Era para ser um discurso trivial para os camaradas do Partido Comunista. Mas foi muito mais do que isso. As palavras do presidente Xi Jinping, no domingo (16), ecoaram pelo mundo como um prenúncio de guerra contra o Ocidente — que tem demostrado fraqueza e indisposição a conflitos diante da invasão russa à Ucrânia. O líder chinês garantiu que, se for preciso, não deixará de usar seu arsenal militar para reincorporar a ilha de Taiwan, território autônomo desde a década de 1970, apoiado pelos Estados Unidos. “Insistimos em lutar pela perspectiva de uma reunificação pacífica, mas não vamos abandonar [a hipótese de] uso da força”, afirmou o presidente chinês, que está prestes a renovar seu mandato por mais cinco anos, pela terceira vez. A China classifica Taiwan como província rebelde.
A escalada das tensões, depois da quase promessa de conflito, subiu a um novo patamar e acendeu o sinal de alerta em Washington. O próprio governo americano reconheceu o alto risco da situação e afirmou que o embate caminha para uma tremenda confusão. Na segunda-feira (17), o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, disse que Xi Jinping está empurrando seu país para uma direção mais difícil. “A China se tornou mais repressiva em casa e mais agressiva no exterior”, disse Blinken. “Isso representa um desafio aos nossos próprios interesses e valores.” A fala bastou para que uma onda de temores tomasse conta do mundo ocidental.
O sentimento geral, segundo os analistas internacionais e políticos, é que pouco a pouco Taiwan vai se tornando uma “Cuba Oriental”. De acordo com o analista internacional Carlos Rifan, CEO e fundador da Escola Nacional de Formação em Relações Internacionais (Enfri), isso se dá porque a ilha caribenha, apoiada pela então União Soviética, virou o epicentro da Guerra Fria, no período pós-Segunda Guerra. No caso de Taiwan, a ilha serviu de refúgio para a população contrária ao regime de Mao Tse Tung na década de 1950 e se consolidou como uma potência mundial em manufatura de tecnologia. O território produz um em cada quatro microchips do mundo. “Com toda essa responsabilidade, o país acabou sendo abraçado pelos Estados Unidos e pelas potências da Otan como uma região geopolítica estratégica”, afirmou Rifan.
A China pretende, no fim das contas, replicar sua ação de controle total como em Hong Kong. Pequim reprimiu duramente os movimentos dissidentes na região após amplas manifestações pró-democracia em 2019. O presidente afirmou que as medidas tomadas em Hong Kong restauraram a ordem e garantiram que a região semiautônoma seja governada por patriotas. Segundo ele, Hong Kong “entrou num novo estágio, no qual restaurou a ordem e está pronto para prosperar”.
TEMOR
Na economia, a perspectiva de uma guerra na China tem gerado até mais preocupações do que com o conflito entre Rússia e Ucrânia. A China é a segunda maior economia do planeta e o maior exportador do mundo. Uma eventual guerra, seguida de retração econômica, cairia como uma bomba nos emergentes, especialmente no Brasil, segundo Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos. “O cenário é extremamente preocupante para o País, visto que o mercado chinês é o principal destino das exportações brasileiras do agronegócio. “Por ser muito dependente da China, o Brasil pode ser muito afetado”, afirmou Bertotti. “E a desestruturação da cadeia de oferta global, que já vinha abalada pela Covid e pela guerra na Ucrânia, iria ficar ainda pior.”
“Taiwan faz seus próprios julgamentos a respeito de sua independência. A decisão é deles” Joe Biden Presidente dos EUA.
DIÁLOGO
De volta ao campo político, o problema é que Taiwan tem recebido, à revelia da China, armas de última geração dos Estados Unidos, além de caças e equipamentos de defesa antiaérea. Blinken reafirmou que o governo americano seguirá dando suporte à ilha. O próprio presidente Joe Biden garantiu que os americanos defenderão Taiwan em uma eventual agressão chinesa.
A tensão entre os dois países piorou no começo de agosto, com a visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan. Foi a 1ª de um representante do Congresso à região em 25 anos. No mês que vem, Biden e Xi Jinping terão o primeiro encontro olho no olho na cúpula do G20, em Bali. Se o evento realmente acontecer, as cartas da paz e da guerra estarão sobre a mesa.