Demissões em massa, fusões, compra da empresa por outras. Mudanças drásticas no cenário da empresa têm impacto a carreira de quem sai, obviamente, mas quem fica também sofre consequências. “Toda mudança pode gerar insegurança, tirar a confiança do funcionário sobre o que fazer e provocar a queda da produtividade”, diz Fernando Furtado, diretor da consultoria global de headhunting Korn Ferry.
Recentemente, essa insegurança foi reforçada por uma onda de demissões no mercado de tecnologia. Além do Twitter, que demitiu 50% dos seus 7.500 funcionários (e depois voltou atrás em relação a alguns cortes) e a Meta anunciou que vai demitir 11 mil pessoas. No Brasil, a Afterverse, da Movile, também anunciou cortes.
E mesmo mudanças que podem ser positivas no longo prazo, como uma fusão ou aquisições e mudanças de liderança, exigem uma certa estratégia de carreira dos sobreviventes. “Geralmente, há aprendizado em um cenário de desconforto”, diz Furtado.
Foque naquilo que você pode controlar
Fabio Leite, presidente da DuPont no Brasil, começou na empresa há quase 20 anos como estagiário. Nesse período, passou por diversas áreas, dentro e fora do Brasil, e vivenciou muitas transformações na empresa, que mudou o foco da sua atuação, reduziu os níveis hierárquicos e viveu momentos de fusões, aquisições e cisões. “Todas essas mudanças causam incerteza, trazem uma ansiedade natural. E quando você é mais jovem você tende a potencializar esses sentimentos.”
Para sobreviver às mudanças e continuar crescendo na companhia, Leite focou naquilo que podia controlar. “Focar nas suas entregas, seja qualidade, prazo e na satisfação dos seus clientes é importante para que o valor que você traz para a organização seja melhor percebido”, diz. Além disso, ele destaca a relevância de manter conexões com as pessoas e ter disposição para aprender. “Uma vez que a mudança é inevitável, você pode ser passivo em relação a ela ou um agente de mudança.”
Em relação à carreira, esse momento de incerteza pede flexibilidade. “Sugiro ter um plano de carreira com opções para não ficar preso num desenho que você fez em uma circunstância que a companhia estava e não está mais”, diz. Leite também defende buscar mentoria. “Com a experiência que têm, mentores podem compartilhar informações de áreas para buscar oportunidades e formas de se desenvolver.”
Seja indispensável
Quem passa pelas crises com menos inseguranças é quem parece indispensável à empresa. E isso não acontece apenas quando você faz o seu trabalho em silêncio, mas quando interage com outros departamentos, por exemplo, e trabalha também para tornar suas realizações conhecidas pelo restante da equipe. “Uma vez o Roger Agnelli [presidente da Vale entre 2001 e 2011, morto em 2016] me chamou na sala dele e me perguntou quem eram os ‘caras’ indispensáveis na mineradora”, diz Augusto Carneiro, que atua como consultor de carreiras para o C-level. “Descobri que, mesmo fazendo tantas coisas e da proximidade profissional, alguns desses profissionais não eram conhecidos do presidente. Você tem que ser conhecido do alto escalão”, diz. Ou seja, envolva-se em projetos e se dedique a atividades que são indispensáveis para a empresa.
Ter empatia com os líderes e entender que todos possivelmente estarão vivendo períodos difíceis pode até mesmo diminuir a ansiedade do funcionário e dar serenidade para fazer as suas atividades. Furtado ainda cita algumas dicas importantes para esse momento: “Se coloque à disposição e esteja pronto para se adaptar, ser flexível e fazer algo diferente. Enxergue como uma oportunidade de desenvolvimento única e exclusiva da sua carreira.”
Claro que essa empatia também precisa se estender aos colegas e se expressar em autocuidado.
Adaptação: a habilidade da década
Atravessar mudanças, como demissões em massa, segundo ele, pode ser um carimbo no currículo, já que a adaptação é uma das principais habilidades do momento e está entre as mais procuradas pelas empresas hoje. “É uma grande tendência porque as coisas mudam muito rápido hoje, principalmente por conta do avanço tecnológico.”
Se a transformação é inevitável, quem souber lidar melhor com esses momentos e tiver histórias de sucesso para contar deve se destacar. “Isso é visto com bons olhos pelos headhunters.”
Profissionais que viveram grandes mudanças na sua trajetória podem usar essas situações em futuras entrevistas de emprego para demonstrar resiliência e autoconhecimento. Isso é possível até mesmo para aqueles que forem demitidos e precisarem se recolocar no mercado. “Quando a pessoa assume um erro e diz o que aprendeu com ele, ela passa uma segurança de que ela sabe como contornar esse problema.”
Como liderar na incerteza
“Agora, se você é um líder de pessoas, o foco é pessoas, pessoas, pessoas”, afirma o presidente da Dupont. Segundo ele, os resultados da empresa não podem ser descolados dos funcionários. “O valor de um negócio está no que as pessoas sabem, quem elas conhecem e como elas conseguem transformar essas duas coisas em negócios.”
E em um momento de mudança, seja ela qual for, o líder deve se aproximar dos seus colaboradores e mantê-los informados na medida do possível para lidar com as inseguranças, enquanto eles possivelmente estarão observando o mercado em busca de oportunidades melhores. “O foco nas pessoas é fundamental para que um líder consiga motivar esses profissionais a continuar na organização e manter o valor do negócio.”
Também é papel da liderança vender a mudança como uma oportunidade. “Mostrar o lado positivo e de desenvolvimento, seja dentro da própria organização ou depois como um selo para o currículo de que você passou por isso e tem uma boa história para contar”, diz Furtado, da Korn Ferry.
O papel da empresa na mudança
Momentos de disrupção exigem adaptação, mas podem ser positivos a longo prazo, segundo Furtado. “Isso quando a empresa faz uma transformação junto com o funcionário, mantém uma comunicação clara e transparente com todos e reduz a ansiedade.”
Em um cenário de incerteza, com demissões em massa à vista, por exemplo, é natural que as pessoas busquem respostas, especialmente das lideranças, para saber como será o futuro. “Se a empresa conseguir capitalizar uma mudança como uma oportunidade de aprendizado e desenvolvimento, isso pode inclusive tirar algumas pessoas da zona de conforto.”
Para envolver os funcionários na transformação, a empresa precisa de práticas de “change management”, ou gestão de mudança. “Mapear os principais formadores de opinião, quem são os patrocinadores da mensagem, que vão ver a mudança como positiva, e quem vão ser os bloqueadores, já ajuda a montar uma boa estratégia.”
Em sua própria experiência, Furtado considera que a comunicação deve ser o mais transparente possível nesses momentos. “Ser transparente e eventualmente as pessoas não concordarem com o que a empresa está fazendo é melhor do que não comunicar nada e gerar conversas de corredor e mitos corporativos.”
Cuide de você e do outro
No caso de demissões em massa, há ainda uma dificuldade a mais. Quem está indo embora claramente sofre com as incertezas – mas quem fica também se ressente por não ter amigos no dia a dia. “É sabido que ter amizades e apoios no trabalho contribuem muito para nossa carreira e bem-estar, por isso nesses casos é necessário oferecer apoio a quem vai, mas cuidar de si também”, diz Paula Esteves, co-CEO do grupo Cia. de Talentos.
Coloque-se à disposição para apoiar quem está saindo, faça uma lista de contatos para divulgar entre os amigos, fique atento a oportunidades no LinkedIn que tenham a ver com seus ex-colegas. “Recomende as competências que eles têm para profissionais que você se relaciona. E, ao mesmo tempo, entenda qual o seu papel na nova organização que, afinal, escolheu você para ficar nesse momento de crise.”