Segundo o BBC News Brasil, a religião tornou-se um dos pontos centrais do debate político nacional no segundo turno das eleições brasileiras, com grande polêmica em torno de pautas sobre moralidade.
O padre Paulo Adolfo Simões acompanha atentamente o fenômeno. Diretor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (Cefep), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ele afirma que o uso político das pautas religiosas se tornou uma espécie de “voto de cabresto religioso” — em referência à prática de abuso de poder econômico de agentes (como coronéis ou fazendeiros) para obrigar eleitores a votarem nos seus candidatos.
No caso da religião, essa coersão se daria por meio de líderes religiosos, que utilizam o discurso da moralidade para influenciar o voto de seus seguidores.
“Surge esse novo perfil de religiosos, que foi construído também com algumas intenções. Eles trazem para o debate a pauta moral, que é para capturar os votos desses rebanhos. É o voto de cabresto religioso. Os fiéis de determinada igreja (…) vão todos para aquele candidato”, afirma.
De seu escritório em Brasília, Simões atendeu à reportagem da BBC News Brasil nesta terça-feira (18/10), em uma conversa de quase duas horas por videoconferência onde fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Ele se diz católico, mas é tudo ao mesmo tempo. A pauta dele não é dos católicos, não e dos evangélicos. A pauta dele é dele, é da extrema-direita. E onde dá voto, ele vai”, comenta Simões, que disse apoiar Lula, por ele apresentar “uma proposta que tem mais a ver com o evangelho”.
O padre comenta também diferentes episódios de acirramento dos ânimos por conta de discussões relogiosas — como a visita de Bolsonaro à Aparecida no dia 12; um padre que teve a missa interrompida no Paraná; e o assédio virtual ao cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, por conta de suas vestes vermelhas, cores litúrgicas correspondentes ao seu posto.
“É muito fácil chamar todo mundo de comunista. Sobrou até para o cardeal dom Odilo, que, aliás, se defendeu muito bem. Achei a fala dele muito boa, alertando para o crescimento do nazifascismo no Brasil”, afirma o diretor do Cefep.
O padre lembra que a CNBB, que acaba de completar 70 anos de história, nunca se furtou a posicionar-se politicamente. O organismo foi ativo na oposição a ditadura militar que comandou o país de 1964 a 1985, defendeu o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, e tem publicado diversos posicionamentos contra atos do governo Bolsonaro, especialmente quando afetam políticas públicas de amparo social ou de proteção a minorias.
Além disso, anualmente, a instituição promove a Campanha da Fraternidade, que de forma recorrente debate temas sociais e políticos.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – Muitos católicos, de certa forma para se proteger, estão optando por não falar em política, não se manifestar politicamente. Como é ser político dentro da Igreja?
Padre Paulo Adolfo Simões – Não tem nada mais político do que se dizer apolítico. Quem fica em cima do muro toma uma posição. Construímos um projeto [de conscientização] com foco nas eleições, mas é mais amplo: o projeto Encantar a Política. O ponto de partida é exatamente isso: existe uma noção de que política é só militância partidária, eleitoral. E outra ideia de que política é coisa muito suja, que não dialoga com religião.
Qual a percepção que a gente tem? Que as duas ideias não são espontâneas, são uma construção de quem está no poder. Sempre para que o povo não participe das decisões que afetam sua vida, é como se deixássemos nas mãos da mesma elite que vem desde o Brasil colonial definindo os destinos do país ou, em outra leitura, uma certa elite de iluminados que goste mais de política. Entendemos que a militância partidária e, sobretudo, eleitoral, é fundamental.
É importante o cristão e a cristã que se sente chamado assumir isso com todo o ônus que isso traz. Mas não é a única forma de fazer política. Você faz política de muitas formas, como nos sindicatos, nas associações, nos conselhos de direitos e até no ato de ir à igreja, de não ir, de participar de um evento social, de pronunciar-se ou se calar diante de alguma questão. São atos políticos.
A grande pergunta que a gente tem de fazer é a seguinte: minha militância política é em favor de quem? Aí é a pergunta de Paulo Freire [educador brasileiro que viveu entre 1921 e 1997]: é a favor dos opressores ou dos oprimidos? Estou a favor da maioria empobrecida ou a favor de manter o status quo? E às vezes isso se mistura um pouco. Na prática, de repente, você está defendendo a causa dos pobres e mantendo um grupo no poder. Ou, de repente, você está ajudando a manter um grupo no poder e, de alguma forma, também beneficiando os pobres. As coisas são muito complexas, mas o importante é isso. Não dá para separar fé de política.
O Frei Betto [frade dominicano e escritor] tem uma frase muito interessante. Ele fala que nós somos seguidores de um preso político, que é Jesus. Jesus Morreu por uma condenação política, e não religiosa. Jesus não morreu atropelado por um camelo nas ruas de Jerusalém, nem de gripe na cama. Ele morreu por uma condenação política. Ele não morreu condenado religiosamente, morreu por uma questão política. Isso não nos permite sermos omissos. Podemos até errar nas opções, mas precisamos fazê-las.
BBC News Brasil – Por falar em opções, como o senhor vê a polarização atual da política brasileira?
Simões – A gente tem falado que a polarização em si não é tão ruim, pois através de dois polos você pode fazer uma síntese. E sempre tivemos no Brasil uma polarização.
O problema é essa polarização violenta, que faz com que alguns até deixem de se posicionar por medo de alguma reação, risco até de violência física ou de contaminar o ambiente familiar, de trabalho. Essa é uma questão muito séria. A percepção internacional é que essa polarização é uma forma da extrema-direita dar um cala-boca em quem pensa diferente, criando justamente isso de que as pessoas, em nome da boa convivência, evitem falar em política, evitem se posicionar.
No Brasil, eu percebo que, politicamente, não temos uma polarização. Temos uma extrema-direita, violenta e tal, mas não temos uma extrema-esquerda, ao menos não uma extrema-esquerda que seja representativa. Não temos ninguém defendendo a invasão de terras, ninguém defendendo a estatização de bancos, nada disso. Temos um campo representado pelo candidato Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], pelo PT, que congrega outros partidos e inclui hoje muitos que defendem políticas liberais, que são mais de centro. São políticas de centro. Não temos uma extrema-esquerda militante, então a polarização é complicada de ser analisada.
Percebo que é mais uma tentativa de inviabilizar o discurso político e propiciar uma ascensão da extrema-direita, que é, inclusive como [o cardeal arcebispo de São Paulo] Odilo Scherer alerta, o surgimento, o crescimento do nazifascismo no Brasil. Uma coisa muito séria, muito grave.
BBC News Brasil – É esta gravidade que fez com que houvesse união em torno do Lula, em sua opinião?
Simões – O [ex-presidente] Fernando Henrique ao lado de Lula é muito simbólico. Até o [fundador do partido novo, João] Amoêdo, quando manifesta o voto em Lula. A questão que une todo esse grupo é a defesa da democracia, que é um bem maior, que está acima das ideologias e do modelo econômico. Porque num sistema democrático você pode discutir o modelo de país.
Se não tem o sistema democrático, não sabemos se vai poder discutir alguma coisa. Esta é a grande questão. […] O crescimento desta extrema-direita, inclusive católica e religiosa, indica que o brasileiro, em geral, é conservador. E até os governos populares, com alguns avanços, acabaram ferindo o pensamento dessas pessoas que agora querem se manifestar. […] O momento é importante par a gente enfrentar e mostrar para essa extrema-direita, sobretudo cristãos católicos que estão se posicionando nesse espectro, que há outro pensamento, outra possibilidade. Que não podemos cair no extremismo. E as pessoas precisam entender o que é fascismo.
BBC News Brasil – Mas esse discurso chega à população?
Simões – Não sei muito se esse discurso de democracia e fascismo interessa à população em geral, que quer ter comida na mesa. O pessoal está preocupado se tem alguma coisa na geladeira, se sobra um dinheirinho no fim de semana, se vai dar para tirar férias. Se isso vem da democracia ou de uma ditadura, para o povo, pouco importa. Aí vem um fator interessante, preocupação da Cefep: a falta de discussão política que nós temos.
Precisamos trabalhar mais, as pessoas não só não querem atuar politicamente como não querem discutir política, fogem disso. Precisamos formar o nosso povo, trabalhar para que as pessoas percebam que, num sistema democrático, com um governo mais progressista, a comida chega na mesa para todos e para todas. E os direitos estão garantidos para as minorias. No outro sistema a gente não sabe se um dia vai chegar [a comida]. Mas tanto a Igreja Católica quanto os campos progressistas, acho que ainda não conseguimos falar com o povão de forma direta, sobretudo usando as mídias sociais. E a extrema-direita faz isso muito bem.
Simões – Sim. Tem inclusive uma posição do próprio [Código de] Direito Canônico que diz que padres e bispos não devem manifestar apoio a candidatos. O papel da Igreja é orientar a consciência do cristão, dar informação para que as pessoas possam tomar a sua posição. O que temos no Brasil de hoje é que enquanto sempre se tomou muito cuidado com quem se posiciona a favor de alguma proposta política de esquerda, não se toma cuidado com quem se posiciona a favor da direita. Não se tem nenhum cuidado com quem se posiciona a favor do candidato Bolsonaro.
Aí ficamos numa situação complicada. Parece que somos muito ingênuos ainda com relação a isso, embora tenha essa orientação, a extrema-direita já trouxe essa questão para o centro do debate. E, nesse momento eleitoral, seria muito ingenuidade não nos posicionarmos. Isto [este silêncio] está contribuindo para que os católicos pensem que todos os padres, bispos e religiosos estão com Bolsonaro.
BBC News Brasil – Mas se está previsto no Direito Canônico, esses padres podem ser punidos?
Simões – O bispo [da diocese onde ele atua] pode tomar posição com relação a eles. Mas até agora não foi tomada nenhuma posição, então parece que os bispos ou estão temerosos, ou estão a favor [desse tipo de manifestação bolsonarista].
BBC News Brasil – O bispo pode suspender ou apenas advertir?
Simões – Seria uma advertência. Tenho notícia de que alguma diocese, depois que padres bolsonaristas se posicionaram, outros tomaram posição também [a favor de Lula]. O bispo tentou conversar com todo mundo. […] Aí houve um acordo entre eles e aceitaram a orientação do bispo.
BBC News Brasil – Por que nestas eleições a religião assumiu papel tão importante?
Simões – São vários fatores que se entrelaçam. Um deles é que esta extrema-direita sabe que o eleitor evangélico segue um determinado pastor. E o eleitor católico que pertence a um grupo tradicionalista, normalmente ligado à Renovação Carismática [movimento ultraconservador do catolicismo], esse eleitor é muito fiel a seu chefe. Ele vota em quem manda o padre, o pastor, o guru. Diferentemente do católico em geral que escuta o que diz o padre, o bispo, mas vota de acordo com sua consciência, que é aquilo que a teologia moral ensina: o católico tem de seguir sua consciência.
Então surge esse novo perfil de religiosos, que foi construído também com algumas intenções.
Eles trazem para o debate a pauta moral, que é para capturar os votos desses rebanhos. É o voto de cabresto religioso. Os fiéis de determinada igreja, de determinado coletivo de católicos vão todos para aquele candidato. E então entra o populismo: o político percebe qual a índole do seu eleitorado e passa a assumir o discurso daquele grupo. Nem sempre ele acredita nisso.
O Bolsonaro, por exemplo, é contra o aborto, mas já defendeu a liberdade do casal de abortar. […] Enfim, [os políticos] não acreditam nessas pautas. Essa é uma questão. É um eleitorado fácil de ser comprado, isso se percebe claramente. Esse eleitorado é composto por grupos normalmente com baixa formação cristã no sentido crítico. É uma formação que vai mais na linha de um treinamento para repetir alguns chavões.
Até usam, por exemplo, a Doutrina Social da Igreja [conjunto de orientações sociais do magistério católico] para dizer que a Igreja condenou o comunismo, mas também não definem o que é o comunismo. Repetem à exaustão uma fala do papa Pio 11 [que comandou a Igreja de 1922 a 1939], uma fala muito específica e [ignoram que] depois esse pensamento evoluiu.
Isso é muito claro: é um grupo muito fácil de ser manipulado.
BBC News Brasil – E a pauta de costumes parece “colar”…
Simões – Eleitoralmente é o principal. Quando você traz a pauta de costumes, fala que um candidato é a favor do aborto, fala que um candidato vai colocar banheiro unissex nas escolas, fala essa bobeira toda, essas fake news de grupos de WhatsApp, você não discute as grandes questões do país.
Não se discute a fome, a pobreza, o desmonte das políticas públicas, o desmonte e o descrédito das instituições que é o mais sério que essa extrema-direita faz. Isso é muito grave. A pauta de costumes é a cortina de fumaça para que não se pautem questões sérias e, mais ainda, não se apresentem programas de governo.
Para mim, é discurso para enganar bobo. Você pode ser contra tudo isso, mas nenhuma lei vai obrigar tudo isso. É uma democracia. A gente depende da democracia, uma lei que possibilita que quem quer, faça, mas que dentro da Igreja, da comunidade, eu possa ser contra, orientar meus fiéis. Mas politicamente é tudo irrelevante. A gente não está discutindo de fato o que leva a morte das pessoas, que é a pobreza, que é a economia.
BBC News Brasil – Afinal, a Igreja tem alguma orientação no sentido de que os fiéis não votem em candidatos que defendam questões que vão contra a doutrina da própria Igreja? Um católico deve escolher o político conforme o catecismo?
Simões – Papa Francisco, quando veio ao Brasil [em 2013], na entrevista ocorrida no avião um jornalista perguntou para ele se ele não ia falar contra o aborto. Ele respondeu que todo mundo já sabe que a Igreja é contra o aborto e não precisamos repetir isso à exaustão. Todos os assuntos são muito complexos. A Igreja é contrária a essas pautas, mas se você vai votar ou não em candidato que defende essas pautas, é outra questão.
Tem muito padre dizendo que católico não pode participar de partido de esquerda. Mas o cristão, em geral, é chamado a ser missionário, a viver o evangelho. O missionário está em todo lugar que possibilite a fala. Muitos cristãos vêm conversar e se manifestar dizendo que pela fala de alguns padres, católicos não podem participar de partidos de esquerdas porque estes são comunistas.
Primeiro precisa definir o que é comunismo e o que são comunistas. Porque se você pega os Atos dos Apóstolos [livro do Novo Testamento, que narra os acontecimentos vividos pelos primeiros seguidores de Jesus logo após a morte dele], a proposta da Bíblia é comunista. Até mais radical. Por exemplo, Maria no Magnificat [cântico cuja autoria é atribuída à mãe de Jesus, conforme citação no Evangelho de Lucas] fala não só para colocar comida nas mesas dos pobres como para despedir os ricos de mãos vazias.
O comunismo não chegou a isso. Então Maria era mais comunista do que eles. O cristão católico — e a doutrina da Igreja vai nesta linha — é sobretudo um missionário. O missionário fala em todos os espaços em que é permitida a fala. Ele só não deve estar nos espaços onde a fala é tolhida. E aí temos bons cristãos católicos e de outras denominações religiosas, de outras igrejas, que militam tanto em partidos de esquerda quanto em partidos de direita. Não sei se os de extrema-direita são cristãos de verdade, mas de direita a gente conhece.
BBC News Brasil – Ou seja: para ter liberdade de fala, é preciso democracia…
Simões – Vejo como pauta fundamental a questão da democracia versus autoritarismo, inclusive dentro dos partidos. Porque uma coisa é você militar ou votar para candidatos ou partidos que têm uma pauta que não contempla as propostas da Igreja Católica, mas que lá dentro é um partido democrático, permite a discussão, a conversa, vai ouvir a sociedade. Outra coisa é você estar em um partido que também defende pautas contra a Igreja Católica, ou não defende pauta nenhuma, e que impõe um modelo, não permite a discussão. Onde é possível conversar, discutir, é fundamental que o cristão católico esteja presente e leve sua contribuição.
BBC News Brasil – E o aborto, padre?
Simões – Quando a gente fala da pauta de aborto, a gente tem uma sensação que os movimentos chamados pró-vida foram captados por uma extrema-direita. Por quê? Eles se contentam em dizer que são pró-vida só defendendo que as pessoas nasçam, mas eles não defendem a vida dos que já nasceram. E o papa Francisco, em uma exortação apostólica sobre a santidade, ele fala que os cristãos devem defender de forma clara e apaixonada a vida dos nascituros, mas também defender com a mesma ênfase a vida de todos os que já nasceram e que se debatem na pobreza. Então ser cristão pró-vida não é só ser contra o aborto. Mas a gente não pode ser ingênuo de entrar nessa questão porque muitas vezes essas pautas são cortina de fumaça para desviar o assunto do que é essencial.
BBC News Brasil – Podemos dizer então que é mais interessante para o cristão estar em um lado político em que haja debate do que estar em um campo que simplesmente vete o que for contrário à doutrina católica?
Simões – Exato. Podendo expor seu ponto de vista, debater, conversar, ouvir o contraditório, a ciência. A grande defesa que o evangelho faz é a defesa da vida, sempre. E às vezes tem discurso que pode parecer pró-vida mas, na verdade, não redunda na vida. Tudo isso é importante de ser ouvido. Por isso o debate é importante. É a história: Jesus debateu com todo mundo, conversou com fariseus, pecadores, com todos. […] É uma mesa na qual cabe todo mundo.
BBC News Brasil – E o que justifica um cristão defender o armamentismo, o porte de armas? Não é contra o evangelho?
Simões – Eu diria, e esta é uma posição minha, que defender porte de armas é um absurdo do ponto de vista humano. Nenhum ser humano tem o direito de pensar na hipótese de tirar a vida do outro. Questiono a humanidade dessas pessoas. Quem defende o porte de armas está se desumanizando. Esta é a primeira questão. Se a gente vai falar com gente conservadora que defende o porte de armas, é preciso lembrar o quinto mandamento: não matar. Olha, você vai matar outra pessoa para defender sua propriedade? Você mata e vai para o inferno em seguida, isso é muito tranquilo para mim, não tenho dúvidas.
BBC News Brasil –Bolsonaro tem origem católica e se diz católico, mas frequenta cultos evangélicos e, em geral, aparece muito mais ao lado de pastores evangélicos do que no meio católico. A pauta dele é evangélica ou católica? Tem diferença?
Simões – A pauta dele é dele. Da extrema-direita. Onde dá voto ele vai.
BBC News Brasil – Essa postura dele e de seus seguidores tem acirrado a rivalidade entre católicos e evangélicos no Brasil?
Simões – Li em 2019, não me lembro quem falou, que no futuro a divergência entre os cristãos não seria mais entre evangélicos e católicos, mas entre fundamentalistas e progressistas dos dois campos. Claro que acaba existindo esse discurso contra evangélicos, que a gente faz até meio sem querer, mas, por outro lado, estamos muito próximos dos campos evangélicos progressistas, embora eles sejam minoria. Nas próprias igrejas, se um pastor se posiciona contra Bolsonaro, muitas vezes ele é tirado do ministério. Enfim, são minoria e sofrem muita retaliação. Quando falamos em campo evangélico no Brasil, a gente tem de tomar cuidado. Não é homogêneo. […] E todos esses pastores midiáticos que estão com Bolsonaro, eles estiveram com Lula e com Dilma.
BBC News Brasil – Têm uma relação fisiológica com o poder?
Simões – Exato. Bolsonaro tem o projeto dele. E essas igrejas têm o projeto delas. Isso é muito sério. Mas a discussão é a divergência entre progressistas e fundamentalistas.
BBC News Brasil – Até dentro da Igreja Católica?
Simões – Claramente.
BBC News Brasil – Nos últimos 10 dias, houve uma nota crítica da CNBB ao uso político da religião, a confusão da visita de Bolsonaro e seus apoiadores à Basílica de Aparecida, um padre no Paraná que teve a missa interrompida por um bolsonarista e o cardeal de São Paulo atacado nas redes sociais por conta da cor vermelha de suas vestes litúrgicas. Como se manifestar sem ser taxado de partidário? Qual a orientação da CNBB neste contexto?
Simões – Historicamente, a religião cristã como um todo sempre se pautou por uma mística. Então aquilo que fortalece o cristão militante, que clareia suas posições, é ter uma mística. Vai muito além de ter momentos de oração e de reflexão, mas inclui também isso.
É conhecer o evangelho, ter familiaridade com isso, dar espaço para a palavra de Deus, a meditação, a participação da comunidade na sua vida. Nos seus posicionamentos, neste momento de segundo turno, está necessariamente o apoio não a um dos dois candidatos e projetos, mas às causas de suas propostas.
Eu não defendo o Lula pelo Lula. Não defendo o PT pelo PT. Defendo porque, a meu ver, neste momento, ele apresenta uma proposta que tem mais a ver com o evangelho. É mais coerente do que o outro candidato, que é católico, mas é tudo ao mesmo tempo e tem uma incoerência muito grande, por exemplo, quando fala da família tradicional. Ele pode representar a família tradicional de qualquer um, menos a minha, que e tradicional. Eu não tenho aquele perfil de família.
E são muitas contradições. O essencial do evangelho é o pobre. Nossa defesa é dos pobres, dos empobrecidos. E também as pautas em relação a minorias. Mas a defesa do pobre, em geral, porque os pobres são o centro do reino de Deus. E volto para o Magnificat, “derrubou dos seus tronos os poderosos, exaltou os humildes, saciou de bens os famintos, despediu os ricos de mãos vazias”. É muito fácil chamar todo mundo de comunista. Sobrou até para o cardeal dom Odilo, que, aliás se defendeu muito bem. Achei a fala dele muito boa, alertando para o crescimento do nazifascismo no Brasil. Este é o modus operandi, essa violência extremista.