A disputa acirrada entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) ganhou proporções diferentes na reta final do segundo turno nas cidades de origem de cada candidato.
Em Garanhuns, onde o ex-presidente teve 72,1% dos votos válidos no primeiro turno, a dianteira folgada ajuda a explicar a mobilização tímida de apoiadores do filho ilustre do município pernambucano. Também contribui para o clima morno o fim das campanhas dos candidatos a deputado, já eleitos.
Em Eldorado, o racha do eleitorado empurra para a luta os entusiastas do presidente, que recebeu 50,3% dos votos na cidade paulista onde passou a juventude, e também os de Lula, que veem brecha para superar o patamar de 44,1% de votos obtidos no município pelo líder nacional das pesquisas.
As duas localidades são acompanhadas desde julho pela Folha em uma série de reportagens sobre o desenrolar da eleição presidencial nos berços de ambos os candidatos. A situação do petista entre os conterrâneos é mais confortável do que a do atual mandatário no lugar onde viveu dos 11 aos 18 anos.
Sem a campanha de rua dos postulantes a deputado, o ritmo da campanha do PT em Garanhuns diminuiu nas últimas semanas, o que empolga a minoria bolsonarista na cidade.
A coordenação local da campanha do presidente avalia que Lula perderá fôlego pela abstenção maior de sua base e pela migração de uma parte dela para o lado oposto.
A mobilização lulista agora é puxada pela candidata a governadora Marília Arraes (Solidariedade), mas com algumas adversidades, já que a arrecadação de recursos dela minguou.
“As pesquisas sempre erram e colocam Bolsonaro para baixo. O presidente está crescendo na região e vai passar dos 20 mil votos em Garanhuns”, diz um de seus articuladores locais, o vereador Thiago Paes, 37 (PL).
Paes considera a cidade “ainda muito apegada ao passado”, mas profetiza a subida de Bolsonaro graças ao empurrão de indecisos. Para ele, o presidente será reeleito.
O discurso do vereador é o de que eleitores que votaram em Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), ou preferiram votar nulo ou em branco, agora “estão partindo para Bolsonaro porque ele vai governar com honestidade”.
Para tentar desgastar Lula e ampliar sua rejeição, a tática é associá-lo à corrupção. Há também quem acredita em mensagens enganosas, como a de que ele fechará igrejas se vencer.
A aposentada Almira Vilela, 82, que é da Igreja Presbiteriana, afirma acreditar que o petista buscará vingança dos evangélicos por causa do apoio majoritário do segmento a Bolsonaro. “A primeira coisa que ele vai fazer, se ganhar, é destruir o povo de Deus.”
No front petista, o esforço é para atrair os cerca de 6% de garanhuenses que escolheram Tebet e Ciro. Um dos que já mudaram foi o professor Erivaldo Vieira, 39, admirador do PDT e de Leonel Brizola, líder histórico do partido. Ele enxerga risco de ruptura na democracia caso Bolsonaro seja reconduzido.
“Não é só questão de ideologia. O PT sempre prezou a ciência, tecnologia e educação. Nada mais justo que agora a gente apoiar Lula”, diz Vieira. Sua objeção ao atual presidente se dá por motivos como o negacionismo na pandemia de Covid-19. “Ele ficou contra a ciência.”
O comitê de Bolsonaro em Garanhuns também age para enfraquecer o palanque lulista na eleição estadual, distribuindo adesivos e cartazes do presidente junto com materiais de campanha da candidata a governadora Raquel Lyra (PSDB), que está neutra no embate nacional e lidera as pesquisas no estado.
O engajamento menor dos eleitores de Lula, que têm dificuldade de encontrar materiais de campanha, não desanima simpatizantes como a aposentada Maria Jailda de Albuquerque, 75, que sai de casa diariamente com um adesivo de Lula e a estrela do PT na roupa. Na véspera do primeiro turno, ela pintou o cabelo de vermelho —e pretende deixá-lo assim até domingo (30).
Conhecida como Cobrinha, por sua ligação com o Santa Cruz (time de futebol recifense cuja mascote é uma cobra), ela se aborreceu com as falas de Bolsonaro associando o analfabetismo no Nordeste à vitória de Lula na região.
A eleitora do PT ironiza o episódio e diz que o gesto do presidente pode ajudar seu rival a ter ainda mais apoio de nordestinos. “Foi maravilhoso. Demos uma resposta exata e que precisava a Bolsonaro. Foi uma pena não termos ganhado no primeiro turno, mas vamos vencer no segundo.”
Já os bolsonaristas seguem a regra de relativizar a fala daquele que chamam de “mito”: alegam que ele fala com espontaneidade e que, muitas vezes, suas declarações são mal interpretadas ou tiradas de contexto por apoiadores de Lula para atacá-lo.
“Bolsonaro quis culpar o governo Lula, e não a população”, diz Paes, o vereador. “Bolsonaro quer libertar de verdade [as pessoas] e trazer emprego e renda. Os governadores ligados a Lula não querem que o Nordeste tenha uma educação de qualidade porque tentam fazer militantes para defender o lulismo.”
A 2.000 km de distância, bolsonaristas em Eldorado também citam o Nordeste ao criticar Lula por ter deixado inconclusa a transposição do rio São Francisco.
A menção a uma obra tão longe espelha a lógica da campanha bolsonarista de disseminar um discurso alinhado. A lista vai do suposto risco comunista rondando o Brasil até a vinculação do PT a facções criminosas.
“Eu acho que ele vai ter mais voto aqui no segundo turno e ganhar no país todo”, diz a gari Narcisa dos Santos, 68, que conta ter convivido com Bolsonaro na adolescência. O desempenho nada excepcional dele na cidade frustrou os que esperavam larga vantagem.
O prefeito Dinoel Rocha (PL), antes neutro, embarcou na campanha do colega de partido no segundo turno. “Primeiro, por Eldorado ser a cidade do presidente, né? Segundo, porque sou do PL. Eu não tinha como negar isso”, explica.
Rocha divulgou um vídeo pedindo voto também em Tarcísio de Freitas (Republicanos) para governador. Na primeira fase da eleição, apoiou Rodrigo Garcia (PSDB), em gratidão ao tucano por verbas e obras para o município.
A dobradinha Bolsonaro-Tarcísio é automática entre os seguidores do presidente, assim como os de Lula estão com Fernando Haddad (PT). Na turma da direita, já surge o desejo de que o ex-ministro, que lidera as pesquisas para o governo paulista, seja o eventual sucessor de Bolsonaro em 2026.
“Vejo o Tarcísio como um futuro presidente, daqui a quatro anos, né? É um cara muito inteligente”, diz Rodolfo Cesar Mariano, 42, servidor público e também empresário. “É ele ou o Romeu Zema”, segue, em referência ao governador de Minas Gerais, do partido Novo, apoiador de Bolsonaro. “Seria uma chapa legal os dois juntos.”
Petistas na cidade acham possível até mesmo fazer o ex-presidente ficar à frente entre os eldoradenses neste domingo. “Temos que virar os votos de quem foi no Ciro, na Simone, de quem não foi votar”, diz a ambientalista Ivy Wiens, 44, filiada ao PT.
Nos últimos dias, ela ajudou a divulgar um vídeo do candidato a vice de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), dirigindo-se às “amigas e amigos de Eldorado” para agradecer pelo apoio até aqui e pedir ajuda “para convencermos aqueles que não votaram conosco […], com diálogo e humildade”.
O apelo enfrenta resistência dos que optam por Bolsonaro não só por se identificarem com ele, mas pelo laço afetivo dele com a terra. A desempregada Carina Moreira de Lima Camargo, 27, estava indecisa até pouco antes do pleito e acabou votando em Bolsonaro. Por quê? “Ah, uma é por ele ser daqui, né? E eu não vejo, assim, o que os outros falam, que não fez um bom governo. O governo dele até que foi bom, sim.”