Era 7 de fevereiro de 2010. Meu São Paulo, que apenas começava a trilhar o caminho das derrotas, enfrentava o Santos na Arena Barueri. Jogo duro, até Arouca sofrer um pênalti e o tal do Neymar humilhar o maior ídolo do meu time na cobrança de um pênalti com a maior paradinha da história. O menino tinha 18 anos e forçou a Fifa a mudar a regra das penalidades máximas: nada de fingir o chute da marca da cal a partir dali. Naquela época, eu só torcia para a carreira daquele moleque decolar logo: por favor, vai pra Europa.
Confesso que senti algo parecido com Robinho, Vinícius Júnior e, mais recentemente, com Luiz Henrique, do Fluminense, e Endrick, do Palmeiras — e imagino que os adversários do São Paulo tenham sentido o mesmo em relação a Lucas ou Kaká. São jogadores tão bons que, num futebol à míngua como o brasileiro, fazem diferença demais. Que vão logo brilhar na Premier League, La Liga, Serie A, para o bem de todo o mundo do futebol.
O Santos de Neymar (com Ganso tinindo) ganhou quase tudo — e ele ainda debochava. Foi um alívio quando o menino partiu para o Barcelona e eu enfim pude desfrutar de seu futebol. Consegui até sentir pena nos — vários — momentos em que ele arriscou a carreira por decisões erradas dentro e fora de campo, um risco disseminado demais entre os jogadores brasileiros, de tão pobres a tão ricos em tão pouco tempo.
Nem sempre é fácil gostar de Neymar, reconheço. Ele não é exatamente um atleta, como Cristiano Ronaldo. Também lhe falta o foco de Lionel Messi na bola e a timidez de Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno. Tudo isso explica por que ele pode terminar uma carreira brilhante sem ter recebido um prêmio de melhor jogador do mundo ou ter dado ao Brasil uma Copa do Mundo. Lá se vai o tempo em que era possível se comportar como Romário ou Maradona e se tornar um Romário ou um Maradona.
É do alto desse admitido rancor futebolístico que assisto ao rancor político dirigido hoje a Neymar, o apoiador de Jair Bolsonaro. Humilhado várias vezes pelo menino Ney dentro de campo, entendo muito bem o incômodo que hoje desperta o adulto Ney, mas acho que seus detratores perdem a melhor parte do futebol — ou do esporte, de forma geral — ao canalizar seus rancores eleitorais para o camisa 10 da seleção.
Virou praxe na Copa do Mundo. As torcidas organizadas da política se confundem com as torcidas organizadas do futebol no ano eleitoral. Qual é a nação mais oprimida? O regime mais opressor? Só que a graça do jogo é se odiar apenas dentro de campo. Aliás, se odiar dentro dos limites determinados (não vou nem falar nas tais das quatro linhas, que esse papo já deu), dentro das regras com que todos concordaram para pisar a grama. Fora disso, é cartão vermelho, não pode mais brincar.
Pode ser fascista ou antifascista, comunista ou general, carrinho por trás é expulsão. Machucou o coleguinha, vai pro chuveiro. Não tem espaço para deslealdade, ainda mais depois que o VAR apareceu. A Copa do Mundo é uma oportunidade, para quem não acompanha o futebol obsessivamente, de descansar a militância, como se diz por aí. É claro que cada um vai aproveitá-la como conseguir, é só uma dica.
O voleio de Richarlison foi de direita, mas ele dominou a bola com a perna esquerda. Isso não quer dizer absolutamente nada, mas foi bonito demais.
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Rodolfo Borges é jornalista e escritor, onde expõe suas opiniões no O Antagonista.