A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva estuda uma proposta que aumenta o poder dos governadores sobre as polícias civil e militar e reduz a influência do Exército e do governo federal sobre as corporações. A medida, na prática, reforça o controle sobre as tropas, que mergulharam no debate político-partidário no mandato de Jair Bolsonaro (PL).
Parte dos agentes de segurança flertou com radicalismos e ameaças ao sistema democrático, violando regras da corporação. O texto entregue ao coordenador da transição, Aloizio Mercadante, conflita com o lobby das cúpulas das polícias. Elas vinham tentando aprovar uma lei que restringia o poder dos governadores. Pela Constituição, as polícias militar e civil e o Corpo de Bombeiros são subordinados aos chefe do Executivo estadual.
O anteprojeto de lei foi encomendado pela equipe de Lula ao Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP) e está sendo discutido com grupo de segurança pública da transição, liderado pelo senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), cotado para ministro da Justiça. Ao Estadão, ele disse que encampar ou não a proposta cabe inicialmente a algum dos relatores da equipe – e evitou fazer uma avaliação geral sobre o texto.
No grupo de Dino há simpatia por pontos do projeto, como o de reforçar a subordinação aos governadores e o de impedir a convocação das tropas estaduais diretamente pelo Exército. Também não haveria empecilho ao incremento do controle de armas das polícias. No entanto, a aprovação demandaria rediscutir dispositivos “sagrados” para as polícias, como as regras previdenciárias, o que inviabilizaria o conjunto da proposta.
Na semana passada, Dino recebeu comandantes das PMs e ouviu a reivindicação de apoio à aprovação de uma lei orgânica. Em resposta, disse estar disposto a discutir o pleito desde que “não subtraiam a autoridade dos governadores”.
Projetos já discutidos na Câmara versavam sobre autonomia administrativa e financeira das polícias e foram vistos com preocupação por estudiosos e pelos Estados em razão dos riscos de os governadores se tornarem reféns dos comandantes. Os motins nas polícias nos últimos anos aumentaram a preocupação.
Na pré-campanha, manifestações políticas de policiais militares da ativa mobilizaram órgãos de controle por medo de envolvimento das tropas em um “golpe de estado” puxado pelas Forças Armadas. A tensão obrigou líderes das polícias a garantirem a subordinação e o respeito à hierarquia.
Mudanças
As mudanças apresentadas pelo fórum estão reunidas em um projeto de lei para as forças de segurança pública, esvaziando as discussões paralelas travadas no Congresso – reveladas pelo Estadão. O texto estudado pela equipe de Lula obriga que as polícias, além de serem subordinadas aos governadores, sejam coordenadas pela Secretaria de Segurança Pública ou por órgão equivalente no Estado. A obrigação incomoda as polícias.
A proposta também acaba com a convocação das PMs pelo Exército a qualquer tempo. O texto condiciona o chamado a um ato do presidente após consulta ao Conselho de Defesa Nacional e à anuência dos governadores. Em outro ponto do anteprojeto, as armas dos agentes devem ser cadastradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, e não só no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, do Exército.