Conforme ao colunista Marcos Strecker, da revista IstoÉ, o PT tem um longo histórico de briga com os agentes financeiros por causa de suas visões enviesadas ou desonestas sobre a economia. Quando Plano Real foi lançado, Lula dizia que o programa iria apenas “congelar a miséria”. Antes de chegar ao poder, em 2003, o PT defendia o calote aos investidores e demonizava o FMI. A visão pragmática do petista, que deu um cavalo nas teses históricas da esquerda em seu primeiro mandato, e a boa dose de sorte que o beneficiou ao surfar no superciclo de commodities dos anos 2000 reabilitaram Lula.
Mas a teimosia estatizante e a visão ideologizada estavam lá no final seu segundo mandato, e esses vícios prosperaram ainda mais na gestão Dilma, que colocou em prática a famigerada Nova Matriz Econômica. A petista controlou preços públicos, usou a Petrobras e o BNDES para beneficiar ditaduras companheiras e praticou o intervencionismo mais primário ao usar os bancos públicos para financiar o consumo artificialmente e beneficiar empresários amigos com investimentos subsidiados. A contabilidade criativa e as pedaladas fiscais mostraram o desprezo dos economistas do partido pelas contas públicas e pelo controle social sobre as ações do governo.
Os arquitetos dessas práticas que levaram o País à maior recessão da história, a mais uma “década perdida” e ao aumento da pobreza e do desemprego estão de volta. Sem contar o responsável pela estratégia de criar “campeões nacionais”, mais um plano fracassado e equivocado de política industrial, além de escandaloso pelas implicações criminais, que ajudou a acelerar a desindustrialização do País na era petista.
Quando esses programas econômicos já arrastavam o governo Dilma para o precipício, ela denunciava as críticas. Uma economista de um grande banco privado foi forçada a se demitir em 2014 após apontar que o País emborcava para uma recessão. Tudo o que ela previu se confirmou. Antes de Dilma se reeleger, a revista britânica “The Economist” apontou os equívocos de sua gestão e sugeriu uma mudança de curso. Ela disse que “jamais se submeteria a uma publicação estrangeira”. Mesmo assim, o “mercado”, a quem ela jamais se curvaria, foi generoso apostando ao longo de vários anos nas promessas furadas de crescimento da sua administração.
Ao ganhar um segundo mandato, apesar de tripudiar de seus críticos, Dilma descartou Guido Mantega e colocou o “liberal” Joaquim Levy no comando da economia. Mas massacrou seu novo auxiliar, que depois foi substituído por Nelson Barbosa, um estatizante que acredita no pensamento mágico do poder milagroso dos recursos públicos infinitos. Na atual equipe de transição de Lula, além de todos esses personagens, também há um teórico exótico que defende o benefício da emissão descontrolada da moeda e não acredita que juros altos derrubam inflação.
Esse arsenal de superstição, além de ideias anacrônicas, tem efeitos concretos destrutivos. Já se assistiu a eles de forma abundante nos anos 1980 e 1990, quando uma sequência de planos econômicos empobreceu o País (alguns de seus autores se mostram animadíssimos com o novo governo Lula). Um dos segredos do sucesso do Plano Real, nos anos 1990, ao contrário, foi justamente o exercício do bom senso, o respeito aos contratos e à segurança jurídica e a negociação transparente do contrato econômico com a sociedade, sem truques. A experiência internacional serviu para balizar as melhoras práticas, e não foi renegada em nome de teorias esdrúxulas ou de ideologias.
Uma boa gestão econômica não acontece com visões idealizadas da teoria. É resultado de uma boa dose de pragmatismo, de negociação e respeito a todos – dos pobres que precisam de emprego e benefícios aos empresários e investidores. Quem testou uma visão que se provou desastrosa deve mudar de posição ou ceder o lugar para novas ideias. Lula, no sentido inverso, está criando a meritocracia reversa. Quem criou o desastre ganhou uma nova chance para provar que estava certo. Não vai dar certo. Dois erros não fazem um acerto.
Veja-se o caso de Mantega. Mesmo que esteja proibido de atuar no governo por determinação do TCU, por causa das pedaladas fiscais, ele foi reabilitado e já deu mostras do velho sectarismo companheiro ao tentar vetar a indicação para o BID do ex-presidente do Banco Central responsável por acelerar o PIX e que ainda tem no currículo a modernização regulatória da instituição. Mais um gol contra.
Por tudo isso, há inúmeros motivos para se desconfiar da política econômica do governo Lula. Ao invés de se basear na busca de consensos e no respeito às práticas que trouxeram resultados concretos, a nova gestão já duela com “o mercado”, critica a visão “neoliberal”, diz que a “responsabilidade fiscal” precisa ser substituída pela “responsabilidade social” e faz promessas populistas.
Uma das melhores definições para o populismo é exatamente a prática que vender soluções fantasiosas que são desconectadas da realidade. Se não quer seguir o caminho desastroso da antecessora, Lula vai precisar mostrar isso na prática, ao contrário do que tem feito até agora, inclusive no governo de transição. E não por meio da censura aos críticos. Pelo que antecipou até agora em sua gestão econômica, Lula já dilmou.
Por Marcos Strecker, da revista IstoÉ.