Apesar da pressão para a aplicação célere de suas regras no contexto eleitoral, as plataformas YouTube, Facebook e Twitter seguem exibindo falhas no combate a alegações infundadas de fraude nas eleições.
Desde 2 de outubro, data do primeiro turno, até o último dia 5, foram publicados no YouTube 16 lives e 137 vídeos com alegações sem provas de fraude na votação. Ao todo, os conteúdos tiveram ao menos 3,3 milhões de visualizações, de acordo com levantamento da consultoria de análise de dados Novelo Data.
No Facebook, montagem com vídeo de 2018 da então deputada eleita Carla Zambelli dizendo, sem base na realidade, ter havido fraude naquele primeiro turno ficou no ar por ao menos 12 horas e reuniu 791 mil visualizações. “Houve fraude nas urnas eletrônicas, vamos agir, população” era a legenda do post.
No Twitter, um perfil que desde o dia 2 compartilhou 14 posts sobre supostas fraudes na votação não teve suas mensagens nem sequer rotuladas com alertas sobre o conteúdo ser potencialmente enganoso ou com orientação que leva a informações no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Cinco das publicações tinham a mesma frase: “Tá aí a prova das fraudes nas urnas eletrônicas, fomos todos roubados!”.
Com regras que abrem margem para interpretações diversas sobre qual medida se aplica a esse tipo de post —remoção ou só a marcação com link que oferece mais contexto—, as plataformas têm mantido no ar conteúdos que afirmam sem provas que a eleição foi fraudada.
A exclusão de registros enganosos ou falsos, em alguns casos, só ocorre depois que eles já atingiram centenas de milhares de visualizações.
Já os rótulos que levam a sites com informações sobre o tema não estão sendo inseridos em todos os posts que alegam fraude. A maioria dos links oferecidos tampouco esclarece o conteúdo específico com o qual o usuário teve contato, exigindo mais esforço para clarificar se as publicações têm desinformação.
No YouTube, a live mais popular detectada pela Novelo Data foi a do canal Novo Brasil, que tem 570 mil seguidores. A transmissão durou 23 horas, do final do domingo (2) até as 21h30 de segunda.
A live “Ao v1vo! Fraud3 na ele1ção! Provas são reveladas”, que ao todo gerou 2 milhões de visualizações, exibiu em sequência vídeos que circularam em outras redes com alegações falsas de fraude na eleição.
O mesmo canal começou outra transmissão às 10h do dia 3 de outubro, com o mesmo formato de duração e as mesmas supostas denúncias da primeira. A live, cujo modelo foi replicado por outros canais, aproximou-se de 100 mil visualizações em um dia.
“É preocupante que o YouTube tenha sido, mais uma vez, tão lento para aplicar suas próprias regras”, afirma Guilherme Felitti, sócio da Novelo Data.
O YouTube diz que todos os conteúdos na plataforma têm que seguir suas diretrizes e que tem elaborado “um sólido conjunto de políticas e sistemas para, além de dar visibilidade a conteúdo confiável, reduzir a disseminação de informações enganosas e, ao mesmo tempo, permitir a realização do debate político”.
A empresa afirmou ainda que, para identificar material suspeito, conta com uma combinação de sistemas inteligentes, revisores humanos e área para receber as denúncias de usuários.
Outra medida que as redes não tomam para reduzir o compartilhamento de conteúdo do tipo é o bloqueio da recomendação desses materiais. Ao procurar pelo termo “fraude”, o sistema de busca do YouTube sugere “fraude nas eleições 2022” como uma das opções. No Facebook, ao termo “urnas” foram sugeridas buscas como “urnas fraudadas” e “urnas em sindicato”, parte das quais indicadas como “populares agora”.
Checagens de fatos também eram exibidas com destaque, mas vinham junto a postagens com dados falsos, como um vídeo com a frase “fraude descarada nestas eleições”, no qual um homem com camiseta camuflada e com a palavra “intervenção” escrita acusava a Justiça Eleitoral de fraudar votos. A postagem não tinha nem sequer o rótulo que leva ao site do TSE e foi assistida pelo menos 663 mil vezes.
Em outro exemplo, um post do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos no Facebook com mais de 5.000 compartilhamentos em que ele diz que “todo mundo sabe que foi fraude” e que o “o culpado é o [presidente do TSE] Alexandre de Moraes”, só recebeu o rótulo informativo após contato da Folha.
Por meio de um porta-voz, a Meta, empresa que controla o Facebook, disse que o primeiro resultado de seu sistema de busca é um link para o site da Justiça Eleitoral e que diferentes rótulos informativos são adicionados a conteúdos sobre eleições, sendo que um deles, “específico sobre urnas, afirma que o voto eletrônico é seguro, com um link para a página sobre urnas eletrônicas no site da Justiça Eleitoral”.
Destacou ainda que conta “com parceiros independentes de verificação para ajudar a identificar e a reduzir a desinformação”.
No dia seguinte ao contato da Folha, o post com edição de vídeo de 2018 de Zambelli não estava mais no ar. A Meta, no entanto, não respondeu se o conteúdo violava suas diretrizes.
Em nota, a plataforma também afirmou que, durante a campanha eleitoral, removeu mais de 310 mil conteúdos por violência e incitação, além de mais de 290 mil conteúdos de discurso de ódio, e reduziu a circulação de informações sobre o processo eleitoral marcadas como falsas por agências.
Entre as plataformas, o Twitter tem uma das políticas de integridade cívica mais detalhadas e abrangentes, prevendo que informações enganosas destinadas a colocar em dúvida a confiança pública em uma eleição serão removidas ou marcadas. Entretanto, há inúmeros perfis na plataforma publicando vídeos sobre supostas fraudes nas urnas no primeiro turno ou um suposto roubo na contagem de votos.
Procurado, o Twitter afirmou ter tomado providências contra todos os posts enviados pela reportagem. De acordo com a empresa, as publicações receberam o rótulo de enganoso e passaram a exibir links para informações confiáveis sobre as urnas e o processo eleitoral. Além disso, a empresa diz ter desabilitado o engajamento –curtidas, comentários e compartilhamentos– e reduzido a visibilidade dos posts.
Duas contas foram permanentemente suspensas por repetidas violações e uma está cumprindo um período em modo “somente leitura”, durante o qual não pode publicar ou interagir na plataforma.
O Twitter disse ainda ter um contingente adicional para detecção de violações no contexto da eleição. Não há, porém, critérios claros sobre como a rede analisa a gravidade de um post para definir sua remoção.