Goste-se ou não do deputado Arthur Lira (PP-AL), nas últimas semanas o presidente da Câmara foi um mestre, diz artigo de Elio Gaspari, no Estadão. Durante a campanha, Lula condenava sua posição de senhor das verbas do orçamento secreto. No dia da eleição, ele foi um dos primeiros a reconhecer o resultado. Nos dias seguintes, jogou parado enquanto o comissariado petista se enrolava com a PEC da Transição.
Passaram os dias, e no PT já se admite que ele será reeleito para a presidência da Câmara dos Deputados. Só um sonhador poderia acreditar que um governo obrigado a enfrentar uma oposição feroz seria capaz de aprovar uma emenda constitucional, com os votos de três quintos da Casa, hostilizando seu presidente. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) arquirrival de Lira em Alagoas, avisou que a PEC era uma barbeiragem, mas não foi ouvido.
Em poucas palavras, Lira colocou uma boa parte do Centrão no colo de Lula, antes mesmo de o governo ter começado. Na contrapartida, colocou uma parte dos planos de Lula no colo do Centrão.
O que parece ser um amargo limão poderá ser uma limonada. Lula precisa da paz política e, desde o século passado, o Centrão a oferece, diz Elio Gaspari.
O problema está na relação do Planalto com os congressistas. Em seu primeiro mandato, Lula deixou que as coisas deslizassem para o mensalão e deu no que deu. Quando os maus costumes voltaram a explodir, já no governo de Dilma Rousseff, a encrenca estava na Petrobras e nas empreiteiras.
Os pleitos dos parlamentares são legítimos, uma ponte aqui ou uma creche ali. O assalto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, só prospera se houver a cumplicidade do Executivo. Esse foi o caso da licitação escalafobética de equipamentos eletrônicos para escolas públicas, ocorrido no primeiro ano do governo de Bolsonaro. Esse jabuti foi travado e denunciado pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Os mecanismos de controle do Estado brasileiro são capazes de defender a moralidade, desde que sejam prestigiados. É duro para o Executivo reconhecer isso, mas é melhor assim. Durante o consulado petista, um comissário quis anular uma licitação e, desatendido, soltou a CGU em cima do servidor, como se na Controladoria vivesse uma matilha de mastins. Esse é o mau uso dos mecanismos de controle.
A máquina do Estado brasileiro pode ser eficiente. Na área da Educação, ela mostrou isso durante o consulado petista ao fazer o ProUni. Ela pode também ser ruinosa e, no mesmo consulado, fez o desastre do Fies. Ele repassava para a Viúva a carteira de inadimplência das faculdades privadas, dando financiamento a estudantes que não apresentavam fiador digno de crédito e tiravam zero na redação. Durante o governo de Dilma Rousseff, o ministro Cid Gomes acabou com essa festa. (A turma do Fies está com novas ideias. A ver.)
Tome-se outro caso: o SUS. Na pandemia, sua máquina e seus servidores foram uma ilha de sanidade num governo enlouquecido. A turma que ronda as arcas milionárias da saúde pública também está com novas ideias. O novo elixir da longa vida chama-se telemedicina. O melhor negócio do mundo seria criar uma operação privada para vender um sistema de telemedicina à freguesia do SUS. Tudo bem, num país em que criaram as audiências remotas com magistrados, aconteceu que um deles comparecesse de toga e cuecas.
A máquina do Estado brasileiro pode funcionar direito. O SUS mostrou isso na pandemia. Pode também absorver ideias novas, como as cotas nas universidades públicas e o ProUni. Basta que o propósito da iniciativa seja o bem público. Quando o propósito é outro, pode enganar, mas muitas vezes destrói governos.