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Lula e o agente Jorge Chastalo, ao fundo quando estava na sede da PF de Curitiba - Foto: Ricardo Stuckert
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domingo 6 de novembro de 2022 às 11:14h

Lula vai levar para Brasília agentes da PF que foram seus carcereiros na prisão

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Era a segunda viagem do ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) a Curitiba para visitar o ex-presidente Lula, pouco depois de sua prisão, em abril de 2018. Naquela tarde de quinta-feira, Mercadante chegou ao prédio da Polícia Federal com dois volumes do mesmo livro nas mãos. O ex-presidente já havia sinalizado conforme a coluna de Bela Megale, no O Globo, que usaria seu tempo atrás das grades, que acreditava que seria curto, para se dedicar à leitura. Lula, no entanto, não era o destinatário daqueles exemplares de “Longa caminhada até a liberdade”, biografia do líder sul-africano Nelson Mandela.

O “presente” era endereçado aos agentes da Polícia Federal Jorge Chastallo Filho e Paulo Rocha Júnior, conhecido como Paulão. Seriam eles as pessoas que teriam mais contato com o petista nos 580 dias em que Lula ficou preso em Curitiba. Ambos atuariam como os responsáveis pela segurança da cela do agora presidente eleito e, na prática, seriam os carcereiros do petista.

Ao entregar a obra a Chastallo, coordenador das escoltas e chefe da carceragem da PF, Mercadante disse que a biografia narrava a amizade que nasceu entre Mandela, que ficou preso por 27 anos por fazer oposição ao regime de segregação racial em seu país, o apartheid, e seu carcereiro, Christo Brand.

— A história do Brasil está passando por esta cela e vocês serão observadores privilegiados — disse o ex-ministro. Na conversa, deu um spoiler. Contou que Mandela, ao se tonar presidente após sair do cárcere, ofereceu a Brand um emprego na Assembleia Constituinte, como símbolo de conciliação e superação do apartheid.

Eleitor de Lula e simpático às ideias defendidas pelo PT, Paulão desenvolveu, já nos primeiros dias, uma relação de proximidade com o petista. Um dos fatores que o aproximou de Lula foi ser o profissional que mais passava tempo com o detento nos fins de semana, quando o petista não podia receber visitas. Naqueles dias, as conversas eram longas e incluíam todos os temas: política, família, namoro e até Domingão do Faustão, programa que Lula costumava assistir e comentar, por só ter acesso à TV aberta.

Foi no ombro de Paulão que Lula chorou no momento mais difícil que passou na prisão: a morte do neto Arthur, de 7 anos de idade, 11 meses depois de chegar em Curitiba. Vítima repentina de uma meningite, o pequeno era um dos nove netos mais chegados ao avô. Diferentemente do que aconteceu dois meses antes, em ocasião da morte de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, 79 anos, desta vez a Justiça autorizou em tempo hábil que Lula fosse ao velório de Arthur. No retorno, o ex-presidente passou duas semanas abatido e sem vontade de conversar.

– Não entendo por que levar alguém tão jovem, uma criança — repetia o petista a todos que o visitavam. Durante os dias que se sucederam, Lula abandonou o comportamento alegre e brincalhão que manteve na maior parte do tempo que esteve preso, parou com as piadas e com os bilhetes que mandava a interlocutores e amigos.

O responsável por contar a tragédia do neto ao petista foi Chastallo. Apesar de não ter a mesma conexão com as ideias de Lula que o colega Paulão, o agente se mostrava respeitoso e curioso sobre as histórias que o ex-presidente contava. Além disso, sempre puxava papo com lideranças políticas e personalidades que visitavam Lula, como o filósofo Noam Chomsky, de quem é fã e já tinha lido dois livros, e o ator Danny Glover. Como era chefe da carceragem, cabia a Chastallo autorizar o que podia entrar na cela. O agente tinha o poder de transformar a vida de Lula em um tormento ou amenizar o sofrimento. Optou pelo segundo caminho. Chastallo foi essencial para que itens como um aparelho de TV, uma esteira ergométrica e um cooler elétrico entrassem na cela de Lula sem embaraços. Todos com autorização judicial.

— Se eu tivesse feito um curso de ciências políticas, não teria aprendido na faculdade a metade do que aprendi com Lula e as pessoas que o visitaram. Mais interessante do que conversar, era ouvir os diálogos do presidente com esses intelectuais, políticos e artistas. As conversas giravam muito em torno de questões políticas e sociais e eu aprendi ouvindo — contou à reportagem.

O espaço onde o petista ficou preso era um quarto de 25 metros quadrados onde, antes de receber Lula, policiais que estavam em missão na cidade dormiam por um ou dois dias. A área foi adaptada para recebê-lo. As duas janelas foram gradeadas, uma cama larga de solteiro foi colocada próxima a uma mesa com quatro cadeiras e um criado mudo. Havia também um banheiro privativo, com cortina de plástico, chuveiro elétrico, pia e privada.

Chastallo teve papel importante de acordo com Bela Megale, para que a cúpula da PF do Paraná liberasse a visita da então namorada e hoje esposa de Lula, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja. Os encontros passaram a acontecer nas quintas-feiras, depois que o petista recebia seus familiares, geralmente os filhos. O relacionamento foi mantido em sigilo por um ano e quatro meses, até maio de 2019, quando Lula revelou ao ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, durante uma visita, que estava apaixonado e casaria assim que saísse da prisão. Logo a identidade de Janja, que trabalhava na Itaipu Binacional, veio à tona.

As trocas de cartas entre Lula e a namorada começaram nas primeiras semanas que ele chegou em Curitiba. Foram mil correspondências, 500 escritas por ela e as outras 500 por ele. Além dos manuscritos, Janja cuidava do petista como podia. Enviava refeições quando permitido, roupas, remédios, cobertores e itens de higiene pessoal. Ela contava com a ajuda dos seguranças de Lula, que se revezavam semanalmente em Curitiba.

Lula deixou sua cela de 25 metros quadrados em novembro de 2019, mas levou consigo os laços com Paulão. A pedido do próprio Lula, Paulão foi destacado para trabalhar com os policiais federais que atuaram em sua campanha. Agora, ele deve migrar para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela segurança presidencial. Chastallo não chegou a ser cotado para atuar na campanha, porque ocupa, até janeiro de 2024, o posto de adido da corporação na Embaixada de Lima, no Peru. Sua boa relação com Lula, no entanto, permanece. O agente, inclusive, chegou a declarar voto no petista.

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