancelamento e o impacto das fake news no processo eleitoral. De acordo com ele, os casos de agressões e ataques pessoais são uma transposição (para o mundo real) do discurso de ódio que impera nas redes sociais.
“Ao invés de atacarem o problema, eles atacam os grupos. É uma busca pelo extermínio desses grupos que pensam diferente, o extermínio de outros grupos Isso inviabiliza qualquer chance de diálogo ou de acordo, até de convivência, porque se a minha existência ameaça à sua existência não há opção, a não ser a tentativa de eliminação do outro. É a prática de uma guerra ideológica”, explica.
Levantamento mostra que agressões se mantêm em alta nos dois últimos meses; ações criminosas incluem dois sequestros; hostilidades e manifestações contra resultado presidencial elevam tensão
Em meio à repetição de ocorrências de hostilidade a políticos e personalidades públicas, o Brasil registrou conforme reportagem de Rayanderson Guerra, do Estado de S. Paulo, 103 casos de violência política contra candidatos e políticos eleitos nos últimos dois meses – entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022. De acordo com dados do Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), foram 48 casos só em novembro no País.
Em outubro e novembro deste ano, foram 59 ameaças, 19 agressões, 13 homicídios, dez atentados e dois sequestros contra lideranças políticas. Os dados são preliminares, uma vez que o Giel elabora relatórios trimestrais e antecipou dados a pedido do Estadão.
Somados, os casos registrados nos dois últimos meses já equivalem à metade do número contabilizado no terceiro trimestre deste ano, período da campanha eleitoral. As ocorrências se mantiveram em alta mesmo após as eleições.
Entre julho e setembro, foram 212 ocorrências – um aumento de 110% em relação ao trimestre anterior. Os casos de violência contra políticos em 2022 já somam, até o momento, 529, e superam as ocorrências de 2021 (309) e de 2019 (148). Em 2020, ano de eleição municipal, foram 538.
De acordo com o cientista político Felipe Borba, coordenador do Giel/Unirio, os casos seguem uma curva de acordo com o processo eleitoral. Em 2022, o ápice ocorreu durante o auge da campanha no primeiro turno, assim como em 2020. Segundo Borba, os números tendem a cair no pós-eleição.
“É um movimento que vemos desde que começamos o levantamento, em 2019. Neste ano (2022), os casos já estão acima da média trimestral registrada pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil”, diz.
Minas Gerais (12), Bahia (9), Paraná (7) e Rio de Janeiro (6) lideram a lista das unidades da Federação com mais registros de violência contra políticos. O Grupo de Investigação Eleitoral não mensura ataques contra eleitores.
Fake news gerou ataques a vereadora
Em um dos casos mais recentes, uma sessão da Câmara de Vereadores de Sinop, a 503 km de Cuiabá, no Mato Grosso, foi suspensa após militantes bolsonaristas hostilizarem a vereadora Professora Graciele (PT). Segundo a parlamentar, os ataques ocorreram depois que circulou em redes sociais e em grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) uma notícia falsa. A fake news espalhava que a parlamentar apresentaria uma proposta para remover manifestantes bolsonaristas, que não aceitam a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de um acampamento às margens da BR-163.
“Quem vem aqui para desmoralizar qualquer um que seja o vereador dessa casa, desrespeitar, não tem o meu respeito”, diz a vereadora.
A parlamentar pediu que sua segurança fosse reforçada. A Câmara de Sinop diz que foram tomadas as medidas de segurança e solicitou a presença de policiais militares na Casa.
De acordo com os dados do levantamento do Giel, os vereadores são os principais alvos de ataques pelo País. Foram 42 casos nos últimos dois meses (40,8%). Ainda foram registradas oito ocorrências contra deputados federais e oito contra prefeitos.
Ataques não visam apenas políticos
As abordagens marcadas por ameaças e, algumas vezes, por promessas de violência fisica, não foram dirigidas necessariamente a ocupantes de cargos eletivos. Em Nova York, bolsonaristas fizeram um protesto na porta do hotel onde os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se hospedaram. Estavam lá para participar de um evento com lideranças empresariais, mas foram atacados verbalmente pelos adeptos do presidente Jair Bolsonaro. Entre os insultos que ouviram, estavam “ladrão, bandido, vagabundo”.
O ministro Luís Roberto Barroso ouviu ameaças de uma brasileira. “Nós vamos ganhar esta luta. Cuidado! Você não vai ganhar o nosso País. Foge!”, disse a mulher, que seguiu o ministro pelas ruas. Em outro episódio, Barroso foi seguido por um homem que questionou a segurança das urnas eletrônicas. O ministro respondeu: “Perdeu, mané. Não amola”. Uma semana antes, em Porto Belo, Santa Catarina, Barroso teve de deixar o restaurante onde jantava, porque bolsonaristas o ameaçavam.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro e fiador do atual governo federal na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), foi hostilizado na segunda-feira, 28, por bolsonaristas ao chegar para um jantar do PL em Brasília. Candidato à reeleição ao comando da Casa, Lira foi chamado de “traidor da pátria” e “omisso”. O presidente da Casa despertou a ira dos seguidores de Bolsonaro por conversar com Lula. O presidente eleito tenta obter apoio para a PEC da Transição e governabilidade a partir de 1º de janeiro.
Perseguição é crime, diz a lei
O crime de perseguição (stalking) foi tipificado em março do ano passado, no artigo 147-A do Código Penal. O texto pune quem “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. A pena é de seis meses a dois anos de reclusão e multa.
O advogado Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie, estuda o impacto das redes sociais na política, a cultura do cancelamento e o impacto das fake news no processo eleitoral. De acordo com ele, os casos de agressões e ataques pessoais são uma transposição (para o mundo real) do discurso de ódio que impera nas redes sociais.
“Ao invés de atacarem o problema, eles atacam os grupos. É uma busca pelo extermínio desses grupos que pensam diferente, o extermínio de outros grupos Isso inviabiliza qualquer chance de diálogo ou de acordo, até de convivência, porque se a minha existência ameaça à sua existência não há opção, a não ser a tentativa de eliminação do outro. É a prática de uma guerra ideológica”, explica.