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segunda-feira 7 de novembro de 2022 às 13:58h

O porquê da cobrança do ICMS-DIFAL apenas em 2023

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Em 2015, a Emenda Constitucional 87 estendeu a aplicação do Diferencial de Alíquotas do ICMS (ICMS-DIFAL) no Estado de destino para o consumidor final não contribuinte.

Antes da edição de qualquer lei complementar que estabelecesse as normas gerais desta nova relação jurídico-tributária, o CONFAZ celebrou o Convênio 93/15 para definir tais normas e, assim, servir de base para a instituição do ICMS-DIFAL nos Estados.

Em 2021, o STF declarou a inconstitucionalidade das cláusulas desse Convênio que invadiam matéria reservada à lei complementar, decidindo que, a partir de 1º de janeiro de 2022, a cobrança do ICMS-DIFAL estaria condicionada à edição de lei complementar, que veiculasse as mencionadas normas gerais, conforme determina o art. 146, III, da Constituição Federal.

O Congresso Nacional aprovou, então, o texto da lei complementar com as normas gerais para a exigência do ICMS-DIFAL, tendo sido a LC 190 sancionada e publicada, respectivamente, em 04 e 05 de janeiro de 2022.

Em seu art. 3º, a LC 190/22 estabeleceu o lapso temporal para a produção de seus efeitos da seguinte forma:

“Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal”.

Desse modo, para determinar um prazo para a produção de seus efeitos, a LC 190/22 fez remissão à alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal, a qual impede a exigência de tributos: “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.

Ao mesmo tempo, conforme se verifica, a alínea “c” faz referência à alínea “b”, a qual veda a cobrança de tributos: “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.

Há, portanto, uma cadeia de remissões (art. 3º da LC 190/22 => art. 150, III, “c, da Constituição => art. 150, III, “b”, da Constituição), a qual deve ser integralmente aplicada, pois só assim se chega à norma inteligível: se decorridos noventa dias da data da publicação da LC 190/22 e tratando-se de exercício financeiro posterior a essa publicação, então a LC 190/22 produzirá efeitos.

São três os argumentos que fundamentam essa conclusão.

Em primeiro lugar, a uniformização da produção de efeitos se coaduna com a razão de ser da própria LC 190/22, a qual surge justamente para uniformizar o mercado comum relativamente ao ICMS-Difal, condicionando a sua própria produção de efeitos, de sorte que se assegure também uma cobrança uniforme, a partir do mesmo termo inicial.

Em segundo lugar, se a referência do art. 3º da LC 190/22 à alínea “c” do inciso III do art. 150 da Constituição voltou-se a atribuir um lapso temporal entre a data de publicação da LC 190/22 e sua produção de efeitos, então se deve importar todo o conteúdo da alínea “c” relativo à imposição de um período: a noventena (“antes de decorridos noventa dias”) e a anterioridade do exercício (“observado o disposto na alínea b”).

Essa interpretação está em linha com a sistemática da anterioridade nonagesimal, firmemente estabelecida na Constituição por meio da Emenda Constitucional 42/03. Como, por vezes, o legislador esperava até o mês de dezembro para aumentar tributos, considerando que já poderiam ser exigidos no mês subsequente (porque no primeiro dia do exercício seguinte), a referida Emenda adicionou a noventena como um complemento à anterioridade de exercício. Portanto, a anterioridade nonagesimal é uma garantia adicional e cumulativa à anterioridade do exercício.

Em terceiro lugar, essa conclusão se vincula com a própria razão de ser de uma remissão, a qual se presta à economia legislativa. Quisesse o legislador complementar ter previsto apenas a noventena, bastaria assim indicar expressamente: “noventa dias”. Contudo, escolheu o legislador complementar um dispositivo que, além de prescrever os noventa dias, pressupõe a observância da anterioridade de exercício. Desse modo, a interpretação pela aplicação de ambas as anterioridades é a única que justifica a economia legislativa da remissão feita.

Aliás, tivesse o legislador complementar feito referência às alíneas “b” e “c” do art. 150, III, da Constituição, então ele seria (com toda justiça) acusado de redundância, pois basta ler a alínea “c” para ver que esta já faz remissão à alínea “b”. Ou seja, haveria, desnecessariamente, duas referências à mesma alínea “b”.

Ao mesmo tempo, quisesse o legislador complementar adotar a técnica da remissão, mas impor uma noventena, bastaria se referir ao artigo 195, §6º da Constituição, já que este dispositivo, sim, prevê a observância da noventena sem a vincular à anterioridade do exercício.

Em resumo: como a LC 190 foi publicada em 2022, então, ao se aplicar o lapso temporal visado pelo seu art. 3º, constata-se que sua produção de efeitos só se iniciará em 1º de janeiro de 2023. É a autonomia do Congresso Nacional como legislador complementar. E essa autonomia deve ser respeitada porque está em linha com a exigência de uma cobrança uniforme do ICMS-Difal, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Luís Eduardo Schoueri é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

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