Nas eleições deste ano, mais da metade dos Estados reprovou seus deputados federais. Conforme reportagem de André Shalders, do Estadão, em 14 unidades da federação, os eleitores decidiram trocar a metade ou mais de seus representantes na Câmara dos Deputados. Os exemplos mais simbólicos estão no Acre, Amapá, Roraima e Sergipe, onde os eleitores optaram por renovar a maioria absoluta das bancadas. Para se ter uma ideia, dos oito parlamentares acrianos apenas um foi reeleito.
Em outros 13 Estados o movimento foi o inverso. Os números mostram que os eleitores do Rio Grande do Sul e Bahia praticamente repetiram o mesmo voto dado há quatro anos. A taxa de reeleição foi de 70%.
Economista de formação, Antônia Lúcia (Republicanos) foi a única deputada reeleita do Acre. Ela é casada com o também deputado e correligionário Silas Câmara, que se reelegeu pelo Amazonas. A deputada só assumiu a vaga em julho deste ano, depois que o titular, Alan Rick (União Brasil) se afastou para disputar e ganhar uma vaga ao Senado. Ou seja: dos deputados que assumiram em outubro de 2018, os acrianos não reelegeram ninguém. Ao Estadão, Antônia Lúcia atribuiu sua vitória nas urnas à “Deus, ao trabalho e aos muitos irmãos amigos” no Estado.
Na avaliação dela, a rejeição massiva aos deputados atuais seria uma tentativa dos eleitores de “ter pessoas novas para trabalharem pelo Acre e pelo Brasil”. “No meu caso, já vinha com a eleição garantida nas urnas desde 2018, mas as coligações não elegiam quem o povo queria, mas quem os partidos escolhiam. Minha vitória foi reconhecimento do trabalho incansável, mesmo eu estando fora da Câmara federal”, disse.
Assim como o Acre, outras nove unidades da federação decidiram mandar para casa mais da metade de seus deputados federais atuais: caso de Sergipe, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Piauí, Alagoas, Pará e do Distrito Federal. Quatro Estados ficaram no meio do caminho: reelegeram metade da bancada e expeliram a outra metade. Foi o que ocorreu no Rio Grande do Norte, no Espírito Santo, no Tocantins e no Amazonas. Nos outros treze Estados, a renovação ficou abaixo de 50%: mais da metade dos deputados mantiveram seus mandatos.
Conhecido por não reeleger nenhum governador desde a redemocratização, o eleitorado do Rio Grande do Sul é mais benevolente quando se trata dos deputados federais. Este ano, o Estado foi o que menos renovou sua bancada na Câmara. Os gaúchos manterão em Brasília 23 de seus 31 deputados federais. É o Estado que mais reelegeu, com apenas oito representantes novos. E isto não é uma novidade destas eleições, pois em 2018 o Estado também ficou entre os que mais reelegeram deputados.
O cientista político Fernando Schüler observa que o paradoxo está relacionado às características da cena política gaúcha. Com as contas públicas estaduais em frangalhos, o governador acaba acumulando muito desgaste ao longo dos quatro anos de mandato, dificultando a reeleição. “O eleitor (gaúcho) vê o deputado federal de uma forma diferente da qual ele vê o governador. No Estado, o governador é uma figura relativamente fraca”, diz. Ele ressalta que, ao mesmo tempo, o Rio Grande do Sul conta com máquinas partidárias consolidadas. Siglas como o Progressistas, o MDB, o PT e o PDT têm capilaridade e força no Estado.
Municípios
Professor do Insper em São Paulo e natural de Porto Alegre (RS), Schüler aponta ainda outro fator para o paradoxo: o número elevado de municípios no Rio Grande do Sul e em outros Estados que costumam reeleger suas bancadas na Câmara. O Rio Grande do Sul é o terceiro Estado com mais municípios (497). O maior, Minas Gerais, reelegeu quase 70% de sua bancada federal este ano.
“Num Estado como o Rio Grande do Sul, com quase 500 prefeituras, essa estrutura municipalista é muito forte. Para você fazer campanha lá, precisa ir a dezenas de municípios. Precisa de dinheiro. Para você entrar e desafiar o sistema, é mais difícil.”
Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper
Do outro lado, muitos dos Estados que mais renovaram suas bancadas têm poucos municípios: caso do Amapá e de Roraima, além do Acre. O grande número de prefeituras aumenta o custo para um iniciante fazer campanha nos grandes Estados. “Num Estado como o Rio Grande do Sul, com quase 500 prefeituras, essa estrutura municipalista é muito forte. Para você fazer campanha lá, precisa ir a dezenas de municípios. Precisa de dinheiro. Para você entrar e desafiar o sistema, é mais difícil”, diz Schüler.
Depois do Rio Grande do Sul, a Bahia foi o Estado que menos renovou sua bancada na Câmara. Dos 39 representantes do Estado, 28, ou 71%, continuarão trabalhando. Assim como o Rio Grande do Sul, é um estado com muitas prefeituras: são 417, o quarto maior número do País.
Na avaliação do cientista político baiano Cláudio André de Souza, a baixa manutenção está ligada a uma tradição oligárquica iniciada com o ex-governador Antônio Carlos Magalhães, o ACM (1927-2007). A partir de 2006, o PT passa a dar as cartas no Estado com a eleição de Jacques Wagner para o Palácio de Ondina, mas a concentração do poder permanece. “A gente ainda tem, nos partidos mais competitivos, chapas (para deputado federal) que são marcadas por carreiras políticas estáveis, por quadros políticos estáveis”, afirma o pesquisador.
Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), universidade federal criada em 2001, ele ainda aponta outro fator: é que o cargo de deputado federal é um dos mais importantes para quem quer alcançar o poder executivo. Para virar secretário de Estado, governador, ou disputar uma prefeitura de uma grande cidade. “Então, isso gera uma estabilidade”, afirma. “Depois da derrocada do carlismo, em 2006, a gente passa a ter novas lideranças ascendendo nos grupos políticos. E esse ciclo, que começou lá em 2006, ainda está vigente. Suas lideranças ainda estão num momento de ascensão da carreira. Se a gente pensar do ponto de vista de uma carreira política, quatro ou cinco eleições não é um tempo tão grande”, diz o cientista político.
Decano
Contraditoriamente, o atual decano da Câmara – isto é, o deputado que está há mais tempo na Casa – vem de um Estado que não costuma reeleger seus representantes. Átila Lins (PSD) do Amazonas assumiu seu primeiro mandato em 1º de fevereiro de 1991 e nunca mais saiu. Este ano, foi reeleito pela nona vez. “Eu já vi dois impeachments”, diz, referindo-se a Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). “Não é fácil chegar a nove mandatos como federal”, afirma. Para chegar lá, conta, não basta levar emendas e serviços para o Estado. “Eu estou sempre cuidando para ver se o governo está tendo uma presença nos municípios do interior”, ressalta. Ele cita a abertura de novas agências da Caixa Econômica no interior.
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) foi uma das lideranças de destaque nacional que saíram das urnas como campeões de votos. Lira foi o mais votado em Alagoas que lhe deu o quarto mandato consecutivo. Ao Estadão, disse que conseguiu aumentar o número de votos porque ampliou sua base de prefeitos. Da atual bancada, só quatro voltarão.
A visibilidade na Câmara e a possibilidade de enviar recursos para os redutos nem sempre são garantias de votações em massa. Dos deputados federais eleitos mais votados em seus Estados, 16 vão cumprir o primeiro mandato na Casa. Desses campeões de votos, alguns já exercem mandatos na Assembleia Legislativa de seu estado, como os atuais deputados estaduais Toinho Andrade (Republicanos-TO), Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e André Fernandes (PL-CE).
No Tocantins, apenas quatro deputados federais foram reeleitos. No Ceará, a taxa de renovação foi maior. O eleitor renovou o mandato de 15 dos atuais representantes.